Egito, Ucrânia, fronteira sírio-turca, Cuba, Tailândia e até no Brasil
5/2/2014, [*] Andre Vltchek,
Counterpunch
From Egypt, Ukraine, the Turkish-Syrian border, Cuba and Thailand
Traduzido pelo pessoal da Vila
Vudu
Tudo isso está
acontecendo, em diferentes tonalidades e com diferentes graus de brutalidade,
na Tailândia, China, Egito, Síria, Ucrânia, Venezuela, Bolívia, Brasil,
Zimbábue e em vários outros pontos, em todo o mundo.
Pouco depois de ler
o que escrevi sobre a Tailândia, publicado dia 30/1, um leitor brasileiro
reagiu:
Parecido com nosso Brasil: embora em ambiente mais
leve, de cores menos brutais, talvez, mas substancialmente, a mesma coisa (...)
Elites locais, agora mesmo, em janeiro de 2014, estão fazendo de tudo para
impedir a reeleição da presidenta Dilma Rousseff (…) Você, experiente observador
da América Latina, sabe disso muito bem.
O voto é
obrigatório na Tailândia. Mesmo assim, só 45% dos eleitores votaram. TUDO que
vocês lerem na imprensa ocidental sobre a Tailândia é merda.
5/2/2014, Pepe Escobar, Via Facebook.
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"Movimentos de oposição" estão depredando edifícios públicos em Kiev e em outras cidades da Ucrânia |
Prédios
públicos depredados, saqueados. Está acontecendo em Kiev e em Bangkok; e, nas
duas cidades, os governos parecem desdentados, assustados demais para intervir.
O que está
acontecendo? Governos eleitos pela maioria vão-se tornando irrelevantes em todo
o mundo, enquanto o regime “ocidental” cria e em seguida apoia “movimentos de
oposição” nos quais só se veem gangues armadas que ali estão para
desestabilizar qualquer estado que resista ao desejo “ocidental” de controlar
todo o planeta?
***
As gangues
armadas, agora, gritam para intimidar os que queiram votar a favor do governo
moderadamente progressista que governa hoje a Tailândia. Não se discute o
processo eleitoral – o voto é livre, como declaram tanto os observadores
internacionais como a maioria dos membros da Comissão Eleitoral.
Nem
liberdade nem legitimidade ou transparência estão em disputa.
A retórica
varia, mas, em essência, os “manifestantes” que “protestam” exigem o
desmantelamento da frágil democracia tailandesa. A maioria dos “protestadores”
são pagos pelas classes média-alta e alta. Alguns são delinquentes ou bandidos,
muitos recebem 500 Baht por dia (cerca de US$ 15), recrutados nas atrasadas
vilas e vilarejos das províncias do sul do país. São habituados a usar de
violência, como mostram claramente a linguagem, as expressões faciais e a
linguagem corporal deles.
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"Manifestantes" na Tailândia em 26/11/1013 (foto Gavin Gough) |
Funcionários
do governo legítimo têm de saltar por cima de barricadas ou suplicar que os
“manifestantes” os deixem entrar em seus próprios gabinetes de trabalho.
Eleitores
que chegavam para votar no turno pré-eleitoral foram intimidados e insultados e
um homem foi quase morto por estrangulamento.
Embora a
cidade esteja mergulhada em agitação que nunca cessa, e a vida na capital
esteja absolutamente alterada, o governo não se atreve a mandar nem tanques nem
a polícia para esvaziar as ruas. Deveria mandar, é claro. Mas está paralisado
de medo do exército e da monarquia – os dois pilares do poder ostensivamente
híbrido de capitalismo selvagem e feudalismo, só comparáveis aos piores
pesadelos regionais, como Indonésia e as Filipinas.
Agora, está
tudo à vista: o governo fala do próprio medo, enquanto os militares disparam
ameaças envenenadas pelos veículos da imprensa-empresa privada lacaia, mediante
“vazamentos”.
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Thaksin Shinawatra |
O que está
acontecendo e o que está em disputa na Tailândia? Thaksin Shinawatra, irmão
mais velho da atual primeira-ministra, quando foi ele mesmo Primeiro-Ministro,
tentou levar um capitalismo moderno ao país submisso e terrivelmente assustado.
E fez mais: deu moradias aos mais pobres, introduziu um excelente sistema
gratuito universal de atendimento à saúde (muito mais avançado que qualquer
coisa algum dia sequer proposta nos EUA), educação primária e secundária gratuita
e de excelente qualidade, e outras ideias consideradas ameaçadoras pela “ordem
mundial”, pelas elites feudais locais e pelo exército.
