sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Egito-Irã: eixo ou barganha?


31/8/2012, MK Bhadrakumar*, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Dentre as velhas platitudes de sempre nesses eventos, um “ponto de ação” a destacar na 16ª Conferência do Movimento dos Não Alinhados [Nota A] em Teerã, que termina hoje no final do dia, é a iniciativa sobre a Síria. Ainda não se conhecem os detalhes, mas o conteúdo pouco importa, porque, venha o que vier, será furiosamente contestado e talvez dê em nada. Só as grandes potências moem o que queiram ver moído, e na própria mó.

Mas aqui o que interessa é a forma. O ministro de Relações Exteriores do Irã Ali Akbar Salehi apresentou [1] a entusiasmante ideia [NotaB] de constituir-se um grupo dentro do Movimento dos Não Alinhados para buscar um acordo que ponha fim à crise na Síria. O grupo reúne os países que ocuparam a presidência do Movimento dos Não Alinhados, passado, presente e futuro – Egito, Irã e Venezuela – mais o Líbano e o Iraque.

Muito evidentemente, aí está um desses raros momentos em que se pode ver, ainda em formação, um novo “centro de gravidade” na geopolítica da região do Oriente Médio. É formação intrigante, porque o presidente Mohamed Mursi do Egito falou abertamente de “mudança de regime” na Síria [2], quando se sabe que Irã e Venezuela não aceitam irrestritamente sequer o conceito. Mas, ao que parece, os três partilham, como ponto comum, que a ideia de que a ‘transição’ que venha a acontecer tem de ser processo no qual só os sírios atuem, sem qualquer intervenção externa.

É a diplomacia iraniana exibindo seus melhores talentos, mostrando alta mestria na arte do possível. O que interessa infinitamente mais que todo o resto, do ponto de vista do Irã, é que Teerã e Cairo partilham afinal a mesma plataforma regional sobre a Síria. Os dois países são membros da Organização de Cooperação Islâmica; e o Egito é também membro da Liga Árabe.

O “consenso regional” é que tudo que EUA e Arábia Saudita tanto trabalharam para construir (ou inventar) acaba de ser pulverizado. [Nota C]

A debâcle da Turquia na questão síria[3] está-se convertendo em questão grave. A “entrada” do Egito força a Arábia Saudita a mudar de rota. A imprensa iraniana deixou bem claro que está previsto algum tipo de reaproximação entre Teerã e Riad.  [4] A restauração de laços diplomáticos entre Egito e Síria também obriga a Turquia a refazer os seus cálculos estratégicos.

Não é questão de somenos para Teerã que Mursi tenha declarado o Irã “parceiro estratégico” do Egito. [5] Até a rádio Voz da América admitia, em comentário, que o simbolismo da visita de Mursi ao Irã “preocupou países que tentam isolar o Irã, principalmente os EUA, país há longos anos aliado do Egito”. [Nota D]. O melhor que a Voz da América conseguiu produzir, em matéria de comentário [e prêmio de consolação], foi que a visita de Mursi não significa que o Egito “aprova irrestritamente o Irã”; e que “a aproximação aparente pode não passar de moeda de barganha” nas negociações do Egito com os EUA.



Notas de rodapé comentadas (em vermelho) pelos tradutores

[Nota A ] A Folha de S.Paulo/UOL, traduzindo matéria do New York Times, não escreve “Não Alinhados” nem no nome oficial do Movimento (!?); escreve “movimento dos ditos não alinhados” – o que deve ser recorde mundial de pior jornalismo jamais visto/lido/ouvido & requentado do NYT. Comprova-se em matéria datada de 27/8/2012, em Presidente do Egito planeja iniciativa de paz na Síria.

[1] 30/8/2012, ITAR-TASS News Agency, em: Iran announces NAM’s group on Syrian settlement – Ali Akbar Salehi

[Nota BNenhum jornal, jornalista ou “especialista” ouvido pelos veículos de jornal, rádio ou televisão do Grupo GAFE (Globo-Abril-FSP-Estadão) do dito “jornalismo” de massa, no Brasil, viu qualquer coisa de entusiasmante, intrigante, instigante, importante, nem, sequer, digna de notação jornalística nos eventos aqui comentados.
Além da FSP (que nem escreve O NOME do Movimento dos Não Alinhados, tal o ódio perverso que os jornalistas-empregados da FSP e a própria empresa nutrem por quem não se alinhe [risos, risos], a revista Época/Globo, por exemplo, só comenta, de todos esses eventos, que o presidente Mursi “exigiu mudança de regime na Síria”. E, mesmo para essa minguadíssima, ridícula “notícia”, a revista Época/Globo repete matéria da rede Al-Jazeera, porta-voz conhecida do... Emir do Qatar! Seria cômico, não fosse o jornalismo brasileiro o mais mequetrefe DO MUNDO. Comprova-se em:Presidente do Egito critica regime sírio e oferece apoio aos rebeldes (por exemplo).
E “O Estado de S.Paulo”, cujo pensamento udenista-golpista é ainda chamado de “pensamento conservador” por alguns últimos jabores & koras dramers babões, só noticiou que “Morsi chama o regime de Assad de opressor”. Nada de intrigante ou jornalisticamente relevante ou jornalisticamente bem noticiado: apenas a reiteração, a repetição fascistizante, de mais no mesmo jornalismo-zero e eterno golpismo. É o que se comprova em:Morsi chama regime de Assad de ‘opressor’ e sírios deixam cúpula”.


[2] 30/8/2012, Hurriyet Daily News em: Egypt’s Morsi harsh on Syria at Tehran summit

[Nota C] Essa, afinal, é a grande, enorme, importantíssima notícia, que nenhum “jornal”, “jornalista” ou “especialista” dentre as figurinhas sempre repetidas em tooooooooooooodos os jornais e televisões da imprensa-empresa no Brasil ofereceu à opinião pública. N-e-n-h-u-m.

[3] 31/8/2012, Hurriyet Daily News  em: Turkey’s Syrian debacle



[Nota D] Vejam bem: “até a rádio Voz da América” já admitiu. O problema do Brasil-2012 é que NENHUM jornal, jornalista ou especialista dos que se repetem infinitamente nas páginas dos jornais e nas telas de televisão dos veículos do Grupo GAFE (Globo-Abril-FSP-Estadão) no Brasil-2012, reconheceu coisa alguma que se pareça a essa conclusão. CRÓZES! É im-pre-ssi-o-nan-te! O Grupo GAFE é mais pró-Wall Street que a rádio Voz da América! (risos, risos, risos muitos) [PANO RÁPIDO]

MK Bhadrakumar* foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

Moniz Bandeira: “Síria: a loucura tem método”

Professor Moniz Bandeira

Luiz Alberto Moniz Bandeira [1]

Parece loucura que a oposição, levantada na Síria, desde 26 de janeiro de 2011, ainda continue e se desdobre, mais de um ano, sob a forma de luta armada, apesar da dura e sangrenta repressão do governo de Bashar al-Assad. Porém, conforme comentou Polônio a respeito do comportamento de Hamlet, “embora seja loucura, há um método nela” (Shakespeare, Hamlet, Act II, Scene I).

