Lawrence Davidson |
25/6/2011, Lawrence Davidson, Consortium News
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu
Em dezembro de 2009, o presidente Barack Obama envolveu os EUA numa “avançada” nos Afeganistão, e mandou mais 30 mil soldados, para lá permanecerem durante um ano e meio e cumprir metas “bem especificamente definidas”, dentre as quais “desmontar, desmantelar e derrotar a al-Qaeda e seus aliados extremistas”.
Dia 22 de junho de 2011, o presidente comunicou que essas metas teriam sido alcançadas e que “a maré da guerra está recuando”. Assim sendo, comunicou que retiraria de lá 33 mil soldados, de agora até o final de 2012.
Não por coincidência, pesquisa do Pew Center acaba de ser divulgada, informando que 56% dos norte-americanos estão cansados de ouvir falar de Guerra do Afeganistão. Claro. Mesmo com a anunciada retirada de 68 mil soldados norte-americanos permanecerão no Afeganistão, até, conforme o cronograma de Obama, o final de 2014, quando, então, a guerra do Afeganistão terá “um fim responsável”.
As respostas dos Republicanos ao anúncio de Obama variaram. Alguns Republicanos, como o candidato presidencial Mitt Romney, que certamente também leu a pesquisa que sem dúvida serviu de estímulo à decisão de Obama, andam dizendo que prefeririam retirada mais rápida.
Mas outros, como o Republicano Mike Rogers, presidente da Comissão de Inteligência da Câmara de Deputados, opõe-se ao cronograma de Obama. Dizem que Obama faz política com os soldados. Essas várias respostas significam que, aconteça o que acontecer, os Republicanos sempre poderão sair-se com “Nós bem que avisamos...”
Os comandantes militares norte-americanos no Afeganistão não estão satisfeitos com a retirada. Dizem que a retirada das tropas da “avançada” nesse momento compromete “a consolidação de conquistas frágeis” obtidas em Helmand e outras províncias nas quais os Talibã reúnem-se.
Há alguma verdade nessa opinião, mas o problema está em que essa opinião parte da ideia de que alguma “conquista” dos EUA no Afeganistão possa ser algum dia qualquer coisa além de “frágil”.
Por outro lado, os comandantes afegãos, como o general Mohammad Zahir Azimi do ministério da Defesa do Afeganistão, têm declarado que os exércitos afegãos “preencherão o vazio” deixado pela retirada dos norte-americanos. “Estamos preparados”, disse ele, e, nisso, é provavelmente tão simplório quanto os generais norte-americanos.
Tudo isso soa irreal para quem conheça a história moderna do Afeganistão. Essa história, adequadamente considerada, torna problemática toda a aventura dos EUA naquele país.
Em entrevista recente a Amy Goodman, em seu programa de televisão “Democracy Now!”, o professor Juan Cole, especialista em Oriente Médio, disse que “os políticos norte-americanos, em geral, nada sabem de história”. Lembrou que os britânicos, no século 19, tinham “dezenas de milhares de soldados” em regiões sensíveis do Afeganistão e nem assim conseguiram pacificá-las.
Depois, como se sabe, os russos também fracassaram em tentativa semelhante.
Quais as probabilidades, perguntou Cole, de uma força expedicionária norte-americana “relativamente temporária (...) e pequena alcançar algumas daquelas províncias e conseguir modelá-las pelos nossos critérios, para o longo prazo? Sempre penso que isso sempre seria bem pouco provável”. De fato. Sempre foi improvável e continua a ser improvável.
A seguir, alguns outros pontos a considerar:
– No que tenha a ver com a franquia da al-Qaeda que opera no Afeganistão, já deixou de ser fator de peso na guerra do Afeganistão, há muito tempo. Já em dezembro de 2009, quando o presidente Obama anunciou sua “avançada”, a inteligência dos EUA estimava em menos de 100 o número de agentes ativos da al-Qaeda no Afeganistão. Portanto, mesmo antes da morte de Osama bin Laden, a guerra do Afeganistão já tinha mais a ver com os “aliados extremistas da al-Qaeda”, do que, diretamente, com a al-Qaeda.
– E quem são esses “aliados extremistas”? Ora! Só podem ser os Talibã. Mas, como a própria expressão já sugere, “os Talibã” não são grupo unificado. São vários grupos.
Como Cole explicou a Amy Goodman, “o que os EUA chamam de “os Talibã” são quatro ou cinco diferentes grupos, e nem todos seguem o Mulá Omar”. Mulá Omar era quem mandava no Afeganistão em 2001, quando os EUA invadiram o país.
Desde o início, os líderes políticos norte-americanos tenderam a misturar tudo: “tudo” era al-Qaeda. Não há dúvidas de que, para o pessoal de Bush Filho, al-Qaeda e “os Talibã” comporiam um todo homogêneo.
Quando, depois do 11/9, o governo do Afeganistão respondeu ao pedido dos EUA para que entregasse bin Laden, com a exigência de que os EUA exibissem provas do envolvimento de bin Laden naqueles ataques, os Bushistas nem se deram ao trabalho de responder. O “pessoal lá” tinham, todos, uma mesma cara, para os Bushistas. E os Bushistas invadiram o Afeganistão.