As elites
tailandesas, cujo “autoamor” exige mais serem obedecidas, admiradas e temidas
que qualquer outra coisa, reagiram quase imediatamente. O primeiro-ministro foi
exilado, impedido de voltar ao país e passou a alvo de intensa campanha de difamação.
Houve golpes militares, “alianças” misteriosas, boatos e “mensagens secretas”
emitidas de “autoridade muito alta”. Houve matança, um verdadeiro massacre,
quando os chamados “Red Shirts” [camisas vermelhas], apoiadores de
Shinawatra (que iam de reformistas a marxistas) foram executados por atiradores
profissionais, vários deles com tiros na cabeça.
Mas o povo,
os pobres, a maioria da população da Tailândia, sobretudo os que vivem no norte
e nordeste, reagiram, de modo quase estoico e com impressionante determinação.
Quantas eleições houvesse, quanto mais o regime atacasse os partidos políticos
pro-Shinawatra e os tornassem ilegais, mais novos partidos políticos surgiam, e
sempre venciam as eleições.
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Yingluck Shinawatra |
Em 2011,
uma irmã de Shinawatra, Yingluck, com maioria no Parlamento, tornou-se
Primeira-Ministra da Tailândia.
Os
“manifestantes” bloquearam várias artérias centrais de Bangkok e declararam que
“a Tailândia não está preparada para a democracia”. E que por isso, “se mais
eleições fossem realizadas para determinar o futuro do país, as forças
pró-Shinawatra continuariam a ser eleitas”.
Eleições
“assim”, é claro, nunca seriam aceitáveis, nem para as elites tailandesas, nem
para vários países ocidentais que, por décadas, beneficiaram-se das vantagens
que o sistema feudal tailandês lhes garantia.
Um general
tailandês declarou que “não descarto a possibilidade de outro golpe militar”. E
a oposição propôs (impôs) alguns conceitos nebulosos: um governo de
tecnocratas, que governará até que a Tailândia esteja “pronta” para votar
(leia-se: até que todo o poder popular seja destruído e a eleição de algum
governo pró-elites, pró-monarquia e pró-exército esteja “garantida”, em
eleições “livres”).
Enquanto se
discutem essas “propostas”, gangues de delinquentes armados bloqueiam as vias
públicas e os centros culturais (mas não os shopping centers). São
descritos como “manifestantes pacíficos” que “protestam”, tanto na Europa como
nos EUA.
E aqui nos
aproximamos do xis da questão: o terrorismo dos militares e de elites feudais
foi mascarado sob vestes de “rebelião”, até de “revolução”. Ganhou um manto de
legitimidade e, até, um certo ar romântico.
Mas é o
fascismo que, outra vez, ergue sua cabeça horrenda. O “ocidente” sabe
perfeitamente disso. Mas está abertamente apoiando o regime que hoje governa de
facto a Tailândia por trás das cortinas. Porque é o regime que o “ocidente”
ajudou a fabricar.
***
Deixei
Bangkok e no avião um pensamento não me saía da cabeça: em vários pontos do
mundo sobre os quais escrevi nos últimos tempos vive-se realidade muito semelhante
à da Tailândia hoje.
Dos
governos democraticamente eleitos, os mais progressistas em todo o mundo estão
sob ataque severo de grupos de delinquentes armados, de bandidos, de elementos
antissociais, quando não de terroristas conhecidos.
Vi a mesma
coisa na fronteira sírio-turca. Ouvi as histórias de vários moradores daquela
região, na cidade turca de Hatay, e no interior, na região da fronteira
turco-síria.
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Instalações militares da Turquia (leia-se OTAN) na fronteira com a Síria A base mecanizada 39 (Hatay) foi onde o articulista foi detido (clique na imagem para aumentar) |
Ali, fui
detido, impedido de trabalhar, interrogado pela polícia local, pelo exército e
por grupo religiosos armados, quando tentava fotografar um daqueles “campos de
refugiados” construídos pela OTAN especialmente para opositores do governo
sírio, onde os “refugiados” recebem casa e comida, treinamento e armas, nessa
área.
Hatay foi
varrida por jihadistas sauditas e qataris, organizados por EUA, União
Europeia e Turquia, dos quais recebem apoio logístico, armas e dinheiro.
O terror
que esses grupos espalha nessa parte do mundo historicamente pacífica,
multicultural e tolerante, quase nem se consegue descrever com palavras.
Crianças de
uma vila de fronteira narraram raids, roubos e violência, até
assassinatos, cometidos por “rebeldes” anti-Assad.