De fato, não obstante existissem condições objetivas e subjetivas para as sublevações que ocorreram e ocorrem, nos países árabes, o cartel das potências industriais do Ocidente, liderado pelos Estados Unidos e seus sócios da União Européia, armou uma equação, com ampla dimensão econômica, geopolítica e geoestratégica, sobretudo por trás das sublevações na Líbia e na Síria, iniciadas em 2011.

Os Estados Unidos e demais potências ocidentais pretendem assumir o controle do Mediterrâneo e isolar politicamente o Irã, aliado da Síria, bem como restringir a influência da Rússia e da China no Oriente Médio.

Base Naval da Rússia em Tartus, Síria (vista aérea)
A Rússia, desde 1971, opera o porto de Tartus, na Síria, e projeta reformá-lo e ampliá-lo, como base naval, em 2012, de modo que possa receber grandes navios de guerra, garantindo sua presença no Mediterrâneo. Consta que a Rússia também planeja instalar bases navais na Líbia e no Iêmen. E o financiamento da oposição, na Síria, desde 2005, visou a desestabilizar e derrubar o regime de Bashar al-Assad, que representa um obstáculo, a fim de impedir o aprofundamento, no âmbito naval, de suas relações com a Rússia.

A queda do regime de Bashar al-Assad, após a derrubada de Muammar al-Gaddafi, na Líbia, pelas forças da OTAN, permitiria, portanto, suprimir a presença da Rússia, na Síria, onde ela mantém duas bases navais (Tartus e Latakia); cortar as vias de suprimento de armas para as organizações pró-xiitas Hezbollah, no Líbano, e Hamas, na Palestina; conter o avanço da China sobre as fontes de petróleo; isolar completamente e estrangular o Irã, com a consequente eliminação do governo islâmico (xiita) de Mahmoud Ahmadinejad.

O resultado da equação, ao mudar completamente o equilíbrio de forças no Oriente Médio, seria o estabelecimento pelos Estados Unidos e seus sócios da União Européia da full-spectrum dominance, i. é, o pleno domínio territorial, marítimo, aéreo e espacial, bem como apossar-se de todos ativos do Mediterrâneo.


O objetivo de controlar o Mediterrâneo Washington e Madri manifestaram abertamente com o acordo, anunciado em 5 de outubro 2011 pelo qual a base naval de Rota (Cádiz), na Espanha, devia albergar quatro destróieres, equipados com antimísseis (BMD) da Marinha dos Estados Unidos e operados por 1.100 militares e 100 civis, como um sistema de defesa da OTAN, a pretexto de prevenir ataques de mísseis balísticos do Irã e da Coréia do Norte, e será acompanhado por outros sistemas, na Romênia, Polônia e Turquia. E a derrubada do regime de Assad é fundamental para o êxito da equação.

Os aliados ocidentais sabem que não podem aplicar à Síria a mesma estratégia da Líbia, através da OTAN, extrapolando, criminosamente, a resolução do Conselho de Segurança da ONU.

O apoio à sublevação na Síria e o sistema antimísseis, implantado a partir da Espanha, indicam que o alvo é, realmente, a Rússia, ainda percebida pelos Estados Unidos como seu grande rival, razão pela qual Moscou e Pequim vetaram a resolução do Conselho de Segurança contra o regime de Bashar al-Assad. Sua derrubada, após a de Muammar al-Gaddafi, completaria o controle do Mediterrâneo... Se os fundamentalistas islâmicos Jihad (Jamaat al-Jihad), a Guerra Santa, não capturarem os governos na Síria e como, virtualmente, já o fizeram na Líbia e é muito possível que ainda o consigam no Egito. [2]

A questão do petróleo

A insurgência na Síria envolve interesses de diferentes matizes, tanto políticos quanto religiosos, de países da região (Turquia, Arábia Saudita e Qatar). Contudo, tudo indica que a conquista das fontes de energia no Mediterrâneo seja um dos principais motivos pelos quais os Estados Unidos e seus aliados da União Européia estejam a encorajar, abertamente, a mudança do regime (regime change) de Bashar al-Assad.

Embora a produção de petróleo, na Síria, seja modesta, da ordem de 530.000 barris p.d., não se pode descartar, inter alia, esse fator como rationale da sangrenta resistência, concentrada na cidade de Homs.

É preciso considerar todos os fatores que estão determinando o apoio à insurgência que o Ocidente, através de diversos mecanismos, inclusive com a guerra psicológica através da mídia internacional, e em aliança com as monarquias absolutistas do Oriente Médio.  

As reservas de petróleo na Síria são estimadas em 2,5 bilhões de barris, de acordo com o The Oil and Gas Journal (01.01.2010), situadas principalmente na parte oriental do país, próxima à fronteira com o Iraque, ao longo do Eufrates, havendo apenas um pequeno número de campos, na região central.

Sua localização é estratégica em termos de segurança e de rota de transporte de energia, cuja integração se esperava aumentar com a inauguração, em 2008, do Arab Gas Pipeline, e a inclusão no gasoduto da Turquia, Iraque e Irã. E a Síria construiu um sistema de oleodutos e gasodutos, controlados pela empresa estatal Syrian Company for Oil Transportation (SCOT), a fim de transportar óleo cru e refinado para os portos Baniyas, situado 55 km ao sul de Latakia e 34 km ao norte de Tartus, onde se encontram as duas bases navais da Rússia.

 Fonte: U.S. Energy Information Administration (EIA)
        
Em fevereiro de 2012, os terroristas da al-Qaeda atacaram e explodiram a maior refinaria de Síria, localizada em Bab Amro, distrito 7km a oeste do centro de Homs (também chamada Hims), [3] cidade em que se concentra a oposição ao regime de Assad.

Essa refinaria, com capacidade de transportar 250.000 barris (bpd), liga, através de um oleoduto inaugurado em 2010, os campos de petróleo, no leste da Síria, à estação de Tel Adas e ao porto de Tartus.

A exploração do petróleo estava a cargo da empresa General Petroleum Corporation (GPC), com o suporte da Syrian Petroleum Co., Gulfsands Petroleum Syria Ltd.. A
Royal Dutch Shell e a China National Petroleum Corporation são sócias of GPC, através da “joint venture” Al-Furat Petroleum Co (AFPC).