– Hoje já não importa quem seja ou deixe de ser o Mulá Omar. Todos os diferentes grupos Talibãs são contra a intervenção dos EUA em seu país e todos fazem oposição ao presidente Hamid Karzai, aliado dos EUA. E todos sabem que, sem a presença lá de tropas de combate norte-americanas, os vários grupos que fazem oposição a Karzai terão melhores chances de derrubá-lo.
– Quanto a isso, o presidente Obama também sabe que, de hoje até 2014, os EUA não conseguirão “injetar” força ou popularidade no governo de Karzai, para que consiga sobreviver. Obama diz, simultaneamente, que a al-Qaeda está completamente derrotada; e que “nós não tentaremos fazer do Afeganistão um lugar perfeito. Não policiaremos as ruas nem patrulharemos para sempre as montanhas. Esse trabalho é responsabilidade do governo afegão”.
Essas duas afirmativas, justapostas, são manifestação de um ainda tênue esforço para separar coisas que os norte-americanos sempre supuseram que fossem uma e a mesma coisa. Obama está dizendo que é possível derrotar a al-Qaeda e, mesmo assim, perder o Afeganistão para facções Talibã. E está dizendo isso aos norte-americanos, porque isso é o que, muito provavelmente, acontecerá.
– Mas Obama está tentando extrair da retirada tudo que possa extrair, de “aproveitável”. Não há dúvidas de que não quer outra retirada como a do Vietnã. Está fazendo o possível para que os Democratas não sejam responsabilizados pela derrota.
Assim, seja no Iraque seja no Afeganistão, sua meta é chegar a “um fim responsável”. Depois disso, será erro dos nativos, se o Iraque acabar como governo aliado ao Irã e/ou voltar à guerras civis entre sunitas, xiitas e curdos.
E, depois de 2014, a culpa será de Karzai, se Kabul for entregue a algum tipo de governo “dos Talibã” e/ou recair numa guerra civil sectária entre os pashtuns e as demais várias minorias étnicas locais. Por tudo isso, “um fim responsável” significa, de fato, retirada em ordem, sem escândalo.
Mas o que implica um fim realmente responsável? Implica que deve levar também o presidente Obama e o Congresso a pensar detidamente sobre a política exterior dos EUA dos últimos 50 anos.
Se se dedicarem a pensar sobre isso, profundamente, objetivamente e responsavelmente, logo chegarão à conclusão óbvia de que – se os EUA são capazes de aprender alguma coisa do Vietnã, do Iraque e do Afeganistão – os EUA chegamos ao ponto em que chegamos por efeito das políticas ainda vigentes.
As políticas dos EUA, não alguma al-Qaeda, levaram os EUA para os desastres gigantes cujo “fim responsável” ainda não está garantido. É preciso pensar sobre aquelas políticas. E revogá-las.
Infortunadamente, não se vê absolutamente qualquer sinal de que os políticos norte-americanos estejam sequer próximos desse ponto da curva de aprendizagem. A precipitação, a leviandade com que o presidente Obama pulou na guerra contra a Líbia mostra que considera insistir nas políticas de guerra oportunistas de Bush Filho.
O espetáculo vergonhoso do Congresso adulando o primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu há algumas semanas, diz que o Congresso dos EUA está preso num erro profundo e perigoso.
O que se vê, dessa visão vesga, é que a política externa é a política interna em formato só superficialmente alterado. É retrato da política doméstica e de atitudes ideológicas sistêmicas.
Os EUA repetidamente disparam ladeira abaixo, porque somos empurrados pela retaguarda, não puxados pela vanguarda. É o mesmo que dizer que Obama talvez consiga arrancar-se sem completo vexame do Iraque e do Afeganistão; mas de modo algum haverá “fim responsável” para essas desastrosas aventuras ‘globais’.
Os lobbies domésticos que definem os ‘interesses’ internacionais dos EUA continuarão a impor os interesses deles.
O que será preciso para mudar fundamentalmente o modo como os EUA fazem as coisas?
Partidos políticos, burocracias, lobbies entrincheirados no poder e ideologia são pesos gigantescos, difíceis de mover. Movem-se pelo tempo e espaço ‘sempre avante’ (talvez a isso se chame ‘tradição’ ou ‘progresso’) e não mudam facilmente de direção.
De fato, é preciso que alguma poderosa força oblíqua se interponha ao “progresso”, ao “avanço”, para mudarem essas instituições e as porem em rota realmente nova. Não raras vezes, essa força oblíqua poderosa é violenta. Talvez os EUA ainda tenham de enfrentar alguma grave catástrofe.
Um país tão agarrado aos próprios vícios, tão cheio de hubris e de arrogância, que já há várias gerações sofre derrotas militares, que está praticamente falido, e nem assim considera alterar seu padrão de resposta ao que acontece no mundo. Surpresa, mesmo, é que ainda se mantenha (ou quase) de pé.
John Davies, poeta inglês do século 17, escreveu que o povo aprende pouco, mas esquece muito.
A maioria dos norte-americanos nada aprendeu sobre o mundo. Política externa é mistério para eles e alegremente delegam essa parte da vida nacional a políticos e lobbyistas que esquecem os próprios erros, no instante em que os cometem.
Ao ritmo em que vão, os EUA não acabarão numa explosão. Acabarão num gemido.
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