Ali e em Istambul,
onde trabalhei com intelectuais turcos progressistas, com jornalistas e com
profissionais da academia, ouvi, bem explicado, inúmeras vezes, que a
“oposição” anti-Assad estava sendo treinada, financiada e “encorajada” pelo
Ocidente e pela Turquia (que é membro da OTAN), e que estava causando morte e
destruição de milhões de vida em toda a região.
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Massacre de civis por "jihadistas"sauditas e qataris na cidade síria de Adra, próximo de Damasco no início de setembro de 2013 |
Agora,
enquanto escrevo, o canal Russia Today está exibindo matéria exclusiva,
da cidade síria de Adra, que foi saqueada e destruída por grupos pró-al Qaeda e
por forças da “oposição”, pró-Ocidente, inclusive pelo Exército Sírio Livre.
Nessa
cidade, como muitos informaram, há um mês houve execuções públicas por apedrejamento,
incineração em tonéis e degola.
Em vez de
cortar todo o apoio à “oposição” síria, racista, pervertida, extremamente
brutal, Washington continua a demonizar o governo de al- Assad e volta, outra
vez, a ameaçar com ação militar.
***
E os assassinos,
nos países que elegeram governos progressistas ou patrióticos, foram
contratados e pagos pelas elites locais, operando a favor do Império Ocidental.
E, antes disso, as mesmas chamadas “elites” foram contratadas e pagas ou, no
mínimo, foram treinadas/”educadas” pelo Ocidente.
Num plano
mais “intelectual”, os veículos da imprensa-empresa privada competem entre eles
para ver qual o mais servil, o mais submisso às ordens e desejos dos agentes
que os comandam de fora do país. Os militares e as forças feudalistas mais
retrógradas, até forças completamente fascistas em todo o mundo (veja-se a
Ucrânia, por exemplo) estão claramente retomando as rédeas, beneficiando-se e
extraindo a máxima vantagem da nova “tendência”.
Tudo isso
está acontecendo, em diferentes tonalidades e com diferentes graus de
brutalidade, na Tailândia, China, Egito, Síria, Ucrânia, Venezuela, Bolívia,
Brasil, Zimbábue e em vários outros pontos, em todo o mundo.
Pouco
depois de ler o que escrevi sobre a Tailândia, publicado dia 30/1, meu leitor
brasileiro reagiu: “Parecido com nosso Brasil: embora em ambiente mais leve, de
cores menos brutais, talvez, mas substancialmente, a mesma coisa (...) Elites
locais, agora mesmo, em janeiro de 2014, estão fazendo de tudo para impedir a
reeleição da presidenta Dilma Rousseff (…) Você, experiente observador da
América Latina, sabe disso muito bem”.
O processo,
as táticas, são quase sempre os mesmos: imprensa-empresa privada paga por
anunciantes ou interessados “internacionais”, ou a imprensa-empresa privada
norte-americana e europeia diretamente, só fazem trabalhar para desacreditar
governos populares. Criam-se “escândalos”, atribuem-se cores partidárias a
movimentos de “oposição” sempre recém-constituídos [no Brasil a “cor” é verde-rede e
a “bandeira” é “ecológica à moda Al Gore”; ou só oportunista, à moda Eduardo
Campos; ou só interessada em tentar chegar ao poder para livrar a própria pele,
à moda Aecinho (NTs)!], delinquentes e bandidos [alguns de “alta
estirpe” operando pela “mídia”] selecionados e bem pagos e, por fim, aparecem
as armas, como que por milagre, nos “locais de protesto”.
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No Brasil os Black Bloc (manifestantes anti-governo) também atacam indiscriminadamente. |
Se acontece
de o governo ser “nacionalista”, autêntica e saudavelmente patriótico, e de
defender interesses do povo local mais pobre contra o saque internacional (quer
dizer, se não é como o governo Abe, no Japão, que é descrito como
“nacionalista”, mas, de fato, trabalha completamente a favor da política
externa dos EUA naquela parte do mundo), é imediatamente marcado. E seu nome
logo surge numa lista invisível, mas muito perigosa, de alvos, à velha moda da
máfia.
Como
Michael Parenti descreveu, correta e muito vivamente: “Faça do nosso jeito, ou
quebramos suas pernas, capice?”
Assisti ao
presidente Mursi do Egito (de início, muito critiquei o governo de Mursi, como
também critiquei o governo de Shinawatra, antes de que o verdadeiro terror
tomasse conta do Egito e da Tailândia) ser derrubado pelos militares, os quais,
em empreitada mascarada como de “modernização”, comandaram o processo de
assassinar vários milhares do povo mais pobre do Egito.
Estive
várias vezes no Egito, ia e vinha, durante vários meses, filmando um
documentário para a rede sul-americana de televisão Telesur.
