por
Michael Hudson
Não era previsível que os bancos
fossem assim. Qual será o seu futuro – e qual deverá ser o papel financeiro dos
governos?
A relação, inerentemente
simbiótica, entre bancos e governos foi recentemente subvertida. Na época
medieval, os banqueiros ricos emprestavam aos reis e aos príncipes, que eram os
seus maiores clientes. Mas agora são os bancos que estão necessitados e
dependentes dos governos para se aprovisionarem, como durante os resgates
pós-2008, que os salvaram de uma falência causada pelos seus maus empréstimos ao
setor privado e pelos jogos especulativos. Ainda assim, os bancos continuam a
intimidar os governos – não por terem dinheiro em caixa, mas sob a ameaça de uma
falência que arrastaria consigo toda a economia, caso não lhes seja dado um
controle completo da política fiscal, dos gastos e do planejamento econômico
público.
Este processo está mais avançado
nos Estados Unidos. Joseph Stiglitz caracteriza a enorme transferência (levada a
cabo pela administração Obama) de dinheiro e dívida pública para os bancos como
uma “privatização dos ganhos e uma socialização das perdas. É uma parceria na
qual um dos parceiros rouba o outro”. [1]
O Prof. Bill Black defende que os
bancos se estão a tornar realidades de tipo criminal e a inovar no campo das
fraudes ao controle. [2]
A alta finança corrompeu as
agências de regulação, falsificou a contabilidade através de truques de “mark to model” (contabilidade com base
em modelos financeiros, e não no preço de mercado) e financiou as campanhas dos
seus apoiadores para desativar a fiscalização pública. O resultado foi deixar os
bancos controlarem a forma como a economia distribui seus créditos e seus
recursos.
Se algo há de positivo na atual
crise da dívida, é que ela torna impossível a manutenção da presente situação e
das suas tendências. Portanto, ela não é apenas uma oportunidade para
reestruturar o setor bancário; tal reestruturação não é uma escolha, mas uma
necessidade. A questão premente é a de saber quem controlará a economia: os
governos ou o setor financeiro e os monopólios aos quais se aliaram?
Felizmente não será necessário
reinventar a roda. Há mais de um século que o perfil de um sistema bancário
industrial produtivo é bem conhecido. Mas os recentes lobbies bancários obtiveram um enorme
sucesso em desviar as atenções das análises clássicas acerca de como construir
um sistema fiscal e financeiro capaz de promover o crescimento econômico –
através de controle público aos privilégios dos bancos.
Como os bancos
romperam o contrato social ao promoverem os seus interesses particulares
Outrora, as atividades dos bancos
eram conhecidas de todos. Os bancos recebiam depósitos e emprestavam-nos,
pagando menos ao depositantes do que cobravam em juros por empréstimos de risco
ou com pouca liquidez. O risco era suportado pelos banqueiros, e não pelos
depositantes, nem pelo governo. Hoje em dia, trata-se cada vez mais de emprestar
quantias irresponsáveis a especuladores que as usam para atividades comercias de
curto prazo. As crises financeiras aprofundaram-se e começaram a afetar camadas
mais amplas da população à medida que a pirâmide da dívida disparou e que a
qualidade do crédito se afundou até à categoria tóxica do “empréstimo
trapaceiro”.
O primeiro passo no sentido da
atual dependência mútua entre a alta finança e os governos foi dado quando os
bancos centrais começaram a funcionar como último recurso de crédito, de forma a
mitigar as crises de liquidez que resultavam dos privilégios detidos pelos
bancos em termos de criação de crédito. A seu tempo, os governos começaram
também a assegurar os depósitos, por reconhecerem, no contexto de um crescente
ímpeto da Revolução Industrial, a importância de mobilizar e transformar as
poupanças em investimento de capital. Em troca deste apoio, os governos
regularam os bancos como um serviço público.
