MJ Rosemberg |
15/3/2011, MJ Rosenberg - Al-Jazeera
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
AIPAC é uma ferramenta útil quando você quer prever o futuro de qualquer negociação de paz entre israelenses e palestinos.
AIPAC é um bom indicador da posição israelense. PM Benyamin Netanyahu
[Foto Getty Images]
O primeiro-ministro Benyamin Netanyahu tem sido pesadamente criticado em Israel pela flagrante exploração da morte de cinco membros de uma família (três crianças) na colônia de Itamar próxima de Nablus. Particularmente lamentável tem sido a campanha de Netanyahu, que continua a exigir que Mahmoud Abbas fale à imprensa palestina para condenar as mortes, mesmo depois de Abbas ter divulgado declaração excepcionalmente forte, no instante em que soube da tragédia.
Esqueçamos por um instante que ninguém sabe quem cometeu o crime e que ninguém crê que os assassinos sejam associados a Abbas. Deixemos de lado também que Netanyahu jamais condenou ou manifestou sequer remorso pelo assassinato de mais de 300 crianças palestinas pelo exército de Israel na guerra de Gaza. (De fato, não há notícia de governo israelense que sequer tenha criticado a morte de crianças palestinas em ações do exército de Israel, apesar de haver centenas de crianças mortas pelo exército de Israel na última década).
Até aí não há novidades. O que é novidade é a decisão de Israel de culpar a Autoridade Palestina (e não exclusivamente, dessa vez, o Hamás), AP que, até há pouco tempo, Israel elogiava como parceira. Essa mudança tornou-se evidente no último mês, quando o lobby israelense nos EUA, reunido no AIPAC, começou a atacar Abbas e a Autoridade Palestina, voltando ao velho estilo dos piores dias, quando o lobby israelense tratava com igual fúria todos os palestinos, vistos homogeneamente como inimigos de Israel.
Há pelo menos três motivos para que se acompanhem de perto os movimentos futuros do American Israel Public Affairs Committee, Comitê EUA-Israel de Negócios Públicos, em inglês AIPAC, com vistas a entender melhor os eventos do Oriente Médio.
Primeiro, porque as posições do governo Netanyahu são manifestação fiel das posições do AIPAC, embora, vez ou outra Netanyahu divulgue as posições antes de o AIPAC tornar públicas suas decisões.
Segundo, porque as políticas do AIPAC permitem antecipar, não por coincidência, as posições vencedoras nas discussões no Congresso dos EUA.
E terceiro, porque o que diga ou faça o AIPAC sempre é indicador seguro dos passos futuros do governo de Obama, que recebe “orientação” tanto do próprio AIPAC quanto de Dennis Ross, ex-presidente do Washington Institute for Near East Policy, think tank do AIPAC e, hoje, principal conselheiro do presidente para assuntos do Oriente Médio.
Os próximos meses são particularmente importantes, porque o AIPAC prepara sua Conferência Anual, que acontecerá nos dias 22-24 de maio. A conferência do AIPAC é evento gigantesco, do qual participam praticamente todos os deputados e senadores dos EUA, o primeiro-ministro de Israel e ou o presidente ou o vice-presidente dos EUA. Também participam da Conferência Anual do AIPAC milhares de delegados de todo o país e candidatos ao Congresso, que ali fazem campanha de arrecadação de dinheiro para suas campanhas eleitorais. Esse ano, os principais aspirantes a candidatos do Partido Republicano à presidência dos EUA também estarão presentes, todos ocupados em vender a qualquer preço sua lealdade eterna à agenda política do AIPAC.
A conferência começa, de fato, muito antes de convergir e lotar o imenso Washington Convention Centre. Agora mesmo, os principais funcionários do AIPAC decidem que políticas merecem ser apresentadas às centenas de delegados. Essas políticas constituirão a agenda, não só da conferência, mas do próprio AIPAC para os próximos 12 meses (interessados em conhecer o livro publicado das políticas do AIPAC apresentadas para votação na conferência do ano passado encontram-no como PDF: 111th. Congress, Second Session – AIPAC Briefing Book.
