Por Mouzar Benedito
Uma vez em Havana, em 1985, antes de Cuba ter que se submeter ao turismo internacional por ter sido abandonada pelos ex-parceiros do sistema soviético, um embaixador tupamaro — isso mesmo, naquela época o país não tinha relações diplomáticas ou comerciais com nenhum país latino-americano, com exceção do México, mas tinha embaixadores de movimentos de libertação — me convidou pra tomar um aperitivo em sua casa, com uns amigos.
No dia e horário marcados, final da tarde, chegamos lá, a Célia e eu. Os amigos de Pepe, o embaixador, eram três dirigentes nacionais do PC Cubano. Eu havia feito umas críticas a algumas coisas em Cuba e ele me pôs cara a cara com os dirigentes para discutir minhas críticas. Foi bom. Falei o que queria, eles não concordaram comigo, mas ouviram.
Uma das minhas principais críticas era que na época muitos jovens cubanos eram doidos para ter uma calça jeans da marca Lee, mas a dita cuja era produzida — teoricamente — nos Estados Unidos e não entravam legalmente em Cuba, a não ser como roupa dos poucos turistas que iam lá, na época.
O “teoricamente” que disse aí é porque havia muita falsificação. O Brasil tornou-se, desde anos antes, grande fabricante da tal calça, com etiqueta e tudo, com qualidade que não dava para diferenciar da original. Diziam na época que a calça Lee brasileira era até exportada para os Estados Unidos.
Fui abordado várias vezes por jovens cubanos querendo trocar alguma coisa deles por uma calça Lee. Quase não acreditavam que eu não tinha. Eu usava calça jeans também, mas de um brim mais fino e menos quente e duro, e também mais barata, pois não tinha a pretensão de ser importada.
Então, argumentei com os dirigentes comunistas: jovens que tinham aquela babaquice de querer aquela marca acabavam se sentindo contraventores, até meio contrários à Revolução, por causa de uma besteira dessas.
Eles falaram sobre as “divisas” (dólares) necessárias para comprar coisas de primeira necessidade e não podiam ser desperdiçadas com a importação de calças, ainda mais dos gringos — aliás, se topassem importar teria que ser por via indireta, já que não havia comércio entre Cuba e Estados Unidos.
— Pois fabriquem aqui — falei — O Brasil faz isso. Vocês têm algodão, têm uma indústria têxtil razoável, podem fabricar calças iguais àquelas e tascar etiquetas Lee. Agradam essa parte da juventude e ela fica mais contente com o governo cubano.
Como disse, não convenci ninguém. Mas a discussão continuou numa boa, regada a rum com sete anos de envelhecimento. No final, brinquei com os líderes cubanos:
— Havana poderia ser a melhor cidade do mundo, se vocês importassem cinquenta portugueses e cem baianos.
Eles não entenderam e expliquei que o modelo socialista criava uns botecos ruins, a não ser os dos hotéis:
— Pra tomar um rum e uma cerveja e comer um tira-gosto, a gente precisa ir a três bares, porque um só vende rum, outro só vende cerveja e outro vende os tira-gostos.
Era um exagero meu, mas tinha algumas áreas da cidade em que os bares funcionavam mais ou menos assim. Por exemplo: a Cervejaria Tcheca só vendia cerveja mesmo. Nada de um destilado pra acompanhar, nem tira-gosto. E ao lado tinha uma pizzaria que só vendia pizza mesmo, mais nada. Nem uma cervejinha.
E continuei explicando pra eles que o modelo mais eficiente de bares do mundo, no meu conceito, eram os botecos de esquina de São Paulo, com um português no caixa, um baiano (nordestino aqui é baiano) no balcão e outro na cozinha. Você pede qualquer comida e qualquer bebida que fica pronta em pouquíssimos minutos. Têm altíssima eficiência e os preços na época eram baixos.
— Já imaginou Havana com cinquenta botecos de esquina como esses paulistanos? — perguntei.
Eles apenas sorriram.
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Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996) e Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia).
Enviado por Urariano Mota
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