Com o passar do tempo, os bancos
procuraram sempre anular esta vigilância reguladora, ao ponto de descriminalizar
a fraude. Patrocinando um ataque ideológico aos governos, acusaram as
burocracias públicas de “distorcer” os mercados livres (entenda-se, mercados
livres de comportamentos predatórios). Neste momento, o setor financeiro procura
controlar o planejamento econômico.
O problema é que o tempo
financeiro está estruturado a curto prazo e é frequentemente autodestrutivo. Na
medida em que o produto do sistema bancário é dívida, o plano empresarial por
ele orientado tende a ser predatório, com grandes custos para as economias. É
por isso que são necessários pesos e contrapesos, bem como vigilância
regulatória, para garantir a justeza dos negócios.
O desmantelamento das tentativas
públicas de orientar os bancos no sentido da promoção do crescimento econômico
(e não apenas no sentido de enriquecer os banqueiros) permitiu que se transformassem-se em algo que ninguém previa.
Os seus maiores clientes são outras instituições financeiras, seguradoras e
imobiliárias – e não empresas industriais. A alavancagem da dívida por parte do
setor imobiliário e dos monopólios, de especuladores de arbitragem cambial,
hedge funds e corporate raiders inflaciona os preços dos ativos de
crédito. O resultado desta criação de “riqueza contabilística” é a sobrecarga da
economia real (produção e consumo) com dívida e impostos relacionados,
aumentando o custo de vida e os custos empresariais numa proporção superior à
diminuição dos custos de produção conseguidos pelo aumento da produtividade.
Desde 2008, os resgates públicos
têm eliminado os maus empréstimos da contabilidade dos bancos, com elevadíssimos
custos para os contribuintes – cerca de 13 trilhões de dólares nos Estados
Unidos, e ainda mais, proporcionalmente, na Irlanda e nas economias que estão
agora sujeitas à austeridade para pagar a desregulação do “mercado livre”. Os
banqueiros têm a economia refém, ameaçando com um crash monetário caso deixem de ter
injeções de liquidez, empréstimos dos bancos centrais quase a custo zero,
hipotecas ou outras garantias necessárias aos seus jogos de cassino. A política
que daí resulta torna os governos demasiado fracos para retrucar.
O processo que começou com o apoio
por parte dos bancos centrais tornou-se assim numa estrutura de amplas garantias
governamentais contra a insolvência dos bancos. Os maiores bancos concederam
tantos empréstimos irresponsáveis que estão neste momento completamente
dependentes dos estados. No entanto, tornaram-se suficientemente poderosos para
fazerem o poder legislativo agir apenas em seu benefício. A imprensa e mesmo
alguns teóricos economistas foram mobilizados para se apresentarem como
especialistas, numa tentativa de convencer a opinião pública de que a política
financeira deve ser deixada nas mãos de burocratas – escolhidos pelos bancos,
como se nenhuma política alternativa restasse aos governos senão subsidiar
almoços grátis financeiros e coroar os banqueiros como monarcas da sociedade.
A Economia da Bolha e a sua
consequente austeridade não teriam existido sem o sucesso obtido pelo setor
financeiro no enfraquecimento da regulação pública e no aprisionamento dos
tesouros nacionais, sucesso que se estende ao ponto de tornar inoperante a
aplicação da lei. Os governos devem render-se a esta tomada do poder? Se não o
fizerem, quem deverá suportar o peso das perdas acumuladas por um sistema
financeiro que se tornou disfuncional? Se os contribuintes tiverem de pagar, a
economia tornar-se-á dispendiosa e perderá competitividade – e a oligarquia
financeira reinará.
O atual dilema da
dívida
Dantes, o fim do jogo consistia em
cancelar parcialmente (write down) as dívidas incobráveis. Isto
significava perdas para os bancos e para os investidores. Mas hoje em dia, o
montante da dívida geral está estabilizado – através da transferência das
dívidas incobráveis da contabilidade dos bancos para uma dívida pública, que os
contribuintes têm de pagar para salvar os bancos e os seus credores das perdas.