O governo de Assad ainda planejava construir duas refinarias na Síria: a de
Deir ez-Zour com capacidade de processar 100.000 bbl/d pela CNPC, em Abu Khashab, e a da cidade de Homs, com capacidade 140,000 bbl/d, a ser construída por um consorcio de companhias da Venezuela, Síria, Irã e Malásia. [4]

Os ativos da Bacia do Mediterrâneo

Contudo, se as reservas de petróleo na Síria, calculadas em 1 de janeiro de 2011, por The Oil and Gas Journal, contém, aparentemente, 2.5 bilhões de barris (400.000.000 m3), [5] o interesse das potências ocidentais, entre outros, aponta, sobretudo, para os ativos petrolíferos, no mar da região.

Segundo o Ministro do Petróleo e Recursos Naturais da Síria, Sufian Allaw, na Bacia do Mediterrâneo, os estudos científicos modernos indicaram a existência de enorme reserva de gás natural, calculada em 122 trilhões de pés cúbicos, e petróleo, da ordem de 107 bilhões de barris, ao longo da plataforma marítimo da Síria. [6]

Diversas companhias anunciaram recentemente que ali descobriram importantes reservas de gás e petróleo, mas a exploração é complicada devido às tensões entre os países da região. [7]

Essas reservas, em águas profundas, nas camadas sub-sal, a leste do Mediterrâneo, próxima à Bacia Levantina, [8] estendem-se ao longo dos 193 km da costa da Síria até o Líbano e Israel. [9]

Fonte: (U.S. Geological Survey)

Desde o ano de 2010, ou mesmo antes, já se estimava a existência de jazidas com 122 trilhões de pés cúbicos, de gás natural, localizadas na Bacia Levantina, no leste do Mediterrâneo, não descobertas e tecnicamente recuperáveis.

A partir de então, o Great Game, na região, [10] intensificou-se, dramaticamente, com a descoberta na zona econômica exclusiva de Israel, na Bacia Levantina, de gigantesca reserva de gás natural, por isto denominada Leviathan. [11]

Os geólogos da U.S. Geological Survey calculam que área, abrangendo o litoral Israel, Líbano e Síria, contém ainda reservas que podem ser recuperadas, com o uso das atuais tecnologias disponíveis. [12]

O Líbano questionou na ONU a exploração de tais reservas, dado que também se estendem à sua zona econômica exclusiva, mas Israel não está disposto a ceder sequer “uma polegada”, conforme declarou seu ministro do Exterior Avigdor Lieberman. [13]

A companhia petrolífera americana Nobler Energy, sediada em Houston, anunciou, em fevereiro de 2012, a descoberta em Tanin, 13 milhas ao noroeste do campo de Tamar, na plataforma maritíma de Israel, de outro campo de gás natural, prospectando uma profundidade de 18-212 pés, um depósito de aproximadamente 120 pés de gás natural espesso. De acordo com as estimativas U.S. Geological Survey (USGS) os depósitos de gás na Bacia Levantina são da ordem de aproximada de 3.5 trilhões de metros cúbicos.

As descobertas na zona econômica exclusiva de Israel, dos campos de Marie B, Gaza Marine, Y ½, Leviathan, Dalit e Tamar já somavam, em 2011, 800 bilhões de metros cúbicos de gás. [14]

A exploração do campo Leviathan I, em 2011, já havia alcançado 5.170 metros de profundidade, onde os depósitos de gás natural eram estimados em 16 trilhões de metros cúbicos, e devia ainda atingir 7.200 metros, onde existe uma reserva adicional de 250 milhões de metros cúbicos.

As grandes descobertas da Nobler Energy, que explora a zona econômica exclusiva de Israel, no Mediterrâneo, são estimadas entre 0.9 e 1,4 trilhão de pés cúbicos de gás. [15] E ao lado de tais reservas de gás, há a possibilidade da existência de 4.2 bilhões de barris de óleo.

Relevância da Síria no Mediterrâneo

As grandes reservas de óleo e gás, ao longo da Grécia, Turquia, Chipre, Síria, Líbano e Israel, são da maior importância geoeconômica, geopolítica e geoestratégica, uma vez que podem abastecer, diretamente, o Estados Unidos e União Européia, e evitar as ameaças de interrupção no Golfo Pérsico, por onde atualmente milhões de barris do hidrocarbonetos são transportados em navios-tanques e oleodutos.

A disputa dessas fontes de gás e óleo, na Bacia Levantina constitui, também, fator do litígio geopolítico entre a Turquia e a República de Chipre, bem como entre Israel e o Líbano, evidenciando o grau da relevância estratégica da Bacia Levantina, que se estende do mar da Líbia à Síria. [16]

Em 24 de março de 2011, o ministro do Petróleo e Recursos Minerais e a General Petroleum Corporation (GPC), empresas estatal da Síria, anunciaram a abertura de uma concorrência internacional para a exploração e produção de petróleo, oferecendo três blocos (I, II e III), cada um com 3,000 km2 em uma extensão total de 9038 Km2 , localizados offshore, na zona econômica da Síria, no Mar Mediterrâneo. [17]

Localização dos três blocos offshore da Síria oferecidos no Bid Round 2011. Fonte: PetroView® 

O anúncio da concorrência excitou as empresas petrolíferas, ao abrir a perspectiva de acesso aos hidrocarbonetos, em uma área sub-explorada e considerada como a verdadeira fronteira da exploração de petróleo, no Mediterrâneo. 

O centro desse projeto são 5.000 km de “long-offset multi-client 2D seismic data”, i. é, dados geológicos (coletados através de explosões que provocam ressonâncias sísmiscas, como uma espécie de pequeno terremoto controlado) adquiridos pela companhia francesa CGGVeritas, em 2005, [18] para exploração em águas profundas, entre 500 e 1,700 m.

A guerra na Síria constitui, portanto, um capítulo da guerra para enfraquecer o Irã e, mudando os regimes de Bashar al-Assad e, depois de Mahmoud Ahmadinejad, os Estados Unidos e aos seus aliados, inclusive Israel e Arábia Saudita, mudem o equilíbrio de poder, na região, e possam controlar toda a Bacia do Mediterrâneo.
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Notas de rodapé:

[1] Luiz Alberto Moniz Bandeira é cientista político, professor titular de política exterior do Brasil na Universidade de Brasília (UnB), aposentado, e autor de mais de vinte obras, entre as quais Formação do Império Americano (Da guerra contra a Espanha à guerra no Iraque). Mora na Alemanha.

[2] Em 6 de outubro de 1981, o coronel Khalid Islambuli, conspirando com outros jihaditas, assassinou o presidente do Egito  Muhammad Anwar al-Sadat, declarado infiel, por ter assinado o Tratado de Paz com Israel, em 1979, com o aval do presidente dos Estados Unidos, Jimmiy Carter.

