Publicado em 22/06/2011 por Urariano Mota
A Wikipedia informa que o escritor nasceu em primeiro de julho de 1928, em São Bento do Una, interior de Pernambuco. No entanto, a Wikipédia, tão frágil e desatualizada, é incapaz de informar que Gilvan Lemos vai para 22 livros, e que um deles, Jutaí Menino, é citado mais de uma vez no dicionário Aurélio. Em nenhum lugar menos ainda se escreve que ele é um homem calmo, com um ar de frade que não perdeu a fé. Em quê, não vem ao caso nesta curtíssima apresentação.
Eu o encontrei numa sexta-feira à tarde, no lugar onde ele mora e vive. Me sentei na sala simples, do apartamento simples, em um sofá simples, à frente de um cinzeiro simples posto em cima de tudo quanto é simples. Gilvan é isso e assim, simplicidade em tudo que ele é e no que toca. Tamanho é, não digo seu despojamento, que é uma palavra feia para a sua pessoa, mas tamanha é a falta de pose, que com meia hora de conversa, a fumar (enquanto lhe falo como um novo evangélico, “por que você fuma? isso dá câncer”, e ele responde, “nada, a esta altura”, como se dissesse “eu já estou perdido mesmo”), pois com meia hora de conversa ele me conta que não estudou sequer o curso ginasial, o fundamental de hoje.
- Mas como, de onde vem esta sua cultura? Seu conhecimento literário de onde vem? Pergunto como um burro que sou, quando no meu natural.
- Minha mãe era uma leitora aguda da literatura russa. Minha irmã era outra, de uma inteligência superior. E eu li, li muito, ele me responde a sorrir manso.
Então eu fico sabendo que ele exerceu sobre a própria pessoa uma educação, num trabalho que no Brasil deu Machado de Assis e Millôr Fernandes, entre outros. Todos autodidatas, criadores, como Gilvan Lemos. Sobre isso, ele mesmo já escreveu:
“Desde criança a leitura tem sido o que existe de mais importante na minha vida. Primeiro me apaixonei pelos gibis. Me interessava também pelos livros infantis de Monteiro Lobato, que os mais velhos indicavam para que eu me instruísse, embora eu não os lesse com esse intuito, e sim por me divertir principalmente com as presepadas da Emília. Depois passei a ler romances. O primeiro que li, O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas, me conquistou definitivamente. A ficção continua a ser minha leitura predileta. Não sei como uma pessoa passa pela vida sem ler, sem se interessar pela literatura...
Em 1951, obtive um prêmio instituído pelo Estado para romances inéditos com meu livro de estréia, Noturno sem música, publicado cinco anos depois em edição particular. Que passou completamente despercebido pela crítica local. Isso me decepcionou sobremaneira... Doze anos mais tarde arrisquei-me a remeter um novo romance à Editora Civilização Brasileira, principal editora de literatura na época. O livro – Emissários do diabo – foi aceito e publicado em 1968. A partir daí, as portas do paraíso se abriram para mim, e meus primeiros romances foram publicados no Rio, em São Paulo e Porto Alegre (no tempo da famosa Editora Globo)”.
Sem saber das aspas acima, perguntei como foi sua relação com os escritores do Recife. Ele se refere a dois, somente a dois, Hermilo Borba Filho e Osman Lins , de quem foi amigo. “Mas como, numa cidade tão fértil de nomes reconhecidos nacionalmente, por que você não foi levantado por eles?”, no meu natural lhe pergunto. Ao que ele responde com histórias mais que saborosas de invejas e coisas mesquinhas na província, que justificariam teses sobre como é complexa a vaidade humana. Mas aqui, como nos jornais, o melhor não se publica. Gilvan Lemos não me autorizou a citar nomes, safadezas e pessoas. Paciência.
Olho para o relógio, noto que duas horas voaram rápido. Eu me disse, eu me prometi a mim mesmo que ficaria a conversar com ele apenas uma hora, porque havia agendado uma entrevista na Receita Federal, onde receberia um documento por haver atrasado o imposto de renda. Burro que fui. Cheguei atrasado na Receita e, para agravar o meu erro, saí devendo curiosidade pela pessoa de Gilvan Lemos. Ele me lembrou ao fim, na solidão em que vive, a minha despedida de Canhoto da Paraíba certo dia. Quando estava ficando escuro e começou a chover, aproveitei para me desculpar e sair:
- Eu vou antes que piore a chuva, Canhoto.
Ao que Canhoto me disse:
- Vá não. A chuva passa.
E fui, ainda assim. Eu não devia ter deixado Canhoto sozinho no terraço de sua casa naquele dia. Eu não devia ter deixado Gilvan Lemos em seu apartamento, com tanta coisa ainda pra gente conversar. Bem feito. Eu não acredito em Deus, mas sei que Deus castiga. Cheguei tarde e ganhei uma multa da Receita.
Enviado por Direto da Redação
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