Os governos dão aos bancos obrigações acabadas de cunhar ou crédito nos bancos
centrais em troca de hipotecas tóxicas e apostas falhadas – tudo isto sem
qualquer reestruturação do sistema financeiro no sentido de criar uma economia
mais estável e menos conduzida pela dívida. A premissa é que estes resgates
permitirão aos bancos voltar a emprestar o suficiente para permitir à economia
voltar a crescer e pagar as suas dívidas.
Adivinhando o futuro, os
banqueiros estão ficando com o máximo de dinheiro dos planos de resgate e a
usá-lo para comprar rapidamente a maior quantidade de propriedades tangíveis e
direitos de propriedade que podem, enquanto os seus lobistas mantêm abertas as
torneiras dos subsídios públicos.
A ideia é de que as economias
estranguladas pela dívida podem retomar o seu crescimento normal pedindo
emprestado o suficiente para saírem da dívida. Mas um quarto do patrimônio
imobiliário norte-americano é já capital líquido negativo – ou seja, vale menos
que as hipotecas que lhe estão associadas – e o mercado das propriedades
continua a encolher, e por isso os bancos não emprestam a menos que tenham
garantias da Administração Federal que lhes garantam a cobertura de qualquer
perda que possam sofrer. De qualquer forma, é já matematicamente impossível
suportar o montante geral da dívida atual sem impor medidas de austeridade,
conduzindo à deflação e à depressão.
Não era assim que se esperava que
os bancos evoluíssem. Se os governos têm de garantir os empréstimos bancários,
então também podem emprestar diretamente – e receber os juros.
Efetivamente, desde 2008 que o crash da economia superendividada levou
os governos a se tornarem os maiores acionistas dos maiores e mais ameaçados
bancos – Citybank nos Estados Unidos,
o Banco da Irlanda e o Royal Bank of
Scotland na Grã-Bretanha. E ainda assim, em vez de aproveitar a oportunidade
para gerir estes bancos como serviços públicos e diminuir as taxas sobre os
serviços dos cartões de crédito – e, sobretudo, parar de emprestar a
especuladores – os governos deixam estes bancos ser parte de um “capitalismo de
casino” que se tornou o seu plano empresarial.
Não há nenhuma razão natural para
que as coisas sejam assim. As relações entre os bancos e os governos costumavam
funcionar ao contrário. Em 1303, o rei Filipe IV de França (“O Justo”) deu o
tom, ao confiscar os bens dos Templários, prendendo-os e matando muitos deles –
não por crimes financeiros, mas acusando-os de adorar o diabo e de práticas
sexuais satânicas. Em 1344, o banco Peruzzi faliu, seguido pelo Bardi, por fazer
empréstimos sem garantias a Eduardo III de Inglaterra e a outros monarcas que
morreram ou não pagaram. Muitos bancos desde aí tiveram que suportar perdas
originadas por empréstimos imobiliários ou especulativos que nunca foram pagos.
De forma oposta, os atuais
governos dos EUA, da Grã-Bretanha e da Letônia transferem as perdas dos bancos
para os seus orçamentos nacionais, impondo uma pesada carga aos seus
contribuintes – enquanto deixam os banqueiros ficar com a riqueza. Esta troca de
“dinheiro por lixo” transformou a crise das hipotecas e o colapso geral da
dívida num problema fiscal. Ao transferir as novas dívidas públicas de resgate
para a economia não-financeira, arriscamo-nos a aumentar o custo de vida e os
custos empresariais.
Este é o resultado da incapacidade
da economia distinguir dívidas e empréstimos produtivos e improdutivos. Isto
ajuda também a explicar porque é que as nações sofrem hoje em dia com a
austeridade e a servidão da dívida, em vez de desfrutarem do aprazível
crescimento econômico que os otimistas tecnológicos lhes prometiam há um século.
Voltamos assim ao problema
inicial: qual deve ser o papel dos bancos? Esta questão foi exaustivamente
discutida nos anos que antecederam a 1ª Guerra Mundial. Hoje em dia, reveste-se
de uma ainda maior urgência.