Horrorizado,
sem acreditar nos meus próprios olhos, vi meus amigos revolucionários
desaparecerem na clandestinidade, sumirem, escondidos, como se a terra os
tivesse tragado, para salvar a própria vida. E isso enquanto famílias
“tradicionais”, arrogantes, elogiavam os assassinos militares sem qualquer
pudor, publicamente.
A lógica e
as táticas no Egito eram previsíveis: embora ainda capitalista e em certa
medida ainda submisso ao FMI e ao Ocidente, o presidente Mursi e a Fraternidade
Muçulmana mostravam um pouco menos de entusiasmo na colaboração com o Ocidente.
Jamais de fato disseram “não”, mas isso não pareceu suficiente para o regime
euro-norte-americano, o qual, nos tempos atuais, exige obediência total,
incondicional, além do beija-mão (e outras partes menos nobres da anatomia). O
regime de EUA e União Europeia exige obediência total à velha moda dos
Protestantes, autoapagamento total e sempre presente sentimento de culpa. O
regime “ocidental” ordena hoje total e “sincero” servilismo.
Parece que
quase nenhum país, nenhum governo não alinhado merece escapar do total
aniquilamento, se não se submeter totalmente.
A coisa foi
tão longe que, a menos que o governo em país em desenvolvimento como Filipinas,
Indonésia, Uganda ou Ruanda, envie mensagem clara a Washington, Londres ou
Paris de que “aqui estamos exclusivamente para fazê-los, vocês, no Ocidente,
felizes”, ele se expõe ao risco de ser aniquilado, por mais democraticamente
que tenha sido eleito, ainda que (e de fato especialmente se) for governo apoiado
pela maioria dos eleitores.
Nada disso,
é claro, é novidade. Mas no passado as coisas eram feitas um pouco mais
“discretamente”. Hoje, é tudo às claras. Talvez também isso seja proposital,
para que ninguém se rebele, para que ninguém nem sonhe em rebelar-se contra o
“ocidente”.
Assim a
revolução no Egito foi desencaminhada, destruída e morta com requintes de
crueldade. Já nada resta da chamada “Primavera Árabe”, além de um aviso: nunca
mais se atrevam a tentar, porque, se se atreverem...”.
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No Egito a Praça Tahrir está vazia... A Primavera Árabe acabou... |
Ah, sim!
Vi, no Egito, as elites dançando e celebrando sua vitória. As elites amam o
exército. O exército é a garantia de que permanecerão sempre no zênite, o poder
delas, intocado. As elites até fazem as crianças carregarem retratos dos
líderes responsáveis pelo golpe, responsáveis por milhares de mortes,
responsáveis pelo fim das maiores esperanças do mundo árabe.
O que vi no
Egito foi apavorante, e parecido com o golpe de 1973 no Chile (país que
considero meu segundo ou terceiro lar); o golpe no Chile, que não tenho idade
para lembrar, mas cujas imagens vi e revi muitas vezes filmadas, em silêncio,
com horror que nunca arrefece.
“Porque se
não...” pode ser também a tortura e o assassinato do povo do Bahrain. “Porque
se não...” pode ser a Indonésia em 1965/66. Ou pode ser o “colapso” da União
Soviética. “Porque se não...” pode ser aviões de passageiros explodidos em
pleno voo; um avião cubano destruído por agentes da CIA. “Porque se não...”
pode ser o Iraque, a Líbia, o Afeganistão reduzidos a ruínas, ou o Vietnã,
Camboja e Laos, bombardeados até ser reduzidos à Idade da Pedra. “Porque se
não...” pode facilmente ser algum país inteiramente devastado como Nicarágua,
Granada, Panamá ou a República Dominicana. “Porque se não...” pode significar
10 milhões de pessoas assassinadas na República Democrática do Congo, para se
saquearem os recursos naturais do Congo, ou porque seu grande líder, Patrice
Lumumba, falava forte e claro demais contra os imperialistas.
Agora, no
Egito, a gangue de Mubarak está rapidamente voltando ao poder. Ele foi o
“demônio” confiável, e o Ocidente rapidamente percebeu que deixá-lo cair seria
grave erro estratégico; e então decidiu trazê-lo de volta ao poder, ele,
pessoalmente ou, pelo menos, seu legado, ao custo de milhares de
(insignificantes) vidas egípcias e contra o desejo de praticamente o país
inteiro.
