29/9/2014, [*] Alexandre Latsa − Le Saker Français
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
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Rússia - Vila de Aprelevka, 1997 |
Dia 2/9/2014, Masha Gessen [1], militante dos direitos das minorias sexuais, publicou na influente revista New York Review of Books (NYRB) um artigo de título provocativo, Os russos moribundos (The Dying Russians) [2], ilustrado por uma foto invernal, lúgubre (ver acima), tomada em 1997 na estação ferroviária de uma pequena vila a sudoeste de Moscou, Aprelevka, na qual se veem pelas costas pessoas curvadas, que atravessam a linha férrea. Além da imagem orientada muito negativamente, os argumentos expostos no artigo são tão ofensivamente enviesados, com o único objetivo de denegrir a política de Putin que tudo pôs em evidência, e que mostrou, sobretudo, até que ponto os opositores liberais do atual governo russo vivem carentes de argumentos e ideias. Para argumentar contra a primavera russa, alguns especialistas ocidentais ficaram, simples e puramente, reduzidos a mentir sem parar.
O declínio demográfico dos anos 1990
Entre 1991 e 1999, a natalidade desabou, na Rússia; e, paralelamente, a mortalidade explodiu, e de tal modo que a população do país reduziu-se de modo significativo, à razão de quase 1 milhão de habitantes a menos por ano. A Rússia estava então nas mãos de uma elite decidida a deixar que o país naufragasse, no que então se chamava “transição econômica”, que ninguém controlava, pelo menos dentro das fronteiras russas. Durante esse período, a redução populacional aconteceu em ritmo sem equivalente na história russa, superior até ao que o país conheceu em tempos de guerra. Essa degringolada demográfica parecia não ter explicação, e a Rússia parecia condenada a sumir.
Indicadores Demográficos, Rússia, 1990-2013
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Ano
|
Nascimentos
|
Mortes
|
Saldo demográfico
|
Taxa de natalidade (1)
|
Taxa de fecundidade (2)
|
1990
|
1 988 858
|
1 655 993
|
332 865
|
13,4
|
1,89
|
1991
|
1 794 626
|
1 690 657
|
103 969
|
12,1
|
1,73
|
1992
|
1 587 644
|
1 807 441
|
-219 797
|
10,7
|
1,55
|
1993
|
1 378 983
|
2 129 339
|
-750 356
|
9,3
|
1,38
|
1994
|
1 408 159
|
2 301 366
|
-893 207
|
9,5
|
1,38
|
1995
|
1 363 806
|
2 203 811
|
-840 005
|
9,2
|
1,34
|
1996
|
1 304 638
|
2 082 249
|
-777 611
|
8,8
|
1,28
|
1997
|
1 259 943
|
2 015 779
|
-755 836
|
8,5
|
1,23
|
1998
|
1 283 292
|
1 988 744
|
-705 452
|
8,7
|
1,24
|
1999
|
1 214 689
|
2 144 316
|
-929 627
|
8,3
|
1,17
|
2000
|
1 266 800
|
2 225 332
|
-958 532
|
8,6
|
1,19
|
2001
|
1 311 604
|
2 254 856
|
-943 252
|
9,0
|
1,22
|
2002
|
1 397 000
|
2 332 300
|
-935 300
|
9,6
|
1,28
|
2003
|
1 483 200
|
2 370 300
|
-887 100
|
10,2
|
1,32
|
2004
|
1 502 477
|
2 295 402
|
-792 925
|
10,4
|
1,34
|
2005
|
1 457 376
|
2 303 935
|
-846 559
|
10,2
|
1,29
|
2006
|
1 479 637
|
2 166 703
|
-687 066
|
10,3
|
1,30
|
2007
|
1 610 100
|
2 080 400
|
-470 300
|
11,3
|
1,41
|
2008
|
1 717 500
|
2 081 000
|
-363 500
|
12,0
|
1,50
|
2009
|
1 764 000
|
2 010 500
|
-246 500
|
12,3
|
1,54
|
2010
|
1 789 600
|
2 031 000
|
-241 400
|
12,5
|
1,56
|
2011
|
1 793 828
|
1 925 036
|
-131 208
|
12,6
|
1,58
|
2012
|
1 896 263
|
1 898 836
|
-2 573
|
13,3
|
1,69
|
2013
|
1 901 182
|
1 878 269
|
22 913
|
13,1
|
1,70
|
Fonte : Rosstat
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(1) A taxa de natalidade é a relação entre o número anual de nascimentos e a população média total naquele ano. É frequentemente expressa por mil (‰).
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(2) A taxa de fecundidade, ou índice de fecundidade, é a relação entre o número de nascidos vivos durante um ano e o número de mulheres em idade de procriar (15-49 anos) naquele ano.
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Em 2000, um ano depois da chegada de Putin ao poder, a natalidade recomeçou a aumentar, depois de ter atingido a taxa muito baixa de 8,3‰, em 1999. Desde então, a natalidade só aumentaria.
