Publicado em 15/06/2011 por Urariano Mota
Eu havia prometido não escrever nada sobre a telenovela “Amor e Revolução” enquanto o poeta e ex-preso político Alípio Freire não me antecedesse. Isso porque ele foi um dos primeiros a perceber em que o folhetim do SBT ia dar. Mas não pude mais me conter, depois de ler isto na Folha de São Paulo:
“Silvio Santos reclama de ibope baixo e novela troca drama por humor
O dono do SBT, Silvio Santos, reclamou do baixo desempenho da novela ‘Amor e Revolução’ em reunião nesta terça-feira, no Complexo Anhanguera. Silvio fez a queixa diretamente ao autor da novela, Tiago Santiago, que se prontificou a efetuar várias mudanças.
A despeito da repercussão e polêmica que a novela desencadeou na internet, ‘Amor e Revolução’não passa de cinco pontos de média na Grande São Paulo. Cada ponto equivale a 58 mil domicílios assistindo à história, que se passa na ditadura militar.
Dentro de duas semanas a novela sofrerá uma guinada de 180 graus. Diálogos sobre política, personagens discursando para criar contextualização histórica, assuntos referentes a militares serão praticamente abolidos da história. Em seu lugar haverá mais cenas de humor, amor e outros relacionamentos.
Procurado pela reportagem nesta tarde, Santiago não quis comentar sobre a ‘bronca’ de Silvio Santos, mas confirmou que a novela terá algumas mudanças de rumo. ‘Nós de fato vimos várias pesquisas, e as pessoas à noite querem rir, se emocionar. Vamos acabar com o tema político mesmo’, admitiu Santiago, que acrescentou: ‘Nunca mais vou fazer novela sobre política’ ".
Comento rápido: talvez Sílvio Santos não tenha percebido, mas há muito “Amor e Revolução” faz humor involuntário. De militares que andam de farda na intimidade de suas casas, passando por presos torturados que metem bronca nos torturadores, sempre com uma língua fluente que nem toma conhecimento dos choques elétricos que levou, a novela tem mostrado na televisão uma ignorância de tempo, lugar e vidas de tal maneira, que até parece galhofa.
Escrever em folhetim de televisão sobre a história tem sido um fiasco, desde a minissérie JK na TV Globo. Se em JK os laços que prendiam Juscelino Kubitschek à realidade eram laços de fita, de chapéus, cenários e músicas de época, em “Amor e Revolução” a realidade são guerrilheiros e militares caricatos, que falam frases de cartilha, didáticas. Como as de um personagem que explicou num capítulo, por exemplo: “Dops. Dops é o nome com que é conhecido o Departamento de Ordem Política e Social. D-O-P-S: Dópis”...
Salvava a novela até então, como uma cereja em um bolo amargo, os depoimentos. Depois das palhaçadas grosseiras do Ratinho antes, depois de penar a ver cenas, diálogos que os circos da periferia fazem com melhor arte, vinham os depoimentos reais, verdadeiros, de militantes que sobreviveram à tortura. Até então, podia-se dizer: pulem a novela, vejam o depoimento. De fato, houve alguns deles que se aproximaram do sublime. Assim era. Mas a ressalva não durou muito.
Todo o prometido pela produção da telenovela, de que “para dar credibilidade à história e acontecimentos narrados na novela, seria exibido no fim de cada capítulo um depoimento de um guerrilheiro, artista, familia de desaparecidos que participou desse momento tão importante para a democracia no Brasil”, veio por água abaixo com os depoimentos de torturadores, de militares criminosos ainda sem julgamento no Brasil, mais adiante.
Dizer o que mais agora?
“O autor decidiu ainda que as personagens de Luciana Vendramini e Gisele Tigre (Marcela e Mariana) terminarão juntas --talvez com direito a casamento-- e que haverá mais cenas ‘lésbico-eróticas’ entre elas”, completa a notícia.
Aquela ilusão de que “Amor e Revolução” retomasse a história que não foi conhecida, porque ao povo seria dada a oportunidade de saber o drama e valor de uma geração violentada, cai por terra. Quem tiver dúvida, anote a última: nos bastidores do SBT, a novela ganhou o apelido de "Sessão Privê", ou de sexo na tevê. Quem leu os próximos capítulos fala que virão cenas fortes e apelativas. Ou seja, nem amor nem revolução, ao fim.
Em Pneumotórax, Manuel Bandeira escreveu que, para um tuberculoso no começo do século vinte, o melhor a fazer era tocar um tango argentino. Para nós, que acreditamos no poder da arte, em 2011 podemos concluir: o melhor a fazer é voltar à liberdade da literatura. Ela saberá dizer o que as telenovelas não podem, por limitação de gênero, veículo, ibope e grana.
Enviado por Direto da Redação
(comentário enviado por e-mail e postado por Castor)
ResponderExcluir“Gênero, veículo, ibope e grana” são essenciais, mas pouco dizem a um público a que foi transmitido manifesto desdém pela história, tolhida qualquer possibilidade de desenvolvimento de pensamento autônomo e injetadas doses muares do mais execrável reacionarismo.
Os apelos glandulares com cenas pseudo-eróticas, se válido comercialmente em função do nível mental criado por nossas tevês, atestam o quase total desfazimento de raciocínio cívico.
Faltam pão e graça no circo no espaço brasileiro, o que não parece tão grave, haja à vista a inexistência de mundividência crítica.
O tema é gravíssimo, brilhante Urariano.
Enquanto isso, a turma fica só a discutir a invenção da californiana Vista da Montanha: os CCs (Criativos Comuns)!... Confesso que, desde 1985 até hoje, não entendi para que foi criada a Pasta da Cultura, que deveria presidir a educação de todos e não o show grotesco que nos toca observar todos os dias em nossos “educandários” de múltiplas escolhas.
Abraços do
ArnaC
P.S.: cá de longe pude, surpreendido, constatar a quantidade enorme de reportagens e “ensaios” sobre a novela e seu tema: o Brasil durante o regime de exceção, fator de atraso mental que até hoje carregamos. Foi um mero pretexto à guisa de nada, mera encheção de linguiça.
Julgamentos, quase todos superficiais, narrativas inócuas e deformadas sobre período tão trágico, além de opiniões e críticas de baixo teor só valeram para ocupar os nosso cérebros, como aperitivos do seu caminho natural, aliás de onde saíram: as latas de lixo.
Ok, Há pastelão, vai haver mais a mando do patrão.
ResponderExcluirMas não se pode tirar o mérito da iniciativa do SBT e do idealizador e diretor.
A novela provocou um debate, reacendeu velhas cinzas. Isto é pouco? Não concordo. Se parasse hoje já teria entrado para a História. Aliás, acho que seria melhor do que se render às imposições do patrão.
Mas não vejo muita gente escrever com tanta gana sobre as baboseiras dos pastelões nocivos, cheio de preconceitos e interdiscursos capitaneados pela Globo.
Eu prefiro: valeu, Tiago. Foi bom enquanto durou.
Concordo com parte da crítica óbvia.
ResponderExcluirPorém e apesar dos pesares, continuo preferindo toda precariedade, didatismo e possíveis defeitos de Amor e Revolução (dos jovens dos anos de chumbo) do que a lixarada pirotécnica e nenhum conteúdo da hegemônica global, nascida em 64 e hoje é parte importante do PiG.
Parabéns ao SBT, ao Tiago Santiago e aos dois Diretores da novela, que fazem o que podem dentro da realidade dessa emissora.