[3] Homs encontra-se a 450 m acima do nível do mar, a 160 km de Damasco e 190 km de Aleppo. Situa-se às margens do rio Orontes é o ponto onde as cidades do interior e a costa Mediterrâneo se interligam.




[7] Eric Fox “The Mediterranean Sea Oil And Gas Boom Sep 07, 2010 14:53 PM

[8] A Bacia Levantina, com enormes reservas, está situada na região oriental do Mediterrâneo entre o Chipre e o delta do Nilo e contém  10.000 de sedimentos mesozoicos e cenezoicos.

 

[10] Natural Gas Potential Assessed in Eastern Mediterranean. ScienceDaily (Apr. 8, 2010). 


[11] A Bacia Levantina situa-se no Mar Mediterrâneo, entre a Ásia menor e o Egito.

[12] F. William Engdahl.The New Mediterranean Oil And Gas Bonanza Part I - Israel’s Levant Basin - A New Geopolitical Curse?ASEA – RENSE.COM ,  F. William Engdahl é autor de Century of War - Anglo-American Oil Politics, 2-19-12.

[13] Ibid.

[14] Alain Bruneton, Elias Konafagos & Anthony E Foscolos. Economic and Geopolitic Importance of Eastern Mediterranean Gas  ffor Greece and the E.U. Enphasis on the Probable Natural Gas Deposit occurring in the Lybian Sea with the Exclusive Economic Zone of Greece”, in Oil Mineral Wealth.

 

[16] “Announcement For International Offshore Bid Round 2011” . Syrian Petroleum. Co.  


[17] “Engineer Live”. 22.feb. 2nd February 2012

 

[18] CGGVeritas é uma firma francesa de trabalho geofísico, formada pela fusão das empresas Compagnie Générale de Géophysique (CGG) e Veritas DGC Inc, em 2007. Sua atividade consiste na aquisição de áreas terrestres ou marítimas para monitorar as reservas, analisar e interpretar estudos eletromagnéticos.


 

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Pepe Escobar: “Mursi distribui cartões de visita”


31/8/2012, Pepe EscobarAsia Times Online  - Blog Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Pepe Escobar
Melhor você não fazer graças com o Irmão Muçulmano Mursi.

Saído diretamente da China “comunista” – onde foi recebido com tapete vermelho pelo presidente Hu Jintao e pelo vice-presidente Xi Jinping – Mursi do Egito aterrissou em terras do “Irã-do-mal” como verdadeiro líder do mundo árabe. [1]

Imagine pesquisa feita em Tampa, Florida, com delegados da Convenção Republicana bajuladores do sinistro duo Mitt Romney-Paul Ryan, candidatos. As chances são de Mursi ficar abaixo de Hitler, nas preferências (Oh, não... abaixo de Hitler já está Saddam. Talvez Osama. Ou, quem sabe, Ahmadinejad...).

De Tampa para Teerã. A mais recente foto da atual divisão geopolítica. De um lado, a massa dos 1% clamando por sangue, seja sangue de Barack Obama ou de bandeja de muçulmanos sortidos. De outro lado, o grosso da verdadeira “comunidade internacional”, praticamente todo o Sul Global (incluindo observadores como China, Brasil, Argentina e México) que se recusa a curvar-se ante os diktats imperiais militares/financeiros. Reafirmando suas impecáveis credenciais jornalísticas, a imprensa-empresa dos EUA dá de mão, e desqualifica tudo: não passa de “baboseira terceiro-mundista”.

Seja como for, a notícia é que o Egito voltou. A segunda notícia é que o eixo Washington-Telavive está apoplético.

Mohamed Mursi
É possível que Mursi pareça estar, como o egípcio do provérbio na imaginação popular, andando de lado. De fato, não para de avançar, nem por um segundo. A essa altura, já é evidente que a nova política externa do Egito está focada em repor o Egito, historicamente o centro intelectual do mundo árabe, na posição que lhe compete, de liderança – e que lhe foi usurpada pelos bárbaros sauditas milionários do petróleo, nas décadas durante as quais o Egito não passou de lava-penicos servil, dos desígnios geopolíticos de Washington.

Longe vão (bem longe) os dias – mais de 30 anos! – quando Teerã rompeu relações com o Cairo, quando o Egito assinou os acordos de Camp David. O fato de Mursi ter ido à Conferência dos Não Alinhados em Teerã pode não indicar reatamento pleno de relações diplomáticas, como anda explicando o porta-voz de Mursi, Yasser Ali. Mas é golpe diplomático com magnitude de terremoto.

Começa o novo grande jogo

Indispensável uma rápida recapitulação. A primeira viagem crucial de Mursi presidente foi à Arábia Saudita, para a reunião da Organização da Conferência Islâmica (OCI), em Meca. A Casa de Saud olha a Fraternidade Muçulmana com extrema desconfiança, para dizer o mínimo. Imediatamente depois, Mursi recebeu visita pessoal do Emir do Qatar, que levava um cheque de US$2 bilhões, sem cláusulas de reciprocidade. E Mursi, na sequência, mandou passear o velho líder do orwelliano Conselho Supremo das Forças Armadas (CSFA).
Fraternidade Muçulmana

No entretempo, Mursi já havia lançado o plano egípcio para por fim à interminável tragédia síria: um grupo de contato em que se reúnam Egito, Irã, Turquia e Arábia Saudita. Nenhuma solução síria será jamais alcançada sem esses atores estrangeiros chaves – com o Egito tendo tomado o cuidado de se autoinstalar como mediador entre os interesses de Irã e de Turquia/sauditas (que são praticamente os mesmos: em 2008, a Turquia firmou acordo estratégico, político, econômico e de segurança com o CCG).

Num único movimento, Mursi cortou a cabeça da falsa serpente que há anos estava sendo vendida a Washington pelo rei de Playstation da Jordânia e pela Casa de Saud, segundo os quais um “Crescente Xiita do Mal”, que iria do Irã ao Líbano via Iraque e Síria, estaria minando a “estabilidade” do Oriente Médio.

O que o rei Abdullah da Arábia Saudita e o Abdullah mais jovem da Jordânia temem, de verdade, é a agitação e a fúria de suas próprias populações (para nem citar, nem de longe, qualquer ideia de democracia). Então é hora de culpar o xiismo rampante por tudo que aconteça, dado que Washington é suficientemente otária – ou esperta – para comprar a tese.

O mito do “Crescente Xiita” pode ser desmascarado de vários modos. Eis um deles – em cena de que fui testemunha ocular, ao vivo, por bom tempo, em meados dos anos 2000s. Teerã sabe que a maioria do poderoso clericato iraquiano é totalmente contrário ao conceito khomeinista de República Islâmica. Não surpreende que Teerã ande tão preocupada com o renascimento de Najaf, no Iraque, como principal cidade santa do Islã Xiita, em detrimento de Qom, no Irã.