Taxa de natalidade na Rússia, 1990-2013 (‰)
A partir de 2005, a situação demográfica da Rússia começa a melhorar. Depois de cinco anos do novo governo, a melhora no nível de vida já é perceptível. A volta da autoridade do Estado no seio da sociedade permite que as instituições públicas funcionem melhor, sobretudo os setores de medicina e atendimento público à saúde, duramente atingidos nos anos 90s; viu-se então uma estabilização no número bruto de mortes. Tudo isso contribui para devolver a confiança aos casais e famílias russas.
Em 2005, entraram em vigor as medidas demográficas estatais que visavam a apoiar financeiramente as famílias, sobretudo mediante uma ajuda financeira chamada Capital maternal l(Matkapital) [3], graças à qual as famílias passam a receber o benefício três anos depois do nascimento do segundo filho, no caso, a partir de 2008.
Em 2008, a crise financeira eclode no plano mundial, mas não tem efeito sobre a demografia russa, dado que, naquele ano, os casais com filhos começam a receber o Capital maternal. Ao mesmo tempo, a população de mulheres com idades entre 18 e 29 anos alcança seu pico histórico. Essas mulheres geram ¾ (75%) dos nascidos. A partir de então, a natalidade bruta continua a aumentar, e a mortalidade começa a cair visivelmente. A crise econômica mundial não é entrave ao aumento da natalidade na Rússia, o que confirma que a tendência positiva é sustentada, característica do país.
Natalidade e mortalidade, Rússia, 1990 até 2013
(números brutos)
Em 2012, pela primeira vez desde 1991, o saldo demográfico anual foi zero, indicando estabilidade da população. Em 2013, torna-se ligeiramente positivo, com aumento de 23 mil habitantes.
Saldo demográfico, Rússia, 1990-2013
(números brutos)
Depois de alcançar o mínimo recorde de 1,2 ao final dos anos 90s, a taxa de fecundidade russa voltou a subir para 1,7 em 2012, ainda muito pouco, mas mesmo assim superior à da União Europeia (1,6), praticamente igual à da Dinamarca e Holanda. Dizer que a taxa russa seria “uma das mais baixas do mundo”, como Masha Gessen diz em seu artigo, é delírio. Esse triste privilégio é, infelizmente, reservado [4] a Singapura (0,8), Taiwan (1,1), Coreia do Sul, Bósnia, Ucrânia, Polônia e Eslovênia (1,3) e também à Alemanha (1,4).
Taxa de fecundidade, Rússia, 1990-2013
(nascidos vivos/mulheres em idade reprodutiva)
A partir do início de 2014 [5], essa tendência positiva parece estar-se mantendo e, mesmo, estar-se acentuando. Assim, durante os sete primeiros meses de 2014, as mulheres russas pariram 18.729 crianças a mais que durante o mesmo período de 2013: no total, 1,12 milhão de nascimentos, contra 1,10 milhão um ano antes, com crescimento de 1,7 %. No mesmo período, o país registrou 8.890 mortes a menos: 1,2 milhão, contra 1,13 milhão em 2013, com redução de 0,8%. O saldo demográfico portanto melhorou, com aumento de 27.619 em sete meses. Em 2014, deve haver aumento natural da população, de cerca de 40 mil habitantes.
Qual será a população russa de agora até 2030?
Claro: a crise demográfica na Rússia não está resolvida. O baixo número de nascimentos dos anos 1995-2005 far-se-á sentir inevitavelmente, quando as pessoas dessa faixa etária chegarem à idade reprodutiva. Como, na média, a mulher russa tem o primeiro filho ao redor dos 30 anos, deve-se esperar uma redução da natalidade entre os anos 2025 e 2035.
Número de mulheres russas em idade reprodutiva
(em milhões), 1970-2025
Essa queda lógica dos nascimentos dentro de até dez anos deve, contudo, vir acompanhada de uma queda na mortalidade, com a expectativa de vida aumentando consideravelmente (de 64 anos no nascimento em 2003, para 71 anos em 2013). A população pois deverá naturalmente estabilizar-se e envelhecer.
Assim sendo, a solução, no caso da Rússia, passa pela imigração: essa é a chave do desenvolvimento econômico do país, e portanto de sua própria sobrevivência. Já há dez anos a imigração mantém-se num nível bastante baixo, entre 250 mil e 300 mil novos residentes por ano. Segundo os especialistas russos mais alarmistas, para conseguir combater a falta de mão de obra que se anuncia, é preciso alcançar 600 mil novos residentes por ano, durante 20 anos [6].
150 milhões de russos em 2030?
Durante cerca de uma década, os especialistas em previsões, inclusive os do Instituto Russo de Estatísticas, Rosstat, foram pessimistas quanto à evolução da população russa. Entre 2006 e 2008, divulgaram-se previsões de três organismos: Rosstat, High School of Economics(HSE) e da ONU. As duas mais otimistas, Rosstat e HSE, previam déficit de 500 mil habitantes para 2013; a mais pessimista, da ONU, chegava a prever déficit de 750 mil. De fato, o saldo manteve-se equilibrado.