Como os
economistas clássicos procuraram modernizar os bancos para torná-los agentes do
capitalismo industrial
A Grã-Bretanha foi o berço da
Revolução Industrial, mas raros foram os empréstimos financeiros a longo prazo a
serem investidos em fábricas ou outros meios de produção. Os bancos comerciais
ingleses e holandeses tendiam a emprestar a curto-prazo e com base em
contrapartidas, tais como mercadorias ou contratos de vendas de mercadorias
(“recebíveis”). Estes financiamentos comerciais obtiveram um sucesso suficiente
para permitir aos banqueiros manter as antigas práticas de financiamento a curto
prazo durante a época da Revolução Industrial. Isto significa que James Watt e
os outros inventores não tiveram outra alternativa senão angariar fundos de
investimento junto da sua família e amigos, na impossibilidade de pedi-los
emprestados aos bancos.
Foram os franceses e os alemães
que levaram a banca para a fase industrial, de modo a permitir às suas nações
igualarem o desenvolvimento das potências industriais. Em França, os saint-simonianos sublinhavam a
necessidade de criar um sistema de crédito industrial destinado a financiar
meios de produção. Com efeito, eles propuseram uma reestruturação dos bancos
segundo princípios próximos dos do mutualismo. Esta reestruturação teve início
com o Crédit Mobilier, fundado em
1852 pelos irmãos Péreire. O seu objetivo era fazer o banco passar do
financiamento de dívida contra juros a empréstimos equitativos pelos quais
receberia dividendos, dividendos esses que poderiam crescer ou diminuir de
acordo com o sucesso do negócio do devedor. Dando margem aos empresários para
diminuir os dividendos quando as vendas e os lucros diminuírem, os acordos de
partilha de lucros evitavam o problema dos juros a serem pagos aconteça o que
acontecer.
Se um pagamento de juros falha, o
devedor pode ser forçado a declarar falência e os credores podem executar a
dívida. Foi para evitar este benefício sistemático dos credores, independente da
capacidade do devedor pagar a sua dívida, que Mohammed proibiu a usura na lei
islâmica.
Atraindo para a sua causa
reformadores de vários campos político-sociais, desde socialistas a banqueiros
de investimento, os saint-simonianos
conseguiram o apoio do governo durante o 2º Império francês. A sua abordagem
inspirou tanto Marx como os industrialistas alemães e os protecionistas
americanos e ingleses. O denominador comum a este vasto leque era o
reconhecimento da necessidade de um sistema bancário eficiente para financiar a
indústria da qual dependiam o estado e o poder militar.
A Alemanha
desenvolve um sistema bancário industrial
Foi na Alemanha que o
financiamento a longo prazo encontrou a sua máxima expressão, com o Reichsbank e os outros bancos
industriais, que formavam, juntamente com a indústria e o governo, a “santa
trindade” do “socialismo de estado” de Bismarck. Os bancos alemães fizeram o que
tinham de fazer de forma extremamente virtuosa. Enquanto os bancos britânicos
“extraiam a maior parte dos seus fundos dos depósitos”, e os dirigiam para o
financiamento comercial, o que obrigava as empresas domésticas a financiar os
novos investimentos com os seus próprios ganhos, na Alemanha “a falta de capital
forçou a indústria a recorrer aos bancos”, como nota o historiador George
Edwards. “Uma parte considerável dos fundos da banca alemã veio não dos
depósitos dos seus clientes, mas de capital subscrito pelos proprietários”.
[3] Consequentemente, os bancos alemães “privilegiaram operações de
investimento e foram criados não tanto para receber depósitos e garantir
empréstimos, mas, sobretudo, para suprir as necessidades de financiamento da
indústria”.
Quando eclodiu a Grande Guerra, em
1914, as rápidas vitórias alemãs foram vistas como reflexo da superioridade do
seu sistema financeiro. Para alguns observadores, a guerra era essencialmente um
conflito entre diferentes formas de organização financeira. O seu resultado
definiria não apenas quem iria governar a Europa, mas também o tipo de economia
(mais estatal-socialista ou mais laissez faire ) que predominaria no
continente.