Washington compra essa propaganda porque está bem exatamente no coração do Novo Grande Jogo. Seja qual for o governo de plantão, de Bush a Obama, e adiante, uma obsessão chave de Washington é neutralizar o que é visto como um eixo xiita do Líbano, via Síria e Iraque, passando pelo Irã e direto até o Afeganistão.

Mera espiada no mapa diz-nos que esse eixo está no centro do vastíssimo deslocamento militar dos EUA na Ásia – de frente para China e Rússia. Obviamente, a melhor inteligência em Pequim e Moscou já o identificou há anos.

Russos e chineses veem como o Pentágono “administra” – indiretamente – grande parte das reservas de petróleo da região, incluindo o nordeste xiita da Arábia Saudita. E veem como o Irã – centro de gravidade de toda a região – só pode ser a absoluta obsessão de Washington. A conversa “nuclear” não passa de pretexto, de fato o único disponível no mercado. Em síntese, não é questão de destruir o Irã, mas de subjugá-lo e reduzi-lo à condição de aliado dócil.

Ban Ki-Moon, Ahmadinejad e Mursi na Conferência de Teerã
Nesse jogo barra pesadíssima de poder, entra o Irmão Mursi, jogando uma mão de cartas com a rapidez fulminante de um crupiê empregado, em Macau, de Sheldon Adelson. Cartada que poderia ter exigido meses, talvez anos – o descarte da velha liderança do CSFA do Egito; o Qatar privilegiado, em detrimento da Arábia Saudita; uma visita presidencial a Teerã; o Egito voltando ao centro do palco como líder do mundo árabe – foi completada em apenas dois meses.

Claro que tudo depende de como se desenvolvam as relações entre Egito e Irã, e de se o Qatar – e mesmo o Irã – serão capazes de ajudar a Fraternidade Muçulmana a impedir o colapso do Egito (falta dinheiro para tudo: o déficit anual é de $36 bilhões; quase metade da população é analfabeta; e o país importa metade de tudo que come).

Levem-me de volta a Camp David

O problema imediato com o grupo de contato do Egito para a Síria é que a Turquia – em mais uma instância de sua política externa espetacularmente contraproducente – decidiu boicotar a Conferência do Movimento dos Não Alinhados. Nem isso deteve o Egito, que propôs acrescentar Iraque e Argélia ao grupo de contato. [2]

E entra em cena Teerã, com mais uma proposta diplomática “de amplo espectro”, segundo o Ministério de Relações Exteriores: uma troika de Não Alinhados – Egito, Irã e Venezuela, plus Iraque e Líbano, vizinhos da Síria. Quer dizer: todos querem conversar – exceto, dadas as evidências, a Turquia. A Rússia apoia plenamente a proposta de Teerã.

Aliatolá Ali Khamenei, Supremo Líder do Irã
E bem quando a cobertura da imprensa-empresa dos EUA lambuza-se com os discursos de ódio da convenção de milionários em Tampa, em Teerã, no “isolado” Irã, o Supremo Líder, Aiatolá Khamenei recebe o secretário-geral da ONU Ban Ki-moon, e conclama a ONU a trabalhar a favor de um Oriente Médio sem armas nucleares. [3]

Não é precisamente atitude de algum “novo Hitler” que deseje a bomba atômica, como ainda tentava repetir, ontem, em Israel, o duo Bibi-Barak, inventadores de guerras. Mais parece, com certeza, denúncia vinda de um sul global muito popular, da hipocrisia cósmica de Washington, que espertamente ignora o arsenal nuclear de Israel, enquanto tenta apertar o Irã e seu programa nuclear.

Desnecessário dizer que nada disso foi notícia na imprensa-empresa norte-americana.

Simultaneamente, todos os olhos do sul global estão postos em Mursi. Pelo andar da carruagem, não é fantasioso imaginar que a Fraternidade Muçulmana, mais dia menos dia, jogue a carta de Camp David. Nesse caso, deve-se esperar que Washington entre em modo balístico – e talvez viaje no tempo, de volta à América Latina dos anos 1970s, e tente (mais um) golpe militar.

Em resumo, se a Fraternidade Muçulmana realmente articular uma política externa independente nos próximos meses, que dê pelo menos um sinal de que Camp David tenha de ser renegociado (movimento que terá o apoio de 90% dos egípcios), a única saída que sobrará para o duo Bibi-Barak, inventadores de guerras, será cair na real.

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Notas de rodapé:
[1]  30/8/2012, China Daily, em: Chinese VP, Egypt president vow to boost ties.
[2]  28/8/2012, Al-Akhbar, em: The Egyptian Initiative: Banking on Syrian Fatigue.
[3]  29/8/2012, PressTV, em: Leader urges UN to help create nuclear-free Middle East.

Aiatolá Ali Khamenei: “Discurso de Abertura da 16ª. Conferência do Movimento dos Não Alinhados”


30/8/2012, Teerã, Irã – The Office of the Supreme Leader Sayyid Ali Khamenei
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Aiatolá Ali Khamenei, Líder Supremo da República Islâmica do Irã

Em nome de Alá, o Benéfico, o Generoso.

Todas as honras a Alá, Senhor dos Dois Mundos. Que a paz e todas as bênçãos desçam sobre o maior e mais confiável Mensageiro, todos seus descendentes, companheiros seletos e todos os seus profetas e enviados divinos.

Saúdo nossos honrados hóspedes, líderes e delegações representantes dos estados membros do Movimento dos Não Alinhados, e todos demais participantes desse grande encontro internacional.

Reunimo-nos aqui para continuar um movimento, com a ajuda e a orientação de Deus, para dar-lhe nova vida e energia, consideradas as atuais condições e necessidades do mundo. O Movimento dos Não Alinhados foi fundado há quase 60 anos, graças à inteligência e à coragem de uns poucos líderes políticos atentos e responsáveis que sabiam das condições e circunstâncias de seu tempo.

Nossos hóspedes reuniram-se aqui, vindos de diferentes pontos geográficos, uns mais próximos, outros mais distantes, de diferentes nacionalidades e povos, com características ideológicas, culturais e históricas diferentes. Mas, como Ahmad Sukarno, um dos fundadores desse Movimento, disse na famosa Conferência de Bandung em 1955, o fundamento do Movimento dos Não Alinhados não é geográfico ou racial, nem a unidade de religião; o fundamento do Movimento dos Não Alinhados é a unidade de carências e necessidades. Naquele momento, os estados membros do Movimento dos Não Alinhados careciam de um elo que os protegesse contra as redes autoritárias, arrogantes e insaciáveis; hoje, com o progresso e a disseminação dos instrumentos de hegemonia, essa carência ainda existe.

