Osama Al Sharif |
26/1/2012, Osama Al
Sharif,
Arab News,
in STOP
NATO
Traduzido pelo
passoal da Vila
Vudu
A guerra da OTAN
no Afeganistão entrará para a história como enorme duplo fracasso: os políticos
não conseguiram pôr fim à guerra e os generais foram incapazes de vencer. Por
outro lado, comentaristas e historiadores anotarão que esse país atrasado e
tribal conseguiu, num período de 30 anos, expulsar o exército soviético e,
depois, expulsou também uma coalizão internacional de nada menos que 50 países
ocidentais liderada pelos Estados Unidos da América.
EUA e aliados
querem deixar o Afeganistão em 2014, mas o único cenário que se vê delinear-se
no horizonte é cenário de derrota, que os EUA já conhecem, do Vietnã. Mais de
dez anos depois de começarem a bombardear e depois de terem ocupado esse país
montanhoso no Sul da Ásia, em retaliação por causa dos ataques da al-Qaeda em
Washington e New York, os EUA já perderam de vista o objetivo dessa guerra e já
não há saída honrosa.
Especialista em
Afeganistão, o jornalista Michael Hastings diz em seu novo livro The Operators: The Wild and Terrifying
Inside Story of America’s War in Afghanistan
[Os operadores: a selvagem e assustadora história secreta da guerra
dos EUA no Afeganistão] que o general Stanley McChrystal, encarregado das
operações militares entre 2009 e 2010, só muito raramente mencionava a al-Qaeda
nas audiências em que prestava contas ao Congresso dos EUA. Tampouco o general
David Petraeus, que assumiu depois de McChrystal, mencionava a al-Qaeda nas
reuniões com os principais assessores. Hastings lembra que o general James
Jones, ex conselheiro de Segurança Nacional estimou em menos de 100 o número de
combatentes da al-Qaeda que permaneciam no Afeganistão.
Depois de destruir
o refúgio de Osama bin Laden nas montanha do Afeganistão e de ter forçado toda a
liderança dos Talibã a fugir, poucos dias depois da invasão, os EUA passaram a
dedicar-se exclusivamente a fortalecer o governo de seu aliado, o presidente
Hamid Karzai, e a combater a guerrilha Talibã: fracassaram nos dois
objetivos.
A guerrilha Talibã
persiste, como grande desafio às forças da OTAN. Em termos militares, a mais
moderna máquina de guerra convencional não conseguiu derrotar a guerra de
guerrilhas. A população, o terreno, a cultura ergueram-se contra o invasor e o
ocupante. O governo de Karzai sempre foi corrupto e impopular. A tradição tribal
e a cultura afegãs frustraram todos os esforços dos EUA para seduzir corações e
mentes no Afeganistão. Os aviões-robôs armados e o “fogo amigo” mataram mais
civis que combatentes. Os Talibã usaram com inteligência a vantagem tática que o
terreno lhes assegurava no sul e sudoeste. Infiltraram-se em todas as fileiras
do adversário e conseguiram atacar várias vezes dentro de
Kabul.
Semana passada, um
soldado afegão disparou sua metralhadora contra quatro soldados franceses na
própria base militar onde todos viviam: vingava os Talibã mortos cujos cadáveres
haviam sido violados por
Marines norte-americanos,
menos de duas semanas antes, imagens que todo o mundo viu. Ainda há 3.600
soldados franceses no Afeganistão, de um total de 130 mil soldados estrangeiros
que permanecem lá.
Não foi o primeiro
incidente desse tipo e não será o último. A França já suspendeu o treinamento de
soldados afegãos e examina a possibilidade de retirar todos os seus soldados
antes do prazo limite de 2014. Em ano eleitoral, nem Sarkozy nem Obama querem
ver suas respectivas candidaturas aliadas à imagem dos caixões de soldados
devolvidos mortos do Afeganistão à terra natal. Até o fim do ano passado,
morreram no Afeganistão 2.765 soldados da coalizão.
Sem terem
conseguido derrotar os Talibã, que se distribuem também pelo lado paquistanês da
fronteira, os EUA seguem agora o conselho de Karzai, e tentam negociar com os
guerrilheiros. Semana passada, soube-se que negociadores norte-americanos
encontraram-se secretamente com um representante de Gulbuddin Hekmatyar,
senhor-da-guerra afegão e comandante do grupo Hizb-i-Islami, que combate contra
as forças norte-americanas principalmente nas regiões leste e norte do
Afeganistão.
Foi mais um passo
na direção de ampliar as conversações, para que os EUA consigam chegar aos
Talibã. Todas as tentativas anteriores de excluir das conversações os Talibã
fracassaram. Oficialmente, os EUA não aceitam conversar com Mullah Omar, líder
Talibã foragido, que se acredita que viva no Paquistão. Mas, sim, os EUA estão
em conversações com representantes dele e com líderes tribais pashtuns – pelo
menos, com certeza, através do governo de Karzai.
A que resultados
essas conversações podem levar? Os Talibã exigem completa retirada das forças da
OTAN; os EUA tentam algum acordo que inclua os Talibã num próximo governo
afegão. A distância entre os dois lados da mesa é imensa. Washington já perdeu,
inclusive, um dos seus maiores aliados, o Paquistão. A confiança entre EUA e
Paquistão desceu ao ponto mais baixo da história, depois que os EUA promoveram
uma operação clandestina para assassinar Osama bin Laden em território do
Paquistão, sem informar seus aliados em Islamabad.
Há dois meses, a
aviação norte-americana bombardeou dois postos militares de fronteira, matando
mais de 20 soldados paquistaneses. Washington pediu desculpas formais, mas não
antes de o Paquistão ter suspendido toda a colaboração com os
EUA.
Segundo Hastings,
também já não há confiança entre Karzai e Obama. O general McChrystal é
conhecido no Afeganistão por zombar de Karzai (referia-se ao presidente afegão
como “o do chapéu ridículo”). E Hastings diz que ouviu oficiais norte-americanos
dizerem que Karzai seria maníaco depressivo e viciado em
drogas.
É possível que, em
algum ponto, Washington tenha querido reconstruir o Afeganistão e orientar o
país em direção à democracia. Mas os esforços de reconstrução fracassaram, por
repetidos fracassos no campo militar e pela corrupção generalizada. Até que os
EUA foram obrigados a negociar com senhores-da-guerra, proprietários de vastos
campos de cultivo de papoula e traficantes de ópio, tentando obter o favor deles
e isolar os Talibã.
Os Talibã mantêm a
guerra de atrito, ao mesmo tempo em que sugerem que aceitam negociações de paz
com Karzai e os EUA. Ganham tempo, porque sabem que o tempo corre a favor deles.
2014 está ainda longe, para os EUA e seus aliados. Ao final, os invasores
deixarão o país entregue ao próprio destino, como já fizeram no Iraque. Para os
afegãos, o dia em que virem pelas costas os soldados da OTAN não indicará o fim
da guerra, mas, apenas, que a guerra muda de curso.
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