Em 1915, pouco depois do início
das hostilidades, o padre e político socialista cristão Friedrich Naumann
publicou Mitteleuropa, uma obra onde descreve a forma como a Alemanha
tinha compreendido melhor que nenhuma outra nação que a tecnologia industrial
necessitava de financiamento a longo prazo e de apoio governamental. O seu livro
inspirou em Inglaterra o Prof. H. S. Foxwell, que expôs os seus argumentos em
dois ensaios notáveis publicados no Economic Journal em Setembro e
Dezembro de 1917: “A Natureza da Luta Industrial” e “O Financiamento da
Indústria e do Comércio”. Ele apoiava a alegação de Naumman segundo a qual “o
antigo capitalismo individualista, segundo ele, de tipo inglês, está cedendo
face a uma nova forma, de grupo, mais impessoal: o capitalismo disciplinado e
científico, que ele reclama como sendo um produto alemão”. Tal empreendimento
era necessariamente um feito de grupo, conseguido pela integração tripartida do
sistema bancário, da indústria e do governo, com a finança como “indubitável
causa principal do sucesso da empresa alemã moderna”, conclui Foxwell. (p.514).
Os funcionários dos bancos alemães incluíam especialistas industriais que
estavam transformando a política industrial em ciência. E, na América, The
Engineers and the Price System (1921) de Thorstein Veblen, foi a voz da nova
filosofia industrial, pedindo aos bancos e aos governos que se tornassem os
engenheiros dos mercados de crédito.
Foxwell alertava para o fato de a
indústria pesada britânica estar se tornando obsoleta devido, sobretudo, à
incapacidade dos seus banqueiros compreenderem a necessidade de promover o
investimento e de aumentar o crédito a longo prazo. Eles baseavam as suas
decisões de empréstimo, não na nova produção e no lucro que tal empréstimo
poderia vir a criar, mas simplesmente nas contrapartidas que poderiam executar
em caso de não pagamento: inventários de bens não comercializados, propriedade
imobiliária e dinheiro a receber de clientes. E em vez de investirem nas ações
das empresas que os seus empréstimos supostamente ajudariam a construir,
distribuíam a maioria dos seus ganhos sob a forma de dividendos – e incentivavam
os seus clientes a fazer o mesmo. Esta visão de curto prazo forçou as empresas a
se concentrarem na manutenção da liquidez, retirando-lhes margem de manobra para
desenvolver uma estratégia de longo prazo.
Em contraste, os bancos alemães
distribuíam (e esperavam receber dos seus clientes) dividendos a uma taxa 50%
inferior à dos bancos britânicos, preferindo reter os seus lucros como reserva
de capital ou investi-los nas ações dos seus clientes industriais. Olhando para
estas empresas como aliadas e não como meros clientes, dos quais se procura
extrair o máximo de lucro no mínimo período de tempo possível. Os responsáveis
pelos bancos alemães tinham assento nos seus conselhos de administração e
ajudavam-nas a expandir os seus negócios, emprestando dinheiro a governos
estrangeiros sob condição de os seus clientes serem preferidos quando da
adjudicação de grandes investimentos públicos. Vendo que as leis da História
beneficiavam o planejamento nacional do financiamento da indústria pesada, a
Alemanha deu aos seus banqueiros voz diplomática, fazendo deles “o principal
instrumento da expansão do seu comércio exterior e do seu poder político”.
Um contraste semelhante é visível
no mercado de ações. Os corretores britânicos estavam tão mal preparados para as
tarefas de financiamento da manufatura como os seus bancos.
O país tinha liderado desde cedo
neste campo, graças à criação de Companhias da Coroa, como a Companhia das
Índias Orientais, o Banco de Inglaterra e mesmo a Companhia dos Mares do Sul.