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Exército egípcio, traidor de seu povo e dos eleitores do Presidente Mursi, assim como o Exército brasileiro traiu seu povo, eleitores e o Presidente João Goulart em 1964 |
Tampouco
podem cair, é claro, no Egito, os militares. Os EUA investiram bilhões e
bilhões de dólares naquele exército e os soldados estão agora, literalmente, no
controle de metade do país. E é organização muito confiável: mata sem
escrúpulos qualquer ser que tente construir uma sociedade socialmente mais
justa na mais populosa nação árabe do planeta. E o exército joga ao lado de
Israel. E ama o capitalismo.
Tailândia e
Egito: dois países separados por milhares de quilômetros, duas diferentes
culturas, em dois continentes. Nos dois países, o povo votou e elegeu os
líderes que quis. E, vejam, não são governos comunistas: na Tailândia, um
governo de orientação social apenas moderada; no Egito, apenas um governo
moderadamente nacionalista e islâmico.
Nos dois casos,
as elites feudais e fascistas entraram imediatamente em ação. Os que estão por
trás daquelas elites, os que as financiam e lhes dão apoio “moral” são, me
parece, absolutamente visíveis.
***
A Ucrânia
nem é vítima nova das táticas de desestabilização da União Europeia a qual,
parece, já é tão doentiamente gananciosa que já não consegue nem controlar-se.
A União Europeia baba, baba muito, imaginando o quanto lhe renderão as riquezas
naturais da Ucrânia, e treme de desejo, ante aquela força de trabalho, barata e
altamente escolarizada.
As empresas
europeias querem entrar na Ucrânia, seja como for. Mas é preciso precaver-se:
não vão as hordas de ucranianos invadir a União Europeia, aquela sagrada
fortaleza racista. A Europa pode saquear todo o planeta, mas é brutalmente
fechada a todos os que tentem entrar e “roubar nossos empregos”.
É claro que
a União Europeia não pode fazer na Ucrânia o que faz livremente em muitos
lugares, como na República Democrática do Congo. Não pode simplesmente chegar e
pagar países “seus procuradores”, como paga aos governos de Ruanda e de Uganda
(já responsáveis por mais de 10 milhões de congoleses mortos em menos de vinte
anos), para que saqueiem a Ucrânia e matem todos os que resistirem ao saque.
Ao longo
dos séculos, repetidas vezes, a Europa provou que é capaz de massacrar nações
inteiras sem mercê (ao mesmo tempo em que guarda zero de memória histórica dos
massacres) e quase sem nenhum princípio moral, pelo menos se comparada ao resto
do mundo. Mas a Europa é escolada, e, diferente dos EUA, sabe muito de táticas,
estratégia e Relações Públicas.
O que a
União Europeia fez na Líbia é bem claro. Quem acredite que os EUA agem
sozinhos, terá de disciplinar-se muitíssimo para não ver o quanto são próximos
e interligados os interesses dos velhos e dos novos usurpadores da África, da
Ásia, da América Latina, do Oriente Médio e da Ásia e Oceania. A França age
hoje, outra vez, como arqui-saqueadora neocolonial, sobretudo na África.
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Líbia, antes e depois do "ataque humanitário" e o saque ainda hoje realizado pelos EUA-Europa Clique na imagem para vizualizar melhor |
Mas a
Ucrânia está “logo ali”, perto demais, em termos geográficos, da própria União
Europeia. Tem de ser desestabilizada, mas a coisa tem de parecer muito
legítima. A “rebelião”, a “revolução”, o “levante dos povos”: isso, sim, é
jeito “adequado” de lidar com as coisas.
Há mais de
um mês, alguém propôs negócio bizarro: as empresas europeias seriam autorizadas
a entrar e limpar a Ucrânia dos seus recursos naturais; mas o povo da Ucrânia
não seria autorizado sequer a ir trabalhar na União Europeia.
O governo,
lógica e sensivelmente, rejeitou o “negócio”. Então, de repente, à moda
tailandesa ou à moda egípcia, todas as ruas de Kiev amanheceram cheias de
bandidos armados com porretes e até com rifles e pistolas, e puseram-se a
depredar a capital, exigindo a renúncia do governo democraticamente eleito.
Os grupos
de delinquentes incluíam muitos neonazistas, antissemitas e criminosos comuns.
E foram fortalecidos pelo medo à moda tailandesa, do governo ucraniano, de usar
a força. Agora, já estão queimando vivos os policiais; ocuparam e bloquearam
prédios públicos, impedindo o funcionamento regular do governo.
Exatamente
como seus predecessores da “revolução laranja”, foram fabricados e atentamente
modelados, antes de serem soltos no grande mundo.
