quinta-feira, 16 de junho de 2011

CIA tenta amotinar o exército do Paquistão

16/6/2011, MK Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu


Entreouvido no recôndito da Vila Vudu: 
Unbelievable! Pela primeira vez na história desse país estamos assistindo em tempo real a um golpe construído pela CIA, acompanhado dia a dia e narrado em português do Brasil. Já pensaram?! 
Nuuuuuunca, antes, um golpe construído pela CIA foi jamais nem escrito, nem publicado, nem sequer FALADO em português do Brasil, por nenhum jornal, jornalista, jornalismo, rádio, televisão ou jornal! NUNCA! Sempre foi como se os golpes da CIA não existissem em português do Brasil! 
Agora, pá! Aí está! É totalmente GOLPE armado pela CIA contra o Paquistão -- como os golpes que a CIA sempre armou no Brasil e na América Latina, sempre ajudada por alguns jornalões, igualzinho, sem tirar nem pôr. Aí vai, traduzido e legível e EXISTENTE em português do Brasil! 
É a glória! É o sucesso! É a fama! A Vila Vudu entrou prá história! Dáááá-le Vila!
No pasarán! 
_______________________________________________________

O impensável está acontecendo. A CIA está iniciando um complô extremamente perigoso, para desestabilizar o Paquistão. Os EUA estão confrontando a liderança do general Parvez Kayani, no comando do exército do Paquistão. O resultado mais provável é o que se viu acontecer no Irã em 1979. O problema é que os norte-americanos são como os Bourbons: não aprendem com os próprios erros.

O que o New York Times diz em Pakistani’s Chief of Army Fights to Keep His Job,  hoje, é absolutamente sem precedentes: o jornal cita “agentes do governo dos EUA” nada menos que sete vezes – o que é extraordinário –, entre os quais um “militar norte-americano envolvido com o Paquistão há muitos anos”; “um alto funcionário do governo dos EUA” etc. A matéria é claramente redigida para dar a impressão que foram entrevistados vários paquistaneses, mas olhar mais experiente logo lê, nas entrelinhas, que o mais provável é que tudo quanto ali se lê tenha sido informação fornecida por fontes norte-americanas. Leitura ainda mais cuidadosa, de fato, sugere que tudo, na matéria hoje publicada, foi inspirado em informação super sigilosa, só conhecida por quem tenham acesso às informações mais secretas e sensíveis sobre as interações entre EUA e o exército do Paquistão, e gente que não falaria naqueles termos a nenhum jornal, a menos que recebesse instruções específicas do mais alto nível de aparelho de inteligência dos EUA.

A matéria diz, em todas as linhas e entrelinhas, que a inteligência dos EUA já invadiu todas as forças de defesa do Paquistão, e invadiu muito profundamente.

Não é brincadeira.

Entre outras notícias espantosas, o New York Times teria recebido informações de um alto oficial paquistanês que teria participado de reunião secreta com Kayani na Universidade de Defesa Nacional do Paquistão e, ao deixar a reunião, entregou suas anotações a espiões dos EUA. Só poderia acontecer se aquele alto oficial fosse “mula” dos norte-americanos.

E a história tem algo, também, que sobra para os indianos como recado: também na Índia, a penetração da inteligência dos EUA só faz aprofundar-se e crescer. Não há dúvida de que os paquistaneses reagirão.

Os militares paquistaneses, contudo, só estão pagando o preço pelo acesso irrestrito que sempre garantiram à inteligência dos EUA para que interagissem livremente com todos os corpos militares, na chamada “parceria estratégica”. Agora, os norte-americanos pegaram o exército paquistanês pela jugular.

Essa é lição da qual muito têm a aprender todos os militares em todos os países emergentes, como a Índia (que também mantém laços intensivos, de militares com-militares, com os EUA). Na Índia, pelo menos, falar de atividades da CIA já caiu completamente “de moda”. O New York Times hoje diz com toda a clareza que, embora a Guerra Fria tenha acabado, a história não acabou.

O que se oculta, como objetivos reais, por trás da matéria hoje publicada no New York Times? Em resumo, e seja qual for o ângulo pelo qual se interprete a publicação, todos os objetivos são, no mínimo, diabólicos. 

Primeiro, porque os EUA estão detonando o chefe geral do exército do Paquistão Parvez Kayani e o diretor geral do serviço secreto paquistanês (ISI) Shuja Pasha,... Exatamente os dois que sempre foram unha e carne com os EUA e cujas carreiras bem-sucedidas, e agora estendidas para depois da aposentadoria, sempre em posições de grande poder, os norte-americanos coreografaram com extremo cuidado, para que se harmonizassem com liderança civil também absolutamente “parceira” em Islamabad. Mas vivem-se hoje tempos mais duros, e o pessoal-lá não está “correspondendo”, não está “delivering”. Como ensina a cultura norte-americana, não existe almoço grátis. 