Apesar do colapso da Bolha dos Mares do Sul, em 1720, a constante valorização das
ações destes monopólios de capital livre entre 1715 e 1720 popularizou a Bolsa
de Londres como local de investimento aos olhos, não apenas dos investidores
britânicos, mas também dos Holandeses e de outros estrangeiros. No entanto, o
mercado era dominado pelas ferrovias, canais e outras grandes infraestruturas
públicas. As empresas industriais não eram grandes emissoras de ações.
De qualquer forma, após ganharem a
sua comissão sobre uma determinada emissão de ações, os corretores britânicos
eram conhecidos por passarem a outra, sem se preocuparem demasiado com o futuro
dos investidores que tinham comprado os primeiros títulos. “Assim que conseguiu
conspirar para que a sua emissão fosse cotada a uma taxa superior, permitindo
aos seus subscritores retirarem os seus lucros”, queixa-se Foxwell, “dá a sua
tarefa por terminada. “Para ele”, como diz o Times, uma flutuação bem
conseguida é mais importante que um empreendimento economicamente sólido".
Algo de muito semelhante acontecia
nos Estados Unidos. Os seus ídolos comerciais eram negociantes individualistas e
bem informados politicamente, que agiam frequentemente no limite da lei e
forjaram as suas fortunas através de manipulações da bolsa de valores, de
manobras políticas tendentes a obter terrenos de ferrovias, de companhias de
seguros, minas e extração de recursos naturais.
O espírito americano da busca do
bem-estar é personificado pelo método de invenção por tentativa e erro de Thomas
Edison, quando conjugado com o elevado grau de contencioso envolvido na obtenção
das suas patentes e direitos de monopólio.
Em suma, os bancos e bolsas de
valores britânicos e americanos não fizeram planos para o futuro. Tinham uma
visão de curto prazo e preferiram projetos implicando uma elevada extração de
recursos à inovação industrial.
A maioria dos bancos preferiu
emprestar ao setor imobiliário, às ferrovias e às obras públicas, cujos fluxos
de rendimento podiam ser previstos com mais certeza. As empresas industriais
tiveram de esperar até que se tornassem suficientemente grandes para puderem
obter créditos bancários ou invesimentos de Bolsa significativos.
O que é incrível é que tenha sido
precisamente este modelo de sistema bancário e alta finança que triunfou pouco a
pouco por todo o mundo. A explicação é antes de mais a vitória militar dos
Estados Unidos, da Grã-Bretanha e dos seus Aliados na 1ª Grande Guerra e, uma
geração mais tarde, na 2ª Guerra Mundial.
O regresso às
dívidas pesadas e improdutivas do pós-1ª Guerra Mundial
O desenvolvimento do crédito
industrial levou os economistas a distinguir entre empréstimos produtivos e
improdutivos. Um empréstimo produtivo fornece, aos que dele beneficiam, os
recursos para investir com um lucro suficiente ao pagamento do empréstimo e do
juro associado. Um empréstimo improdutivo tem de ser pago com um rendimento
ganho de outra forma. Por exemplo, os governos têm de pagar os empréstimos de
guerra com o rendimento dos impostos. Os consumidores têm de pagar os seus
empréstimos com o seu salário – ou vendendo ativos. Estes pagamentos de dívida
desviam o rendimento do consumo e do investimento, e levam a uma contração da
economia, que tradicionalmente leva a crises que anulam as dívidas, e antes de
mais as improdutivas.
No seguimento da 1ª Guerra
Mundial, tanto as economias das nações europeias vitoriosas como as das
vencidas, eram dominadas por dívidas de guerra. Estas dívidas
intergovernamentais dirigiam-se ao pagamento de armas (é o caso dos Aliados, a
quem os Estados Unidos exigiram inesperadamente pagamento pelas armas compradas
antes de os EUA entrarem na guerra) ou a compensar destruição de propriedade
(caso dos países da Tríplice Aliança), mas não gerando novos meios de produção.
O fato de serem intergovernamentais tornava estas dívidas ainda mais
problemáticas que as dívidas contraídas junto dos bancos ou obrigacionistas.