Nos anos recentes, a principal mensagem do AIPAC têm mirado o Irã e o que o lobby pensa sobre as ameaças trazidas a Israel pelo programa nuclear iraniano. Orador após orador, nas várias conferências anuais do AIPAC ao longo da última década (entre os quais o sempre histriônico primeiro-ministro Benyamin Netanyahu), têm invocado o Holocausto como metáfora preferida, sempre que se referiam à possibilidade de o Irã construir armas atômicas.
Esses oradores pavimentaram o caminho para a aprovação de leis que impuseram “sanções debilitantes” ao Irã – e para a inclusão da “opção militar” que permaneceu “sobre a mesa” para o caso de as sanções não conseguirem dar cabo do programa nuclear iraniano. Praticamente todos os projetos que resultaram em leis de sanção ao Irã aprovadas pelo presidente Obama nasceram no AIPAC.
Mas em 2011, o Irã terá de dividir as atenções do lobby, com preocupações sobre as revoluções democráticas que agitam o mundo árabe. Aquelas revoluções fizeram de 2011 um annus horribilis para o AIPAC e para Netanyahu, e o ano ainda nem chegou à metade.
Temas
As primeiras indicações sugerem que o principal tema da conferência do AIPAC será que Israel, outra vez, está “sem parceiro” com o qual negociar. É tema velho, mas que volta nos momentos em que a direita israelense deixa de ver a Autoridade Palestina (liderada por Mahmoud Abbas e Salam Fayyad) como parceira e colaboradora na missão de manter o status quo.
Como os “Palestine Paper” de Al Jazeera demonstraram, Abbas e Fayyad raramente dizem “não” ao governo Netanyahu – o que fez deles o único tipo de parceiro aceitável para a troika Netanyahu-Lieberman-Barak.
Mas, temendo que alguma democracia se aproxime, a Autoridade Palestina, ultimamente, começou a dar sinais de ter espinha dorsal. Recusou-se a curvar-se à exigência de EUA e Israel de que engavetasse a resolução do Conselho de Segurança da ONU de condenação às colônias israelenses. Recusa-se absolutamente a negociar com israelenses, antes que Israel desocupe as terras que estariam sendo negociadas. E, o que mais perturba Netanyahu e companhia, diz que planeja declarar unilateralmente o estado da Palestina no verão que se aproxima.
Netanyahu, que precisa da ilusão de movimento, para não deixar ver que não há movimento algum, começa a sentir a pressão. Até Angela Merkel, chanceler alemã e empenhada apoiadora de Israel, apoiou a resolução da ONU que condena as colônias israelenses em território ocupado e comunicou sua decisão a Netanyahu, em telefonema do dia 24/2, que foi muito divulgado. Disse a Netanuahu que os europeus estão fartos, cansados dele. O jornal Haaretz noticiou:
“Netanyahu disse a Merkel que estava desapontado com o voto da Alemanha (...). Merkel enfureceu-se. “Como você se atreve?!” – disse ela. “Você, sim, nos desapontou: até agora não deu um passo sequer em direção à paz.”
Muito perturbado, Netanyahu imediatamente disse que estava pronto a anunciar seu plano para por fim ao conflito Israel-palestinos. Disse aos aliados políticos que tem de agir rápido, para impedir que cresça a pressão do chamado “Quarteto” (ONU, EUA, União Europeia e Rússia), que se deve reunir ainda esse mês para definir os parâmetros para um acordo definitivo. Preparando essa reunião, o ministro de Relações Exteriores da Grã-Bretanha William Hague disse que a base territorial para qualquer acordo tem de ser as fronteiras de antes de 67 – a última coisa que Netanyahu deseja ouvir.
Notícias de Israel informam que o plano de Netanyahu não inclui as fronteiras de 67 e, em troca, oferece um Estado da Palestina com fronteiras temporárias e congelamento muito restrito de novas construções (em Jerusalém, nada seria congelado).
Sabendo que a Autoridade Palestina já não pode nem considerar tal plano, Netanyahu decidiu rotular preventivamente os ex-amigos de Israel na Autoridade Palestina como terroristas extremistas – na esperança de que, nesses termos, o Congresso dos EUA e o governo Obama apoiarão seu plano. Netanyahu espera que, se assegurar o apoio dos EUA, conseguirá bloquear qualquer iniciativa do Quarteto. Mais uma vez, seu objetivo é deixar tudo como está, o que torna indispensável que os EUA aceitem seus esquemas. Até aqui, a tática tem dado certo.