Comparação entre diferentes previsões
de 2006-08 e a realidade em 2013
Outro exemplo desse pessimismo reinante, nas previsões para médio prazo publicadas em 2011 por Rosstat (a partir dos resultados de 2010), o cenário pessimista previa 128 milhões de habitantes em 2030; e o otimista, 150 milhões. E para que se concretizasse o cenário otimista, a população russa teria de alcançar 143 milhões de habitantes no início de 2015. Ora, em 2014 já se vê que o patamar dos 143 milhões já foi alcançado em janeiro de 2012, três anos antes da data prevista.
A queda na população que, pela teoria, a Rússia deve conhecer durante a próxima década bem poderá ser acentuadamente menor que a prevista. Pode-se mesmo imaginar que a população russa aumentará sensivelmente de agora até 2030. É o que permite antever o futuro demográfico da Rússia com muito mais serenidade do que se lê no artigo de NYRB, e torna plausíveis as estimativas que preveem o piso simbólico dos 150 milhões de habitantes em 2030 [7].
Mas a demografia dos vizinhos ocidentais da Rússia, sim, está de luto
Para terminar esse rápido panorama da demografia russa, é interessante compará-la à demografia de seus vizinhos diretos ao oeste, antigos membros do bloco soviético: Bielorrússia, Estônia, Letônia, Lituania e Ucrânia. O que se vê é que a Rússia está em ascensão, enquanto os demais continuam a cair, principalmente Letônia e Lituânia.
Evolução da população da Rússia e de seus vizinho
ao oeste, 1992-2014 (base 100 em 2000)
A propaganda (muito) bem urdida, dos ativistas neoliberais
Na boca e nos escritos dos pundits ocidentais (especialistas que trabalham para os grandes veículos da imprensa-empresa comercial mainstream), sempre volta a ideia de uma iminente catástrofe demográfica na Rússia, o que comprovaria o fracasso da política do Kremlin. Virou obsessão, todos dedicados a negar compulsivamente o que realmente acontece na Rússia a partir de 1999, quando Putin assumiu o timão. A imprensa-empresa comercial ocidental atirou pela primeira vez, fogo significativo, durante o verão de 2011, quando praticamente todos os “especialistas” só faziam repetir que:
(...) um quinto dos russos sonham com emigrar da Rússia (…) Segundo cifras oficiais, de 2008 a 2011, cerca de 1,2 milhão de pessoas deixaram a Rússia(…). São números que fazem soar mal as palavras de ordem patrióticas e os ambiciosos projetos do Kremlin.
Mas o golpe foi excessivamente grosseiro, com “conclusões” a partir de números falsos [8], e o ataque mediático fracassou.
Três anos depois, Masha Gessen tira do saco um mito já velho de um povo russo em extinção, e põe-se a rematraquear a conversa sobre russos moribundos, para desinformar ainda mais um público ocidental já bem desinformado. A jornalista afirma que a Rússia estaria sofrendo simultaneamente de baixa natalidade à ocidental e de alta mortalidade à africana. De fato, basta examinar os números, como acabamos de fazer, para constatar a espetacular retomada demográfica russa, a partir do início dos anos 2000, e que desmente o que escreveu Masha Gessen e a grande maioria dos demógrafos ocidentais.
É difícil deixar de ver a relação que há entre essa retomada demográfica e as medidas de apoio financeiro adotadas pelo presidente Vladimir Putin, para incentivar as famílias a ter mais filhos. Essa política natalista eficaz e voluntária, de apoio à família tradicional e à natalidade, fez renascer entre os russos o desejo e a coragem, mas, sobretudo, garantir-lhes os meios para voltar a fazer filhos.
Notas
[1] Maria Alexandrovna Gessen, conhecida como “Masha Gessen”, é jornalista e escritora, russo-norte-americana. Defende direitos das minorias sexuais, militando contra a lei russa que proíbe propaganda pró-homossexualismo dirigida a menores, e, em geral, contra a situação política russa (sic). (Wikipedia, fr., aqui traduzido)
[*] Alexandre Latsa (nascido em 1977) é analista, vive na Rússia e anima um blog muito conhecido, Un autre regard sur la Russie [Um outro olhar sobre a Rússia]. Viveu sua juventude, na África negra, especialmente no Congo, onde desenvolveu sua escolaridade. Formou-se em 1995 e retornou à França para estudar Direito onde obteve seu bacharelado. Apoiou ativamente o coletivo Non à la guerre en Serbie, que eclodiu em 1999; em seguida, participou da criação de uma associação humanitária de auxílio àquele país. Trabalhou durante vários anos para a filial francesa de uma multinacional. Além de colaborar com outras publicações, trabalha em conjunto com o Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (IRIS) ligado ao Institut de relations internationales et stratégiques (IRIS) e no Institut Eurasia-Rivista. É co-animador de vários fóruns como presidente da Droite Populaire juntamente com Pierre Gentillet . Realizou inúmeras entrevistas com personalidades tais como Alexander Dugin. Atualmente contribui com as agência RIA Novosti e Voix de la Russie.
Escreveu 2 livros: Putin’s new Russia, com Jon Hellevig, introduction de Peter Lavelle, Kontinent USA, 2012; e Mythes sur la Russie.