Apesar da soberania dos governos lhes garantir o direito de anular as dívidas a
credores privados, os países derrotados não estavam em posição de tomar tal
atitude.
E, no que toca aos Aliados, a
Grã-Bretanha liderou a capitulação face à tentativa americana de cobrar pelas
armas vendidas, prisioneira da ideia de que “uma dívida é uma dívida” e deve ser
paga independentemente do que isso implicar na prática ou sequer do fato de
poder ou não ser efetivamente paga. Face à exigência americana de pagamento, os
Aliados viraram-se para a Alemanha.
Depois de se apoderarem dos seus
ativos líquidos e da maioria dos seus recursos naturais, insistiram para que
obtivesse os pagamentos através de impostos. Nenhuma tentativa foi feita no
sentido de calcular de que forma poderia a Alemanha fazê-lo – e, sobretudo, como
poderia converter o seu rendimento doméstico (o “problema orçamentário”) em ouro
ou moeda forte. Apesar do sistema bancário estar familiarizado com créditos
internacionais e transferências de moeda desde o século XII, houve uma negação
generalizada daquilo que John Maynard Keynes identificou como um problema de
transferência de divisas.
Nunca antes tinham existido
dívidas de tal magnitude. Porém, todos os partidos políticos e agências
governamentais da Alemanha procuram encontrar formas de tributar a economia para
angariar as somas exigidas. Porém, os impostos são pagos na moeda nacional. A
única forma de pagar aos aliados era que o Reichsbank pegasse no rendimento fiscal
e o colocasse nos mercados de divisas, de forma a obter as libras e as outras
moedas necessárias ao pagamento, dinheiro esse que a Grã-Bretanha, a França e os
outros credores usariam posteriormente para pagar a sua dívida ao seu aliado
americano.
Adam Smith sublinhou que nunca
nenhum governo pagou a sua dívida pública. Mas os credores sempre foram
relutantes em admitir a incapacidade do devedor pagar. Desde que David Ricardo
os defendeu nos Debates Britânicos sobre o Ouro, que os credores encontraram
formas de promover um ângulo morto ideológico, segundo o qual toda e qualquer
dívida pode ser paga, independentemente da sua magnitude. Eles recusam-se a
aceitar a distinção entre angariar fundos internos (através de um superávit
orçamentário) e obter as divisas estrangeiras necessárias ao pagamento da dívida
externa. Além disso, e ignorando o fato evidente de os cortes no consumo e no
investimento, causados pelas políticas de austeridade, serem apenas extrativos,
os economistas que defendem os credores recusam-se a reconhecer que as dívidas
não podem ser pagas através de uma contração da economia [4] . Ou que
dívidas externas e outros pagamentos internacionais não podem ser feitos em
moeda interna sem que a taxa de câmbio desça.
Quanto mais moeda a Alemanha
tentava converter, mais a sua taxa de câmbio descia face ao dólar e às outras
moedas de padrão-ouro. Isto levou os alemães a pagar muito mais pelas suas
importações. Foi o colapso da taxa de câmbio que causou o aumento espetacular da
inflação, e não um acréscimo da quantidade de divisas domésticas, como hoje
defendem os economistas monetaristas, patrocinados pelos credores. Keynes chamou
a atenção, em vão, para a estrutura específica da balança de pagamentos alemã,
apelou aos credores para especificar qual a parcela das suas exportações que
estavam dispostos a aceitar e para explicar de que forma as divisas domésticas
poderiam ser convertidas no mercado, sem provocar colapso da taxa de câmbio e
causar inflação.
Tragicamente, a visão limitada de
Ricardo ganhou o favor dos governos Aliados. Bertil Ohlin e Jacques Rueff
afirmaram que as economias que estavam recebendo pagamentos alemães iriam fazer
refluir o dinheiro para a Alemanha e para os outros países devedores ao
comprarem as suas exportações. Se os ajustamentos de rendimento não mantivessem
as taxas de câmbio e os preços estáveis, a sua queda tornaria as exportações
alemãs suficientemente atrativas para que gerassem rendimento suficiente para
reembolsar a dívida.