Os americanos estão enlouquecidos, porque começa a parecer-lhes que todo aquele imenso “investimento” no Paquistão tenha sido completo desperdício, em todos os sentidos. E foi investimento que muito custou, também, para organizar. Em resumo, os norte-americanos afinal descobriram que erraram muito gravemente ao avaliar Kayani, quando o promoveram à posição em que hoje está. Ver em: Kayani, a man for many seasons.

Segundo, a inteligência dos EUA estima que, daqui em diante, as coisas só podem piorar nas relações EUA-Paquistão. Tentaram todas as vias possíveis para salvar aquele relacionamento. John Kerry, Hillary Clinton, Mike Mullen – os chamados “amigos do Paquistão” no governo de Barack Obama – todos viajaram a Islamabad e acionaram uma ofensiva de sedução. Nada funcionou. Então Obama mandou para lá o chefe da CIA Leon Panetta, com proposta que, na opinião dos EUA (e de Marlon Brando em O Poderoso Chefão), “eles aceitarão, porque não podem recusar”. Mas, para grande surpresa da inteligência dos EUA, Kayani despachou Panetta de volta para casa, de mãos abanando. Ver em: Ucle Sam bends like Becham.

Os norte-americanos perceberam que Kayani está lutando pela própria sobrevivência política – como Pasha –, o que os obriga a afastarem-se do ideário “pró-EUA” e harmonizarem-se rapidamente com a opinião predominante no Exército, segundo a qual os EUA são grave ameaça à segurança nacional do Paquistão e é mais que hora de a liderança dos militares demarcar uma linha vermelha. Em palavras mais simples, o Paquistão teme que os EUA estejam interessados em confiscar seu estoque de bombas atômicas. O povo paquistanês e os militares esperam que Kayani separe-se, de vez, da guerra que os EUA fazem contra o Afeganistão e que adote política de independência, com vistas a defender o que a nação vê como seus interesses legítimos.

Terceiro, o motim que a CIA tenta criar no exército do Paquistão explora a indisciplina crescente naquele exército, para, se possível, envolver a atual liderança militar numa grave crise “doméstica” que os ocupe tão intensamente que não tenham meios para dar atenção à guerra no Afeganistão. Assim, os EUA terão melhores condições para implantar ali sua própria agenda. A questão do tempo é crucial.

Os EUA buscam desesperadamente algum acesso direto à liderança dos Talibã, para firmar com eles algum acordo, sem interferência nem de Karzai, presidente do Afeganistão, nem do serviço secreto paquistanês.

O principal objetivo dos EUA é que os Talibãs comprometam-se com eles, seja como for, a não criar obstáculos à instalação de bases militares norte-americanas permanentes em território afegão. As negociações sobre uma parceria estratégica com o governo de Karzai chegaram a ponto crítico. Mulá Omar, dos principais líderes dos Talibã, opõe-se absolutamente à ideia de se instalarem bases militares permanentes dos EUA e da OTAN no Afeganistão. Os EUA estão dispostos a tirar os Talibã da lista de alvos de sanções da ONU e admitir que se integrem à vida político-partidária no Afeganistão, com acesso livre aos mais altos postos políticos, desde que Mulá Omar e a Assembleia das tribos [Quetta Shura] aceitem jogar pelas regras dos EUA.

Os EUA fizeram tudo que poderiam ter feito para convencer Kayani a trazer os Talibã para um caminho de reconciliação. Quando todos os esforços deram em nada, tentaram fazer contato direto com os Talibã. Mas o serviço secreto do Paquistão (ISI) sempre frustrou todas as tentativas da inteligência dos EUA nessa direção, insistindo em que os EUA nunca esquecessem de suas promessas iniciais, segundo as quais o Paquistão teria papel chave nas negociações com os Talibã. Afinal, a CIA e o Pentágono concluíram que, se a liderança militar paquistanesa não ceder, será impossível implantar a agenda norte-americana no Afeganistão. Ver em: Neutral Afghanistan serves regional stability.

Assim sendo, o que fazer para obrigar Kayani e o ISI a ceder? Os EUA conhecem o exército do Paquistão e sabem como os militares operam ali. O comandante do exército trabalha num colegiado de nove comandantes de corpos. Então, os EUA concluíram que tinham de dobrar o collegium (sobre essa disputa, ver também: Militares paquistaneses “enquadram” os EUA, 12/6/2011). Nesse contexto, a única possibilidade seria incendiar todo o exército, de modo que os generais – ocupados em apagar o incêndio, nas operações massivas para reparar os vastos danos e na faxina geral que se tornaria indispensável – ficassem impedidos de agir no plano estratégico externo por muitos meses, se não por muitos anos. Em muitos casos, consomem-se décadas para recompor uma instituição nacional como as forças armadas, depois de completamente desmoralizadas no plano interno.

