Glenn Greenwald |
31/3/2011, Glenn Greenwald, Salon [excertos]
Traduzido e selecionado pelo Coletivo da Vila Vudu
Em janeiro de 2006, o Departamento de Justiça de Bush divulgou memorandum de 42 páginas, segundo o qual o presidente teria poder para ignorar qualquer restrição que o Congresso apresentasse a escutas clandestinas em residências particulares. Poderia, pois, ignorar as restrições impostas pela lei FISA (Foreign Intelligence Surveillance Act) – a legislação já existente há 30 anos e que declarava crime exatamente o que Bush fora apanhado fazendo: escutando conversas de cidadãos e empresas sem autorização judicial. Tudo isso aconteceu menos de três meses antes de eu começar a escrever esse blog, e – o que hoje me causa profunda vergonha – fiquei sinceramente chocado ante o radicalismo e o extremismo daquele memorandum.
Escrevi então, literalmente, que o Congresso não tinha poder para limitar ações do presidente, nos casos de segurança nacional e de proteger a nação. Argumentei, então, como argumentaram os advogados de Bush, na defesa e de seu poder para declarar guerras. (...) Em resumo, o memorando do departamento de Justiça de Bush dizia que o presidente poderia ignorar a lei FISA, na medida em que qualquer restrição ao poder do presidente dos EUA para declarar guerra seria “inconstitucional se aplicado no contexto do conflito armado (então, se tratava de invadir o Iraque) que o Congresso dos EUA autorizou”.
Esse argumento – de que o presidente dos EUA e só ele tem poder para declarar guerras, nos termos do artigo 2º – tornou-se a base da “ilegalidade autorizada”, ideologia da qual Bush serviu-se sempre. Dia 25/9/2001, foi divulgado o para sempre infame Memorando dos Poderes de Guerra, de John Yoo, cujo item final dizia:
“Nos dois documentos, na Resolução dos Poderes de Guerra” e na Resolução Conjunta, o Congresso reconheceu a autoridade do presidente para usar a força em circunstâncias como as que se criaram pelos incidentes do 11/9/2001. Nenhum estatuto, contudo, pode impor qualquer limite às determinações do presidente no caso de haver ameaça terrorista, nem quanto ao montante de força militar a ser usada em resposta, nem quanto ao método, a ocasião e a natureza da resposta. Essas são decisões que, nos termos da nossa Constituição, só o presidente pode tomar”
“Nos dois documentos, na Resolução dos Poderes de Guerra” e na Resolução Conjunta, o Congresso reconheceu a autoridade do presidente para usar a força em circunstâncias como as que se criaram pelos incidentes do 11/9/2001. Nenhum estatuto, contudo, pode impor qualquer limite às determinações do presidente no caso de haver ameaça terrorista, nem quanto ao montante de força militar a ser usada em resposta, nem quanto ao método, a ocasião e a natureza da resposta. Essas são decisões que, nos termos da nossa Constituição, só o presidente pode tomar”
Assim se constituiu o âmago da ilegalidade de que Bush serviu-se.
Ontem, Hillary Clinton disse à Câmara de Deputados que “a Casa Branca dará andamento a ação militar na Líbia, nos termos planejados, e mesmo que o Congresso aprove resolução que limite a missão.” Como escreveu TPM :
“O governo ignorará qualquer tentativa, pelo Congresso, de limitar o poder do presidente Obama como comandante-em-chefe para tomar decisões militares em tempo de guerra – como se essas limitações constituíssem limitação inconstitucional do poder executivo.
Como observou o deputado Democrata Brad Sherman, Clinton não se apoiava na Resoluções sobre Poderes de Guerra de 1973 (WPR). Ao contrário: a posição de Clinton é que o governo Obama tem poder irrestrito para declarar guerra, mesmo que ultrapasse o que lá é permitido e mesmo que viole o que lá é proibido. O governo Obama, de fato, já envolveu os EUA em guerra vasta, perigosa, em país distante que nem atacou nem ameaça os EUA, sem sequer procurar qualquer apoio no Congresso nem, tampouco, algum tipo de apoio entre os cidadãos. O governo Obama já agiu como se não houvesse qualquer dúvida de que o presidente tem poder ilimitado e absoluto para declarar guerras – e só o presidente” em: Clinton To Congress: Obama Would Ignore Your War Resolutions.