Gostaria de destacar mais uma verdade. O Islã nos ensinou que, apesar das diferenças raciais, linguísticas e culturais, todos os seres humanos partilham a mesma natureza, que os encaminha na direção da pureza, da justiça, da generosidade, da compaixão e da cooperação. Essa natureza humana universal é que – quando consegue afastar-se com segurança das motivações enganosas – conduz os seres humanos na direção do monoteísmo e da compreensão da transcendente essência de Deus.

Essa luminosa verdade tem tal poder, que serve como base para a fundação de sociedades livres e orgulhosas delas mesmas, e que, ao mesmo tempo, alcançam progresso e justiça para muitos. Ela permite que a luz da espiritualidade ilumine todos os projetos materiais da humanidade e, assim, permite que os homens criem para eles mesmos, sobre a Terra, paraísos de bem-estar, antecipação do paraíso que depois virá, prometido por muitas religiões. E é essa verdade comum e universal que pode oferecer os fundamentos da irmandade e da cooperação fraterna entre nações e povos que pouco ou nada tenham de semelhança entre eles, em termos de estruturas externas, passado histórico ou localização geográfica.

Sempre que a cooperação internacional for baseada nesse tipo de fundamento, os governos poderão construir relações entre eles, não baseadas no medo, nem construídas sob ameaças, ou por ganância, ou baseadas na disputa entre interesses unilaterais, ou que brotam da mediação de indivíduos traiçoeiros e venais, mas baseadas em interesses partilhados entre todos e – mais importante – que visam a atender a interesses de toda a humanidade. Assim, os governantes podem dar paz às próprias consciências despertas e alargadas e podem garantir paz também à consciência dos seus povos.

Essa ordem baseada em valores é o exato oposto da ordem baseada na força hegemônica, que tem sido ostentada, propagandeada e capitaneada pelas potências ocidentais nos últimos séculos; e pelo governo agressivo e autoritário dos EUA, hoje.

16a. Conferência dos Países Não Alinhados - Teerã, 30/8/2012
Caros visitantes e hóspedes, hoje, passadas já quase seis décadas, os principais valores do Movimento dos Não Alinhados permanecem vivos e firmes: valores como o anticolonialismo, a independência econômica e política, o não alinhamento com blocos de poder, e sempre crescentes e aprimoradas solidariedade e cooperação entre os estados membros. As realidades do mundo contemporâneo não mostram fartura desses valores. Mas o desejo coletivo manifestado, somado a esforços amplos e firmes para mudar as realidades de hoje e realizar aqueles valores, embora carregados de desafios, são promissores e recompensadores.

No passado recente, assistimos ao fracasso das políticas da era da Guerra Fria e ao unilateralismo que se seguiu àquelas políticas. Aprendidas as lições dessa experiência histórica, o mundo está em transição para uma nova ordem internacional. E o Movimento dos Não Alinhados pode, aí, desempenhar um novo papel. A nova ordem terá de ser baseada na participação de todas as nações e em direitos iguais para todas. Como membros desse movimento, nossa solidariedade é necessidade óbvia no atual momento, para estabelecer essa nova ordem.

Felizmente, a visão geral dos desenvolvimentos globais promete um sistema multifacetado, no qual os tradicionais blocos de poder são substituídos por grupos de países, culturas e civilizações de diferentes origens econômicas, sociais e políticas. Os importantes eventos cuja ocorrência testemunhamos nas últimas três décadas mostram claramente que a emergência de novas potências coincidiu com o declínio das velhas potências. Essa gradual transição de poder oferece aos países não alinhados importante ocasião para desempenhar papel significativo no palco mundial e para preparar o terreno para nova governança global, justa e realmente participativa.

Apesar das muitas perspectivas e orientações, nós, estados membros desse Movimento de Não Alinhados, conseguimos preservar por muito tempo nossa solidariedade e os laços que nos ligam, no quadro de nossos valores partilhados. Não é realização pequena ou desimportante. Esses laços e nossa solidariedade podem preparar o terreno para a transição para uma nova ordem humana e justa.

As atuais condições globais oferecem ao Movimento dos Não Alinhados uma oportunidade que talvez não volte a aparecer. Nosso pensamento é que a sala de controle do mundo não deve ser administrada pelo desejo de poder ditatorial com que a administram os interesses e desejos de uns poucos países ocidentais.

Tem de ser possível estabelecer e preservar um sistema participativo de administração dos assuntos internacionais que seja global e democrático. É o que querem e do que carecem todos os países que, direta ou indiretamente, foram agredidos por ações de países tão hegemônicos quanto violentos e agressivos.

A estrutura e os mecanismos do Conselho de Segurança da ONU são hoje ilógicos, injustos e absolutamente não democráticos. Vê-se ali flagrante modalidade de ditadura, antiquada e obsoleta, cujo prazo de validade já se esgotou. Mediante repetido abuso daqueles mecanismos impróprios, os EUA e seus cúmplices têm conseguido mascarar seus atos de injustificável agressão, travestindo-os com conceitos nobres e impondo-os à força, ao mundo. Aqueles mecanismos preservam os interesses do ocidente, apresentando-os como se implicassem “direitos humanos”. Os EUA interferem militarmente em outros países, mascarando a intervenção em nome de alguma “democracia”. Atacam populações indefesas em vilas e cidades, bombardeando inocentes, como se isso fosse “combater o terrorismo”. Da perspectiva dos EUA, a humanidade divide-se em cidadãos de primeira e de segunda classe.

A vida humana na Ásia, África e América Latina vale nada; só é valiosa e cara nos EUA e na Europa Ocidental. A segurança de EUA e Europa é artigo importante; a segurança do resto da humanidade vale nada. Tortura e assassinato são permitidos e absolutamente inatingíveis pela lei, se o torturador e o assassino é EUA ou os sionistas ou algum de seus fantoches. Nada agita a consciência deles: mantêm prisões secretas em várias partes do mundo, em vários continentes, nos quais prisioneiros aos quais se nega qualquer defesa ou advogado, nega-se até o direito de ser julgado em tribunal legal, vivem em condições abjetas, inadmissíveis. O bem e o mal são valores definidos seletivamente, viciosamente. Impõem seus próprios interesses a nações livres, como se alguma “lei internacional” existisse especialmente para legalizar o que é injusto. Impõe sua dominação e suas exigências, como se fossem exigência de alguma “comunidade internacional”. Usando sua própria rede de imprensa, comunicação e mídia, exclusiva e organizada, conseguem mascarar como verdade a falsidade e suas mentiras; a opressão que impõem, são apresentadas como esforços para promover alguma justiça. Ao mesmo tempo, apresentam como se fossem mentiras todas as declarações e informações verdadeiras que exponham a falsidade e a simulação; e chamam de “rogue” toda demanda legítima.