***
Na África,
para citar apenas alguns casos, o pequeno estado de Seychelles, que segundo a
ONU alcançou o mais alto IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do mundo, foi,
durante anos bombardeado por críticas e tentativas de desestabilização. O
governo de Seychelles provê excelente atendimento público à saúde (inclusive
todos os remédios) e excelente educação pública universal e gratuita. O povo de
Seychelles come bem e mora bem. Claro que não é sociedade perfeita, mas, com as
ilhas Maurício, é o melhor que o continente africano tem a exibir. Nada disso
parece fazer qualquer diferença.
Propaganda
produzida fora das ilhas, e a imprensa-empresa privada patrocinada
principalmente por empresas britânicas de oposição ao atual governo, estão
destruindo o sistema das Seychelles.
Fica-se
quase sem entender por quê; mas basta examinar mais de perto e conhecer o modo
como o Império opera, e as coisas logo aparecem, bem claras. As ilhas
Seychelles mantiveram, durante longo tempo, cooperação estreita com Cuba e com
a República Popular da Coreia do Norte no campo da educação pública e em vários
outros campos. Converteram-se em ilhas “socialistas” demais, para os critérios
do Império. Aqueles aposentados que nada querem além de estilo hedonista de
vida (privada) até suportariam viver cercados de (mar) azul, de (serviçais) amarronzados,
mas nunca, em nenhum caso, de vermelhos.
A Eritreia,
apelidada de “a Cuba africana”, pode até ser nação orgulhosa e determinada; mas
foi decretada pária total e estado-bandido por várias potências ocidentais.
Impuseram sanções ao país, que tinha de ser castigado por... ninguém sabe
exatamente por quê.
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Eritreia, um dos mais elevados IDHs da África. é país pária para o "Ocidente" Clique na imagem para visualizar melhor |
“Estamos
trabalhando para ser país inclusivo, democrático, justo e igualitário” –
disse-me recentemente o Diretor de Educação da Eritreia, no Quênia. “Mas quanto
mais fazemos, quanto mais conseguimos melhores condições de vida para nosso
povo, mais alguns países ocidentais parecem enfurecidos...” É homem experiente
e não parecia surpreendido. Estávamos só “comparando anotações”.
O Zimbábue
é outro caso claro e extremo. Ali, o Ocidente apoia clara e abertamente “a
oposição” contra governo amado e apoiado pela grande maioria da população: o
governo que se constituiu na luta de libertação contra o colonialismo e o
imperialismo.
Indignado
com a quantidade imensa de mentiras publicada principalmente pela
imprensa-empresa privada britânica, estive no Zimbábue ano passado, e
desconstruí ponto a ponto os principais argumentos do que aqueles veículos
estavam publicando contra Harare. Nem é preciso dizer que o artigo
que CounterPunch publicou despertou grande indignação contra a
propaganda pró-ocidente em todo o continente africano.
O ocidente
também constrói e alimenta “rebeliões” e “oposição” contra governos
democraticamente eleitos na Venezuela, Bolívia, Cuba, Brasil e Equador, para
citar só alguns países que aparecem com destaque na lista de alvos.
Na
Venezuela, os EUA patrocinaram golpe abortado e pagam diretamente a centenas de
organizações, “ONGs” e veículos da imprensa-empresa privada, com o único
objetivo de derrubar os governos e o processo revolucionário chavistas.
Em Cuba, o
povo dessa nação humanista, letrada e progressista vive sob furioso ataque há
décadas. O que os cubanos enfrentaram e enfrentam só pode ser definido como
terrorismo. Os EUA e o ocidente já patrocinaram invasões, saques, atos
terroristas e até planos para alterar padrões meteorológicos, na tentativa de
provocar secas e/ou inundações; além de envenenar colheitas.
Qualquer
“dissidente” cubano, qualquer bandido que pegue em armas contra o sistema e o
governo de Cuba passa imediatamente a receber dinheiro e apoio dos EUA.
Mas até
veículos da imprensa-empresa privada ocidental, que fazem pesquisas
clandestinas em Cuba, não raras vezes acabam por concluir que a maioria dos
cidadãos cubanos apoiam o governo e o sistema do país. Mas essas conclusões
enfurecem ainda mais o ocidente e os veículos de mídia. O povo cubano está
pagando alto preço pela própria liberdade, pelo próprio orgulho e pela própria
independência.
Há inúmeros
outros exemplos de como se constroem “oposições” e terrorismo contra governos
“impopulares” (do ponto de vista do ocidente).
Os
bolivianos quase perderam sua província de Santa Cruz, “branca” e de direita,
quando um movimento separatista, ao que se sabe financiado pelos EUA (chamado
movimento “de independência”), obrava para evidentemente tentar punir o governo
extremamente popular de Evo Morales, por ser “tão” socialista, “tão” indígena e
tão votado.