Quarto, os EUA não se incomodariam se Kayani fosse forçado a renunciar, e todas as lideranças militares paquistanesas resultassem condenadas à desmoralização pública. Esse, aliás, é o quadro perfeito para que Kayani e Pasha sejam substituídos por gente ‘mais confiável’ – os próprios homens do Tio Sam. 

É altamente provável que os EUA já tenham selecionados os seus preferidos nos quadros do exército paquistanês e já os tenham prontos, à espera. O Paquistão é importante demais, como aliado chave “não OTAN”.

E a CIA tem vasta experiência em coordenar golpes de estado, inclusive “domésticos”. Praticamente todos os melhores e mais brilhantes oficiais do exército do Paquistão foram alunos de academias militares nos EUA, no mínimo uma vez. Dada a mentalidade da classe média de todo o subcontinente e a ‘ética’ cultural pós-moderna, as elites locais, civis e militares, consideram absolutamente certo e indiscutível que o apoio dos EUA é patrimônio valiosíssimo para impulsionar carreiras militares e profissionais em geral. No exército, os oficiais, praticamente sem exceção, não têm como resistir às tentações que a inteligência dos EUA lhes exiba, como iscas. Não há dúvidas de que já há, no corpo de oficiais do exército paquistanês, à espera, muitos desses ‘substitutos’ em potencial.

Permanece a grande pergunta: será que alguém em Washington dedicou algum tempo de reflexão aprofundada ao ‘grande jogo’ da CIA para destruir os militares e o exército do Paquistão? 

O xis da questão é que, no exército paquistanês, viceja o mais virulento antiamericanismo. Muito frequentemente, esse antiamericanismo obcecado soma-se a crenças e simpatias islâmicas. Praticamente já não existe, nas forças armadas paquistanesas, o antiamericanismo de esquerda à moda antiga – como existiu nos tempos de Ayaz Amir. No exército, essas tendências já estão hoje quase completamente sincronizadas com a opinião pública (massivamente anti-EUA).

Ao longo dos últimos 30 anos, no mínimo, o exército do Paquistão passou a ser recrutado, quase exclusivamente, nas classes médias baixas (como na Índia)  – não mais na aristocracia proprietária de terras, como antes, até o final dos anos 1970s. Esse estrato social é absolutamente de direita, no plano político; é nacionalista; e tão profundamente mergulhado na religiosidade, que nele se confundem a religião e a paixão militante.

Se se consideram a avassaladora crise econômica na qual o Paquistão se debate e o profundo descrédito dos políticos (todos) na sociedade paquistanesa, além de desigualdades abissais e tensões sociais que crescem e têm gerado um clima de violência também crescente e muita incerteza quanto ao futuro entre os paquistaneses médios, é de temer-se uma guinada na direção dos partidos islâmicos da extrema direita. No Paquistão, estão presentes hoje quase todos os ingredientes que havia no Irã na época do Xá.

Até aqui, uma grande diferença, contudo, têm sido as forças armadas paquistanesas, que são consideradas instituição nacional “com raízes” na sociedade. Pode-se dizer, sem exagero, que as forças armadas são reverenciadas pela população. Ora... Como se sabe, destruir é sempre fácil. 

A menos que os EUA tenham várias ideias brilhantes sobre o que fazer para ‘construir a nação’ no caso do Paquistão, e se só fizerem o que fizeram no Afeganistão, a ‘estratégia’ em que trabalham hoje – desacreditar os militares, incitá-los ao motim e à autodesintegração e enfraquecê-los como instituição –, parece ser carregada de imensos perigos.

A instabilidade talvez interesse à geoestratégia dos EUA, para consolidar sua (e da OTAN) presença militar na região. Mas é autorreferente, autista, quase perverso, um projeto que trabalhe para aumentar ainda mais um risco potencial já muito alto, quase explosivo, que ameaça toda a segurança na região. 

Além do mais – e também preocupante – é que não se sabe quem, em Washington, tem a missão de pensar alguma política para o Paquistão. Minha avaliação é que, depois que Richard Holbrooke afastou-se, não há novo encarregado. Notícias preocupantes, nas últimas semanas, dizem que todos os antigos “especialistas em Paquistão” que havia no governo dos EUA já deixaram o governo Obama. Parece ter havido um grande êxodo de funcionários que conheciam e entendiam o funcionamento da sociedade paquistanesa – saíram praticamente todos, 100%. Com isso, a CIA encontrou campo livre para implantar, como bem entenda, as suas ‘políticas’.

O chefe da CIA, Leon Panetta (agora promovido a secretário de Defesa) é político experiente e ambicioso, que sabe como mexer os cordéis na selva de Washington – além do mais, tem nome italiano. Dificilmente perdoará e nunca esquecerá a humilhação que sofreu em Rawalpindi, na 6ª-feira (“Os EUA insuflam uma nova Guerra Fria”, 8/6/2011). 

A matéria publicada no New York Times sugere que, custe o que custar, Panetta acertará contas com a malta em Rawalpindi.

Marlon Brando, se consultado, concordaria.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.