Amigos, essa situação daninha e viciosa não pode continuar. Todos se cansaram dessa estrutura internacional viciosa. O movimento dos 99% do povo contra os centros de riqueza e poder nos EUA, e os protestos populares que se alastram na Europa Ocidental contra as políticas econômicas dos respectivos governos mostram que o povo começa a perder a paciência. É necessário remediar essa situação irracional. Elos de conexão firmes, lógicos, abrangentes, entre os estados membros do Movimento dos Não Alinhados, podem ter importante função na ação de encontrar remédio.

Honrado público presente, a paz e a segurança internacional estão entre as questões cruciais do mundo contemporâneo; eliminar as catastróficas armas de destruição em massa é necessidade urgente e demanda universal. No mundo de hoje, a segurança é necessidade partilhada – e não há espaço para discriminação.

Ninguém, dos que mantêm armas anti-humanidade em seus arsenais, pode, de modo algum, declarar-se padrão exemplar de guardião da segurança global. Sequer são capazes de proteger a própria segurança e a segurança dos seus cidadãos.

Máxima infelicidade é ver que países que mantêm os maiores arsenais de bombas nucleares do planeta ainda não deram qualquer sinal de disposição genuína para desmontar esses arsenais e apagar essas armas anti-humanidade de suas doutrinas militares. De fato, aqueles países ainda consideram aquelas armas como instrumento útil para usar como ameaça – e como importante padrão que define a posição política e internacional, de força, dos países “atômicos”. É indispensável rejeitar e condenar completamente esse conjunto de ideias.

Armas nucleares nem garantem autoproteção e segurança, nem são fator que consolide algum poder político. Não passam de ameaças diretas tanto à segurança quanto a qualquer poder político. Os eventos dos anos 1990s mostraram que a posse de armas nucleares sequer conseguiu manter no poder um regime como o da antiga União Soviética. E hoje se veem alguns países expostos a trágicas ondas de mortal insegurança, apesar das suas bombas atômicas.

A República Islâmica do Irã define o use de armas químicas e similares como pecado grave e imperdoável.

Propusemos a ideia do “Oriente Médio livre de armas nucleares” e continuamos comprometidos com ela. Não implica abrir mão de nosso direito de usar a energia atômica para finalidades pacíficas e para produzir combustível atômico. Em estrito respeito à legislação internacional, todos os países têm direito de usar energia nucelar para finalidades pacíficas. Todos os países devem poder empregar essa importante fonte de energia para várias finalidades vitais, em benefício do país e de seu povo, sem ter de depender de fornecedores para exercer esse direito.

Alguns países ocidentais os quais, eles mesmos, mantêm arsenais de bombas atômicas e são culpados, portanto, dessa prática ilegal, desejam monopolizar a produção de combustível nuclear. Movimentos clandestinos estão em processo hoje, para consolidar um monopólio permanente da produção e venda de combustível nuclear, em centros que têm uma autorização internacional, mas que, de fato, são controlados por uns poucos países ocidentais.

Amarga ironia de nosso tempo é que o governo dos EUA, que comanda o maior e mais mortal arsenal de bombas atômicas anti-humanidade e de outras armas de destruição em massa – e o único país, em toda a história do mundo, culpado de ter usado bombas atômicas em situação de guerra – tanto faça para aparecer como paladino da oposição à proliferação dessas armas.

Os EUA e seus aliados ocidentais armaram o regime sionista usurpador: deram armas atômicas àquele regime e, assim, criaram a maior e mais terrível ameaça que pesa hoje sobre toda essa região sensível. Mas os mesmos, cínicos, mentirosos, falsos, não admitem que países independentes usem a energia nuclear para finalidades pacíficas; de fato, opõem-se furiosamente, com toda sua força, à produção de combustível nuclear para emprego em equipamentos usados em pesquisa médica, farmacológica e outras finalidades pacíficas. Usam, como pretexto, o medo de que esses países venham a produzir armas atômicas.

No caso da República Islâmica do Irã, os próprios mentirosos sabem perfeitamente que mentem, mas as mentiras e os mentirosos são ‘autorizados’ pelo tipo de política que praticam, absolutamente carente de qualquer traço, mínimo que fosse, de espiritualidade. Estado, governo e governantes que fazem ameaças nucleares em pleno século 21, sem se envergonharem do que fazem e dizem... por que se envergonhariam de mentir ao mundo?

Reafirmo que a República Islâmica jamais buscou produzir armas nucleares. Reafirmo também que jamais desistimos ou desistiremos do direito, que é do povo do Irã, de usar energia nuclear para finalidades pacíficas. Nosso motto é e sempre foi: “Energia nuclear para todos e armas nucleares para ninguém.”

Insistiremos sempre em cada um desses dois conceitos. Sabemos que quebrar o monopólio de alguns países ocidentais produtores de energia nuclear – nos termos definidos pelo Tratado de Não Proliferação – é tarefa que interessa a todos os países independentes inclusive aos membros do Movimento dos Não Alinhados.

A bem-sucedida experiência da República Islâmica, na resistência contra a agressão e as pressões dos EUA e seus cúmplices, já nos convenceu firmemente de que a resistência de nação decidida a resistir pode vencer todas as hostilidades, provocações e desamizades, e abrir caminho para que os resistentes alcancem seus mais altos objetivos. Os amplos avanços que o Irã obteve nos últimos 20 anos são fatos bem conhecidos de muitos e repetidamente atestados por observadores internacionais oficiais. Tudo o que fizemos aconteceu sob sanções e pressões econômicas, e contra intensivas campanhas de propaganda, de que são meios e agentes as redes de imprensa, comunicação e notícias apadrinhadas pelo sionismo e pelos EUA.

As sanções, definidas como “debilitantes”, quando não como “paralisantes” por comentaristas néscios, não só não nos paralisaram como, ao contrário, nos obrigaram a dar passos mais firmes, a firmar nossa vontade, e aprofundaram nossa convicção de que nossas análises são corretas e que o Irã é mais forte do que supõem os inimigos. Tantos de nós viram, com os próprios olhos, o quanto Deus nos ajuda sempre, para superar esses desafios!

Honrados hóspedes, considero necessário falar aqui sobre importante questão que, embora seja questão dessa nossa região, tem dimensões que avançam muito além dos nossos limites e influenciam políticas globais há, já, várias décadas. Refiro à gravíssima questão da Palestina.

Em versão resumida, começou por um terrível complô ocidental, dirigido pela Inglaterra nos anos 1940s. Um país independente, com clara e conhecida identidade histórica, chamado “Palestina”, foi roubado do povo que ali vivia e, mediante invasão, guerra, matança, massacres, foi entregue a um grupo de pessoas das quais a maioria eram imigrantes de países europeus.