Para começar, desafio qualquer um a determinar qualquer mínima diferença entre o que o governo Bush pensava dele mesmo e o que o governo Obama pensa de si e da própria autoridade – a saber, que os dois teriam autoridade absoluta para ignorar completamente o Congresso, em assuntos de guerra.
Diga-se o que se disser contra a ideologia da “ilegalidade autorizada” do governo Bush, ainda foi efeito de ataque violento contra os EUA. (...) Hoje, o governo Obama usurpa para ele mesmo as mesmas prerrogativas, sem que os EUA tenham sido atacados e contra nação soberana que não ameaça os EUA.
Não se trata de ‘governo igual ao governo Bush’: o governo Obama é governo ainda mais autoritário, de fato, ainda mais bélico-ensandecido, que o governo Bush.
A fala da secretária Clinton ontem não nos leva de volta ao pré-Iraque: leva-nos de volta, diretamente, ao escândalos dos “Contra”, quando o governo Reagan financiou os “contras” na Nicarágua, apesar de haver expressa proibição, pelo Congresso, para que o fizesse. Depois de feito – quando as operações secretas vieram à tona –, o governo Reagan adotou a linha de defesa segundo a qual o Congresso não teria poder para limitar decisões relacionadas à segurança nacional.
Foi posição defendida pela primeira vem em 1987, pelo Republicano Dick Cheney (...). Daí se constituiu a teoria da onipotência do presidente, que abriu caminho para a presidência imperial de Bush (...) (em SAVAGE, Charlie. Takeover: The Return of the Imperial Presidency & the Subversion of American Democracy. Little Brown and Company, 2007). Cheney fez dessa luta a luta de sua vida. Desde o chamado “escândalo dos Contras”. Quando o governo Bush foi acusado de espionar cidadãos americanos, Cheney respondeu:
“Se querem entender como e por que o programa é legal (...) leiam meu relatório sobre o caso Irã-Contras”. Naquele relatório, de 1987 -- Cheney e seu assessor David Addington defenderam o presidente Reagan, dizendo que “o Congresso não tem qualquer direito de aprovar leis que limitem o poder do comandante-em-chefe”.
Na fala de ontem, ao Congresso, Hillary fez, para Obama, o que Cheney fez para Bush. O radicalismo antidemocrático é, de fato, ainda mais radical e sem fundamento, hoje, no caso da Líbia. Difícil imaginar quadro pior.
(...) O que Obama está fazendo na Líbia é ilegal. Que outros presidentes tenham também agido ilegalmente, em outras guerras, maiores ou menores, é irrelevante. (...)
No limite, Clinton foi mandada dizer ao Congresso dos EUA que o presidente dos EUA, como “comandante em chefe” tem poderes para deter qualquer cidadão dos EUA como se fosse “soldado inimigo”. (...)
A noção de que os presidentes possam deter poder absoluto para declarar guerras é ideia obsoleta, que já foi criticada e ridicularizada nos anos Bush. O esforço de Obama e Clinton para revitalizá-la é, ao mesmo tempo, patética e gravemente ameaçadora: como se ambos estivessem à procura de sua Guerra Pessoal Imperial Personalizada: não do Iraque, nem do Afeganistão, que são “guerras imperiais de Bush”, mas uma guerra imperial ‘de Clinton-Obama’, dessa vez... na Líbia! (...) Em todos os casos, foram guerras ilegais. Que o Congresso dos EUA a tudo assista, sem protestar, isso, já é outro problema.
Nos EUA, muitos Democratas, liberais, mas também muito conservadores e até muitos dos mais empenhados “contra-tudo”m dos movimentos “Tea-Party” e dos movimentos anarquistas lutaram muito empenhadamente contra essas ilegalidades dos governos Bush. Nada mudou, no campo da ilegalidade e da desconsideração ao Congresso, nos anos Obama. De fato, bem examinadas as coisas, muita coisa piorou.
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