23/6/2011, MK Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Ver também:
15/6/2011, “CIA-EUA vs Serviço Secreto do Paquistão: Guerra de espiões, sem limites” - MK Bhadrakumar, Indian Punchline
17/6/2011, “Por que os militares paquistaneses prenderam quem ajudou a encontrar Bin Laden?” - Radio Free Europe - Ron Synovitz entrevista (excerto) Sebastian Gorka
O Paquistão marcou um grande tento de propaganda e chegou à categoria de “notícia extraordinária” na consciência da mídia mundial: o Paquistão começa a se mexer contra os “Jihadis” infiltrados nas forças armadas!
Mas a prisão do brigadeiro Ali Khan em Rawalpindi na 3ª-feia é notícia absolutamente espantosa.
No Paquistão, os militares investem pesadamente na formação dos oficiais militares; quando alguém chega à patente de brigadeiro, ninguém duvida de que seja dos melhores, dos mais brilhantes. Por isso, a prisão de um brigadeiro da ativa, já próximo da aposentadoria, é decisão que ninguém toma sem muita reflexão. E só o comandante do exército do Paquistão Parvez Kayani tem autoridade para mandar prender um brigadeiro da ativa.
Os militares paquistaneses estiveram nas manchetes, em todo o mundo, por se terem deixado ver como vulneráveis à infiltração por elementos islâmicos. Saleem Shehzad, editor do jornal Asia Times, foi seqüestrado, torturado e assassinado há um mês, porque publicou precisamente essa notícia. O crime horrendo foi imediatamente atribuído ao serviço secreto do Paquistão (ISI).
A prisão do brigadeiro Khan seria mensagem clara, de que Kayani afinal teria resolvido “limpar” o exército paquistanês, dos jihadis infiltrados. Toda a mídia ocidental divulgou a notícia com destaque, projetando Kayani como líder iluminado, decidido a agir com tolerância-zero contra os extremistas religiosos e o terrorismo. Até aí, o normal. Agora, a parte estranha.
Qual a acusação contra o brigadeiro Khan? O major-general Athar Abbas, principal porta-voz dos militares, disse que Khan tem ligações “comprovadas” com o grupo Hizb ut-Tahrir [HuT]. Disse também que quatro outros majores da ativa foram interrogados sobre “supostos laços com o grupo HuT” e que essa infiltração comprometeria “toda a nação e a segurança nacional”. Deixou sugerido que a “rede” de Khan não estaria limitada ao quartel-general em Rawalpindi, onde o brigadeiro servia ao ser preso.
A dúvida está em que, sempre que se menciona o grupo HuT, imediatamente surge um grave problema de credibilidade. O fato é que o HuT é o espantalho preferido de vários países que, por um motivo ou outro, desejem lançar sobre a resistência islâmica a pecha de xenofobia ou, dito de outro modo, sempre que interesse a alguém encontrar pretexto para livrar-se de dissidentes políticos. “HuT” é uma sigla misteriosa.
Pouca gente sabe que o grupo surgiu no início dos anos 1950s em Jerusalém (?!). Opera em dúzias de países e não é, não, nem de longe, centrado no Paquistão. Sua ideologia é utopista – querem implantar um califado mundial – e pregam meios não-violentos para chegar lá. Os seguidores são graduados, praticamente todos da pequena burguesia. Engraçado é que operavam legalmente e livremente na Grã-Bretanha e em vários outros países ocidentais até há bem poucos anos. Em Londres, os militantes reuniam-se em cafeterias e ofereciam-se para dar entrevistas à imprensa.
A referência ao “fator HuT” imediatamente dispara inúmeras suspeitas sobre a prisão do brigadeiro Khan. Segundo as investigações que o jornalista Sayyed Saleem fez e publicou, há risco de as forças armadas paquistanesas terem sido infiltradas pela al-Qaeda, sim. Poderiam estar sendo ameaçadas por grupos afiliados da al-Qaeda, sim. Mas o grupo HuT nada tem a ver com a al-Qaeda e toda sua literatura sempre criticou Osama bin Laden.
Acusar o brigadeiro Khan de ter laços com o HuT parece ser movimento astuto dos chefes militares paquistaneses. Porque o grupo HuT tem sido acusado de antissemitismo.
Não surpreendentemente, qualquer notícia associada ao HuT torna-se imediatamente tema de noticiário em horário nobre na mídia ocidental, por causa das acusações de antissemitismo que sempre se fazem ao grupo. Na direção oposta: qualquer ser vivo que fale contra o grupo HuT é imediatamente, quase com certeza absoluta, mostrado sob luz favorável na mesma mídia ocidental. Esse parece ter sido o jogo dos militares paquistaneses, para obter do ocidente mais uma demão de tinta branca, para encobrir o sangue que suja sua imagem desde o assassinato de Sayyed Saleem. Não poderia haver cinismo maior. Mas o serviço secreto do Paquistão é mestre consumado em manobrar a mídia.