O Brasil,
em mais uma grande demonstração de solidariedade e internacionalismo ameaçou
invadir e resgatar a província para a Bolívia, ajudando assim a preservar a
integridade territorial do país vizinho. Assim, só o peso do Brasil, esse
gigante pacífico e, hoje, altamente respeitado, salvou a Bolívia da secessão e
da destruição quase certa.
Pois,
agora, até o Brasil já está sob ataque dos “fabricantes de oposição”!
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O Brasil sob ataque dos "fabricantes de oposição" apoiados pela imprensa-empresa do Brasil |
Não quero,
aqui, escrever muito sobre a China. Os leitores já conhecem minha posição. Mas,
em resumo: quanto mais trens de alta velocidade o governo comunista constrói;
quanto mais parques públicos; quanto mais distribui equipamento para exercícios
pelos parques; quanto mais há linhas de transporte público e calçadas
amplíssimas; quanto mais volta a crescer o atendimento médico universal e
gratuito à população; quanto mais são bem-sucedidos os planos para tornar toda
a educação livre e gratuita para todos os chineses – mais a China é demonizada
e descrita como o “mais capitalista que os países capitalistas” (embora mais de
50% de tudo que a China produz seja produzido pelo estado, não por empresas
privadas).
A Rússia,
como China, Cuba ou Venezuela, é incansavelmente demonizada, todos os dias,
todas as horas. Não há oligarca nem “celebridade” pop que não se sinta
autoridade para criticar o governo do presidente Putin; e basta criticá-lo para
ser imediatamente elevado ao nível de santidade pelos governos de EUA e
Alemanha, dentre outros governos ocidentais.
Não o
criticam, contudo, por causa dos recordes no campo dos direitos humanos. Só o
criticam tanto porque a Rússia, como países latino-americanos e como a China,
estão bloqueando com determinação as tentativas do ocidente para desestabilizar
e destruir países independentes e progressistas, por todo o mundo. A
demonização pelo ocidente tem a ver também com a crescente influência do
jornalismo russo, especialmente o RT (Rússia Today), que se
converteu em voz jornalística, com jornalismo de boa qualidade, da resistência
contra a propaganda do ocidente pelo ocidente. Nem preciso dizer que me alio,
como jornalista e como autor, com muito orgulho, a RT e aos seus
esforços.
***
Já não há
dúvidas de que o que o mundo sofre hoje pode ser descrito como “a nova onda” de
uma ofensiva ocidental imperialista. Essa ofensiva está operando em todos os fronts, e está em rápida aceleração.
Durante os governos de Barack Obama, que ostenta seu Prêmio Nobel da Paz e de
seus neoconservadores europeus que vestem, se não por fora, com certeza na alma,
as camisas marrons dos nazi-“socialistas”; e do primeiro-ministro fascista
reeleito no Japão, o mundo está-se tornando lugar extremamente perigoso. É como
vilarejo de fronteira invadido por todos os facínoras da área.
A percepção
bíblico-apocalíptica segundo a qual “os que não estão comigo estão contra mim”
vai ganhando nova profundidade.
E atenção
às cores. Atenção aos “levantes”. Atenção aos “protestos” contra governos
eleitos. Alguns são autênticos; outros são produzidos, nada “naturalmente” pelo
imperialismo e pelo neocolonialismo. Qual é qual?
Tudo parece
extremamente confuso e as maiorias, na opinião pública, estão sendo afogadas de
propaganda distribuída à farta pela imprensa-empresa privada. De fato, as
coisas são feitas precisamente para confundir cada vez mais! Quanto mais
confundidas as pessoas, menos capazes são para ver e rebelar-se contra a
opressão e os riscos reais que as ameaçam.
Mas no
final, apesar de tudo, o povo da Tailândia votou dia 2 de fevereiro. Tiveram de
escalar barricadas e de lutar contra os que tentavam fechar as sessões e urnas
eleitorais.
E na
Ucrânia, a maioria ainda apoia o governo eleito.
Venezuela e
Cuba, furiosamente atacadas, não caíram.
As gangues jihadistas
ainda não controlam a Síria.
Eritreia e
Zimbábue ainda defendem os seus governos eleitos.
Gente não é
gado. Em muitos pontos do mundo as pessoas já percebem quem são os reais
inimigos.
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Manchetes da imprensa-empresa da Venezuela logo após o golpe de 11/4/2002 |
Quando os
EUA patrocinaram o golpe contra Chávez, os militares não acompanharam os
golpistas; e quando um empresário escolhido a dedo foi posto pelos golpistas na
presidência, os militares manobraram seus tanques na direção de Caracas, para
defender o presidente legítimo e eleito. A revolução chavista sobreviveu ao
golpe.