Essa quase inacreditável usurpação – que, nos primeiros anos, foi acompanhada de massacres de aldeãos que viviam indefesos em cidades e vilas palestinas, e que foram ou assassinados ou expulsos de suas casas e cidades e vilas e terras e empurrados para países vizinhos, como párias – continuou por mais de 60 anos; praticamente os mesmos crimes repetem-se até hoje. Essa é uma das questões mais importantes a exigir ação firme de toda a comunidade humana.

Durante todos esses anos, líderes políticos e militares do regime sionista ocupante não negaram a prática de seus crimes: assassinatos, destruição de casas e propriedades, prisão e tortura de homens, mulheres e até de crianças, humilhação e insultos contra a nação palestina, tentativas que o regime sionista sempre fez, na intenção de destruí-la, atacando até os campos de refugiados palestinos em países vizinhos, nos quais vivem milhões de palestinos. Os nomes de Sabra e Shatila, Qana e Deir Yasin estão gravados fundo na história de nossa região, marcados pelo sangue do povo oprimido da Palestina.

Mesmo hoje, 65 anos depois, o mesmo tipo de crimes marca o tratamento que recebem os Palestinos que restam nos territórios ocupados pelos ferozes lobos sionistas. Cometem crime após crime, e criam novas crises para toda a região. Raramente se passa um dia sem notícias de assassinatos, ferimentos, prisão de jovens que avançam para defender a própria terra e a própria honra e protestam contra a destruição de suas casas e pomares.

E o regime sionista, que ainda não foi punido por seus crimes e causa conflitos, há décadas, e faz guerras desastrosas, mata, ocupa territórios árabes e organiza o estado de terror na região e no mundo... é ele, o próprio regime sionista, quem rotula de “terroristas” o povo palestino que, ainda e sempre, defende os próprios direitos usurpados. E as redes de imprensa, comunicações e mídia, que são propriedade do sionismo, muitos dos veículos da mercenária imprensa-empresa ocidental só fazem repetir a grande mentira que os sionistas inventam e divulgam; e violam, assim valores éticos e morais sem consideração aos quais o compromisso jornalístico nada é. E líderes políticos que se dizem defensores de direitos humanos, mantêm os olhos fechados para os crimes dos sionistas e apóiam esse regime criminoso e, desavergonhadamente, assumem o papel de defensores dos sionistas.

Nossa posição é que a Palestina pertence aos palestinos e que a ocupação continuada é injustiça enorme e intolerável, além de grave ameaça à paz e à segurança globais. Todas as soluções sugeridas e adotadas pelos ocidentais e aliados para “resolver o problema da Palestina” deram em nada, e continuarão a dar em nada também para o futuro.

Oferecemos proposta para solução justa e inteiramente democrática. Todos os palestinos – os atuais cidadãos e os que foram forçados a emigrar, mas preservaram a identidade palestina, inclusive muçulmanos, cristãos e judeus – devem votar num referendum cuidadosamente organizado e supervisionado para ser plenamente transparente e confiável, mediante o qual escolherão o sistema político que desejam para seu país; e todos os palestinos que há anos padecem os sofrimentos do exílio devem voltar ao país para também votar nesse referendum; isso feito, os palestinos redigirão uma Constituição; e, então, haverá eleições. A paz estará, afinal, estabelecida.

Quero agora dar um bem-intencionado conselho aos políticos dos EUA que sempre aparecem para defender e apoiar o regime sionista. Até o presente, esse regime só criou incontáveis problemas também para vocês. Apresentou aos povos dessa região uma imagem de intolerância e ódio, que se agrega à própria imagem de vocês; mostra-os ao mundo como cúmplices dos crimes de ocupação e usurpação praticados pelos sionistas. O custo material e moral que pesa sobre o governo e o povo dos EUA, pelo apoio que alguns políticos norte-americanos dão aos sionistas, é espantosamente alto, e muito mais alto ainda poderá ser, no futuro.

Considerem, portanto, a proposta de um referendum palestino, que lhes foi encaminhada pela República Islâmica. Em seguida, em decisão corajosa, salvem-se vocês mesmos dessa situação impossível, sem saída, na qual se veem hoje, aliados ao regime sionista ocupante e usurpador. Não há dúvidas que o povo dessa região e os homens e mulheres de pensamento justo e livre em todo o mundo acolherão com satisfação a notícia.

Distintos hóspedes, gostaria agora de voltar ao meu ponto inicial. As condições globais são sensíveis; o mundo passa por conjuntura histórica crucial. Pode-se prever que logo nascerá uma nova ordem mundial. O Movimento dos Não Alinhados, no qual se incluem quase dois terços da comunidade mundial, pode desempenhar papel importante na modelagem desse futuro.

A realização dessa grande conferência em Teerã é, por si mesma, evento importante, a ser levado em consideração. Ao unirmos nossos recursos e nossas competências e capacidades, os membros do Movimento dos Não Alinhados podemos criar novo e duradouro papel histórico, na direção de salvar o mundo da falta de segurança; dos perigos das guerras; e das ameaças da hegemonia.

Esse objetivo só é alcançável mediante a cooperação abrangente entre todos nós. Há entre nós alguns países muito ricos; há países que gozam de importante influência internacional. É absolutamente possível encontrar soluções para muitos problemas mediante cooperação econômica e no campo da informação, das comunicações e da mídia, e mediante a troca de experiências que nos ajudem a melhorar e avançar. Precisamos fortalecer nossa determinação Temos de nos manter fieis aos nossos objetivos.

Não temos o que temer das potências provocadoras e arrogantes, cada vez que nos fazem caretas e gritam, supondo que nos metam medo; nem temos de sorrir em resposta, cada vez que nos sorriem. Temos, para nosso apoio e suporte, o desejo de Deus e suas leis.

Temos muito a aprender do que se viu acontecer ao campo comunista, há duas décadas. E também temos a aprender do fracasso das políticas da assim chamada “democracia liberal ocidental”, hoje. Os sinais do fracasso daquelas políticas são hoje bem visíveis nas ruas da Europa e dos EUA e nos problemas econômicos insolúveis nos quais se debatem aqueles países.

Por fim, temos de considerar como grande oportunidade o Despertar Islâmico na região e o fim dos governos ditatoriais no Norte da África, que sempre foram governos dependentes dos EUA e cúmplices do regime sionista. Podemos ajudar a aumentar a “produtividade política” do Movimento dos Não Alinhados na governança global. Podemos preparar um documento histórico, que vise a provocar mudança nessa governança e contribua como ferramenta de governo e administração. Podemos construir planos para efetiva cooperação econômica e definir paradigmas de relacionamento cultural entre nós. E criar um secretariado ativo e mobilizado para o Movimento dos Não Alinhados será ajuda significativa, importante para que se alcancem os outros objetivos.

Muito obrigado.