Por isso, a BBC em idioma urdu no Paquistão, onde trabalham jornalistas paquistaneses que conhecem bem os militares e sua cultura, lavraram um grande tento jornalístico ao não abraçar os releases. Decidiram investigar.
Da investigação surgiu, como primeira descoberta, que Khan é soldado de um tipo raro – do tipo que pensa, um intelectual. Não é dado a jogar Squash nem a intrigas de caserna. Pelo que se sabe, é homem que se dedica a questões do intelecto. Várias vezes criticou os rumos das políticas do Paquistão. Incomodou muito o ditador general Pervez Musharraf que, parece, arruinou para sempre sua carreira, porque Khan, uma vez, teve a audácia de questionar a sabedoria do ditador que se alinhara à guerra conduzida pelos EUA, no Afeganistão. Mais recentemente, em reunião do alto comando no quartel-geral, em que se fazia o exame post-mortem do ataque dos helicópteros contra Abbottabad, Khan teria posto a boca no trombone. Teria dito que militares paquistaneses instalaram Osama bin Laden na cidade (militarizada) de Abbottabad e que os mesmos militares, adiante, teriam facilitado a operação dos EUA.
Sim, foi um pouco além da conta. Khan evidentemente atravessou a linha vermelha. Kayani enfureceu-se. A fala de Khan era dinamite. Mas o mais interessante é que há outros militares paquistaneses que têm a mesma opinião sobre o incidente em Abbottabad — todos convencidos de que oficiais do exército paquistanês colaboraram com os EUA. Abbottabad é história que jamais será integralmente conhecida. E Khan não podia continuar livre para discutir sua teoria. Os EUA apresentaram várias versões, enredaram-se nas próprias mentiras e acabaram por parar completamente de falar sobre a operação.
A grande ironia de toda a história é que Khan está sendo silenciado com acusações (inverossímeis) de “Jihadismo”, apesar de, se fez o que se diz que fez, ter cometido crime mais grave: denunciar seus superiores por associações com bin Laden.
Segundo a interpretação da BBC-Paquistão, o único crime político de Khan é sempre acreditar (desde Musharraf), apaixonadamente, que não interessa ao Paquistão manter-se aliado dos EUA. Por isso, tanto incomodou o ditador Musharraf quanto hoje incomoda Kayani.
Kayani repete as políticas de Musharraf e começa a punir oficiais que como Khan estejam infectados, não pelo vírus do “Jihadismo”, mas pelo vírus do antiamericanismo.
No frigir dos ovos, a análise da BBC mostra exatamente que Kayani, comandante militar do Paquistão, é muito mais alérgico ao antiamericanismo, que ao terrorismo islâmico.
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ATUALIZAÇÃO: Em direção absolutamente oposta a essa interpretação – e com detalhado relatório-release da prisão do brigadeiro Khan “por envolvimento com o grupo HuT”, lê-se hoje em Asia Times Online matéria assinada por Amir Mir [“Islamists break Pakistan's military ranks” - Islamistas infiltrados no exército paquistanês].
Ali, entre outras coisas, lê-se:
“Notícias da prisão do brigadeiro só chegaram à mídia quase uma semana depois de, dia 15 de junho, o New York Times noticiar que uma agência de espionagem da cúpula do exército do Paquistão havia prendido cinco informantes da CIA, entre os quais um major que teria dado informações à agência americana que levaram à casa, em Abbottabad, onde Bin Laden foi assassinado.” (...)
“A prisão de Khan por suspeita de ligações com grupos “Jihadis” apenas confirma que a luta entre islamistas e reformistas nas fileiras do exército paquistanês atingiu ponto máximo de ebulição, com os extremistas islâmicos e seus aliados entre os militares agindo em uníssono para promover sua agenda antigoverno paquistanês e anti-EUA.”
Depois de detalhado relato de casos de Jihadis infiltrados descobertos no exército paquistanês já há vários anos, muitos dos quais já condenados à morte e executados, a matéria conclui:
“Muitos anos depois, com Musharraf já longe e Bin Laden já morto, há fortes indicações de que extremistas islâmicos continuam infiltrados também nos baixos escalões das forças armadas e envolvidos em vários ataques mortais contra instalações militares do Paquistão. Daí nasce a pergunta de um bilhão de dólares: a infiltração de Jihadis nas forças armadas do Paquistão será maior do que se teme?”
Não há dúvidas de que prossegue, ao vivo, golpe da CIA no Paquistão – que estamos acompanhando ao vivo e em português, pela primeira vez na história desse país (e da CIA).
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