sexta-feira, 10 de maio de 2013

A sintaxe interna da pedrada, como Resistência


3/4/2013, Amira Hass, Haaretz, Israel
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Amira Haas
Faria perfeito sentido se as escolas palestinas dessem aulas de Resistência: como construir vilas tipo “torre e ataque” (orig. “tower and stockage[1]) na Área C; como agir quando soldados armados invadem sua casa; como identificar soldados, quando jogam você de barriga no fundo do jipe, mãos algemadas às costas, para acusá-lo de qualquer coisa.

Atirar pedras é direito, por nascimento e por dever, de qualquer ser humano submetido a governo ocupante. Atirar pedras é ação, tanto quanto é também metáfora, da Resistência. Perseguir atiradores de pedras de oito anos de idade é parte constitutiva – embora ninguém diga – da violência que se deve esperar de potência ocupante, tanto quanto o assassinato, a tortura, o roubo de terras, restrições ao ir e vir e distribuição desigual das fontes de água.

A violência de soldados de 19 anos, de seus comandantes de 45, dos burocratas, juízes e advogados de Israel é ditada pela realidade. O trabalho deles é proteger os frutos da violência que chega com a própria ocupação de terra alheia: seus recursos, lucros, poder e privilégios.

O Fincar-pé (Sumud) e a Resistência contra a violência física e ainda mais contra a violência sistêmica, institucionalizada, é a palavra-de-ordem núcleo na sintaxe interna dos palestinos em sua terra.

Meninos palestinos atiram pedras nos ladrões de Israel
Vê-se no dia a dia, a toda hora, a cada momento, sem pausa. Infelizmente, é verdade não só na Cisjordânia (incluindo Jerusalém Leste) e em Gaza, mas também dentro das “fronteiras” fantasiadas de Israel, embora a violência e a resistência contra a violência manifestem-se sob formas diferentes. Mas dos dois lados da Linha Verde, os níveis de desespero, sufocação, amargura, ansiedade e ira só fazem subir, como também sobe a certeza de que é infinita a cegueira dos israelenses que creem que a própria violência permaneceria para sempre sob controle e sem revide.

Não raras vezes, jogam-se pedras por tédio, por excesso de hormônios juvenis, para imitar outros, para “aparecer”, para competir. Mas na sintaxe interna do relacionamento entre ocupante e ocupado, jogar-pedras é adjetivo que sempre acompanha o sujeito de “Basta! Basta de vocês, ocupantes de terra roubada”.

Afinal, adolescentes sempre poderiam encontrar outros meios para dar vazão ao calor dos próprios hormônios, sem arriscarem-se a ser presos, multados, mutilados e mortos.

Soldados ladrões prendem alguns meninos palestinos
Ainda que seja direito e dever, várias modalidades de fincar-pé e resistir contra estado ocupante, além das regras e limitações dessa luta, bem poderiam ser ensinadas em escolas e aprimoradas.

Dentre as limitações, ensinar a distinguir ocupantes armados e civis desarmados; distinguir entre crianças e soldados. E também se deveria ensinar que nunca, em nenhum caso, se deve empunhar armas contra outros seres humanos. Mas pedras, sim, em circunstâncias desesperadas de ocupação.

Estudar comparativamente diferentes lutas em diferentes países contra o colonialismo; como usar uma câmera de vídeo para documentar a violência do estado ocupante e de seus representantes; métodos para cansar o sistema militar e seus representantes; um dia de trabalho nas terras além do muro da vergonha; treinamento para observar e não esquecer detalhes que permitam identificar os soldados que jogam você de barriga no fundo do jipe, mãos algemadas às costas; conhecer os direitos dos prisioneiros e saber que é indispensável agarrar-se a eles e repeti-los sem parar em tempo real; treinamento para não se intimidar ante o interrogador; e aulas de organização de massa para fazer-ser o direito de andar por onde cada um deseje andar na própria terra. De fato, também os palestinos adultos teriam a ganhar com aulas desse tipo, que substituiriam com vantagem as manifestações; em vez de convocar protestos, aulas para aprender a fazer correr e dispersar soldados. E muito treinamento em análise e identificação de postados no Facebook.

Quando, há dois anos, alunos de ginásio na Palestina passaram a receber treinamento para promover a campanha de boicote aos produtos das colônias, chegou a parecer que se andava afinal em direção produtiva. Mas parou ali, sem ampliar o conceito e a ideia. Lições desse tipo estariam em perfeita harmonia com as táticas que a ONU aceita e prestigia em populações sob ataque – desobediência civil em campo e oposição diplomática à potência ocupante.

Por tudo isso, por que essas aulas não existem no currículo das escolas palestinas? Parte da explicação está na oposição dos estados que doam fundos para manter as escolas, e nas medidas de punição violenta do governo israelense. Mas há muito de inércia, de preguiça, de raciocínio desviante, de falta de compreensão; e, afinal de contas, também há palestinos que lucram com o status quo.

O pior efeito da existência da Autoridade Palestina é que gerou uma regra básica, a única imperante nos últimos 20 anos: os palestinos têm de adaptar-se à atual situação.

Assim, precisamente, se criou uma contradição e o choque, entre a sintaxe interna da Autoridade Palestina e a sintaxe interna do povo palestino.





Nota dos tradutores
[1]  Acampamentos fortificados, construções de campanha, que os terroristas sionistas construíam, no assalto à Palestina, entre 1936 e 1939. Há um museu dedicado a essas construções sionistas, em Haifa. Imagens em: The Tower and Stockade Museum in Hanita”.

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