Chávez já
morreu, e há quem diga que foi envenenado; que foi infectado criminosamente,
que o norte o assassinou. Não sei se é verdade, mas, antes de morrer, Chávez
foi fotografado, inchado e suando, já sofrendo de uma doença incurável, mas
sempre orgulhoso e determinado. No momento daquela fotografia, Chávez dizia “Aquí
no se rinde nadie!”, aqui ninguém se rende. Essa única imagem e essa frase
curta inspiraram milhões.
Lembro que,
ano passado, em Caracas, parei à frente de um enorme cartaz com o rosto dele e
sua frase. Pensei em agradecer-lhe. Se pudesse, lhe daria um abraço. Não porque
fosse perfeito – e não foi perfeito. Mas porque sua vida e suas palavras
inspiraram milhões, arrancaram nações inteiras do pântano do medo, da depressão
e do luto, da escravidão. O que se lê no rosto, naquele cartaz é claro: “Eles
fazem o diabo para acabar com você, mas você resiste. Você cai, mas levanta e
volta à luta. Tentam matar você, mas você luta. Por justiça, pelo seu país, por
um mundo melhor”. Chávez não me disse nada disso, é claro. Mas foi o que ouvi,
claramente, diante daquele cartaz.
Naquele
momento, grande parte da América do Sul já estava livre e unida contra o
imperialismo ocidental, e forte, difícil de derrotar. É. Aqui, ninguém se
rendeu.
O resto do
mundo é ainda muito vulnerável e continua algemado.
O Ocidente
vive a fabricar e, na sequência, a apoiar as forças da opressão – sejam feudais
sejam religiosas. Quanto mais oprimido o povo, menos coragem e disposição para
lutar por justiça e pelos próprios direitos. Quanto mais assustadas estejam, mais
fácil controlar as pessoas.
Feudalismo,
opressão religiosa e sanguinárias ditaduras de direita, tudo isso serve
perfeitamente bem tanto ao fundamentalismo de mercado do império, como à sua
obsessão por controlar todo o planeta.
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Albert Camus |
Mas esse é
um arranjo anormal do mundo; é temporário. Os seres humanos anseiam já por mais
justiça. Na essência, somos uma espécie decente. Albert Camus conclui, com
muita razão no seu poderoso romance A Peste [1] (analogia com a luta contra
o fascismo): “há mais a admirar que a desprezar nos seres humanos”.
O que o
ocidente faz hoje ao mundo – provocar, criar, inventar conflitos; apoiar hordas
de bandidos e de terroristas; sacrificar a vida de milhões em todo o mundo −
para servir a interesses comerciais; nada disso é novidade sob o sol. Já foi
chamado de Fascismo Ordinário [2]. E o fascismo no passado veio e
foi derrotado. Será outra vez derrotado, porque é erro, porque trabalha contra
a grandeza humana e o crescimento humano, e porque as pessoas, em todo o mundo
já veem que as estruturas feudais, antiquadas, que o fascismo ocidental tenta
impor em todo o mundo são coisa do século 18, não do século 21. E nunca mais
serão toleradas.
Notas dos tradutores
[1] CAMUS, Albert. [1947] A
Peste. Plano Nacional de Leitura − Clube de Leituras (.pdf, “de grátis”)
[2]
Ficha técnica em “Ordinary Facism”.
O filme pode ser baixado ou assistido com legendas em inglês em “Ordinary
Fascism” (1965). Part 1 (English
subtitles). | 1:07:57
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[*] Andre Vltchek é romancista, cineasta
e repórter. Cobriu guerras e conflitos em dúzias de países. Seu livro sobre o
imperialismo ocidental no Pacífico Sul, Oceania foi publicado pela editora Lulu
(VLTCHEK, André. Oceania, 2010. Sobre o livro, que tem prefácio de Noam Chomsky,
ver em: “Oceania
by Andre Vltchek - Book Review by Jim Miles”). É autor também de Indonesia
– The Archipelago of Fear (Pluto),
sobre a Indonésia pós-Suharto e o modelo de livre mercado fundamentalista.
Depois de viver e trabalhar por muitos anos na América Latina e Oceania,
Vltchek vive e trabalha atualmente no Leste da Ásia e África. Pode ser
encontrado por sua página na Internet.
se olvidó de mencionar argentina, nada de lo que pasa ahí día a día deja de ser digitado desde afuera.
ResponderExcluirlos medios de desinformación ya son la oposición visible, la punta de lanza, las élites neoliberales quieren volver al poder y los capangas locales como siempre mano de obra para los poderosos.
la cuestión es jaquear a un poder elegido por una mayoría de pueblo humilde y clase media.