Guerra suja
O que, afinal, explica a nova abordagem do AIPAC: enlamear a Autoridade Palestina. Quando a Conferência do AIPAC chegar ao fim, o mantra “Israel não tem parceiros” terá voltado ao primeiro lugar na parada de sucessos – candidato a ‘disco de ouro’.
Vejam-se, por sinal, algumas mensagens que o AIPAC tem distribuído pelo Twitter nos últimos dias (novas tecnologias, para velhas mensagens):
AIPAC: A Autoridade Palestina não quer que organização terrorista seja chamada de organização terrorista: quer que o governo una-se aos terroristas.
AIPAC: A Autoridade Palestina quer impedir a soberania de Israel. Obama não permitirá o que já chamou de “erro estratégico”.
AIPAC: Autoridade Palestina disse NÃO a Israel.
Para comparar, eis um tuíte típico do AIPAC, antes de a Autoridade Palestina começar a oferecer resistência a Netanyahu:
AIPAC: Conversações com Abbas levarão a um acordo de paz ainda esse ano? “Sim, tenho certeza que sim” – disse Netanyahu.
Em resumo, trata-se do seguinte: os europeus, a ONU e, pode-se dizer, todo o mundo – exceto os EUA – temem que a Autoridade Palestina esteja à beira do colapso e que arraste, nesse colapso, até a ideia de algum processo de paz. Então, afinal, começaram a empenhar-se seriamente para reabrir as negociações. Para que haja negociações reais, é indispensável que Israel suspenda todas as construções em territórios ocupados, no mínimo. É como se todos estivessem percebendo que uma Autoridade Palestina vista (como realmente é vista) como lacaia de Israel não conseguirá sobreviver. Já ninguém confia em qualquer boa intenção do governo Netanyahu.
Inverter a mão
O governo de Israel, que também já entendeu tudo isso, decidiu fazer todo o ônus recair sobre os palestinos, para escapar às pressões. Mais importante: Israel está paralisada de medo de que a Autoridade Palestina leve avante o plano de, no próximo verão, declarar unilateralmente o Estado da Palestina – única ideia da Autoridade Palestina, em anos, que realmente pode prosperar.
Israel, pois, precisa que os EUA paralisem a Autoridade Palestina, seja pelo meio que for, inclusive com corte total de qualquer ajuda dos EUA (e, mesmo, de outros países) aos palestinos (e, isso, no momento em que Barak, ministro da Defesa de Israel, está pedindo mais 20 bilhões de ajuda militar aos EUA). O objetivo de curtíssimo prazo, crucialmente importante para Netanyahu é impedir que se declare unilateralmente a independência palestina. E Netanuahu escolheu conseguir isso, obrigando Obama a apoiá-lo (o que, afinal, não será muito difícil, com as eleições de 2012 já se aproximando).
Por isso, deve-se esperar para breve um novo plano de paz de Netanyahu. Por isso, também, a AIPAC está dedicada a denegrir os palestinos. E por isso, ainda, é que logo veremos o AIPAC obrigar o Congresso dos EUA a repetir, em uníssono: “Israel não tem parceiro palestino”. Em seguida, o Congresso exigirá que o governo Obama apóie o plano de Netanyahu, que será declarado o mais generoso da história.
Nesse ritmo, logo veremos o governo de Israel e o lobby ressuscitarem o velho mantra (1948-1977) de que “não existe povo palestino”.
Tudo isso, para manter o sujo, mortífero status quo. Até hoje, essa tática sempre funcionou. É possível que funcione mais uma vez. E mais uma vez, como sempre, a vitória do AIPAC e de Netanyahu será derrota para Israel e para os EUA.
Os palestinos, por seu lado, bem farão se construírem estratégia unificada, de todos os palestinos, e se se mantiverem firmes no projeto de declarar unilateralmente a própria independência. Como diria David Ben-Gurion, a autodeterminação exige, muitas vezes, que se ande sozinho.
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