E é esta mesma lógica que o FMI
segue meio século mais tarde, quando que os países do Terceiro Mundo devem
transferir os rendimentos estrangeiros e até permitir a fuga de capitais, ao
mesmo tempo que pagam as suas dívidas externas. É a mesma orientação neoliberal
que pede austeridade para a Grécia, a Irlanda, a Itália e outros países da
eurozona.
Os lobistas dos bancos afirmam que
o Banco Central Europeu se arrisca a incentivar a inflação dos preços e dos
salários se fizer aquilo que os bancos centrais foram criados para fazer:
financiar o déficit orçamentário. O monopólio desta tarefa eletrônica – e o de
receber os juros que um verdadeiro banco central poderia simplesmente criar no
teclado do seu computador – foi dado às instituições financeiras europeias.
Mas porque é que o financiamento
dos déficits orçamentários por parte dos bancos comerciais cria menos inflação
do que se for feito pelos bancos centrais? As práticas de empréstimos bancários
que alimentaram desde 1980 uma bolha financeira global deixaram como herança uma
dívida global que é hoje em dia tão insuportável como eram as dívidas alemãs em
1920. Será que o crédito governamental teria levado a uma tão descontrolada e
irresponsável inflação dos ativos financeiros?
Como a criação de
dívida acelerou a inflação dos ativos a partir dos anos 80
O sistema bancário não seguiu, nas
décadas mais recentes, o desenvolvimento que os economistas de outrora previam.
Como já referimos acima, em vez de financiar investimento tangível de modo a
promover a produção e a inovação, a maior parte dos empréstimos é feita apenas
com base em garantias, sendo os juros pagos a partir de lucros que provém de
outras fontes que não a produção ou a inovação. Apesar de não ser “produtivo” no
sentido clássico da palavra, era lucrativo para os devedores investirem o
dinheiro dos empréstimos, não em atividade econômica produtiva, mas na crescente
onda de inflação dos ativos financeiros que se gerou entre 1980 e 2008. O
empréstimo sobre hipotecas teve como consequência a inflação dos ativos
imobiliários, atraindo especuladores e novos compradores para o mercado na
expectativa de que os preços continuassem a subir. Esta situação de constante
crédito trouxe consigo um aumento do serviço da dívida, o que fez encolher as
margens de crédito das indústrias de bens e de serviços.
A consequência normal desta
situação seria uma diminuição dos valores das rendas, ao qual se seguiria uma
diminuição do valor dos imóveis e consequentemente a inadimplência dos
empréstimos. Mas os bancos adiaram o colapso através de uma estratégia de
redução das exigências no ato de conceder os empréstimos, conseguindo assim uma
nova vaga de crédito que alimentou a contínua inflação dos preços. Duas décadas
de inflação do valor dos ativos permitiram aos especuladores, proprietários e
investidores pedir empréstimos para pagar os juros vencidos e ainda assim obter
uma margem de lucro.
Esta esperança de ganhos
permanentes fez com que os investidores pagassem aos credores a totalidade do
rendimento, fazendo assim com que os bancos se tornassem nos maiores
beneficiários das rendas. Este processo de inflação dos preços através do
crédito fácil e da diminuição das taxas de juro alimentava-se a si mesmo. Era
também um processo autodestrutivo, pois o aumento do valor pelo qual uma renda
imobiliária ou um rendimento empresarial pode ser convertido em capital a ser
emprestado pelos bancos aumentou o peso da dívida na economia.
Os mercados de valores mobiliários
também se tornaram parte desde problema. O aumento do valor das ações e das
obrigações fez com que os fundos de pensão comprassem mais caro as garantias dos
seus rendimentos, colocando em risco o modelo de fundos de pensão americano.
Também em perigo ficou a
indústria, pois em vez de viabilizar soluções financeiras para as empresas, os
mercados tornaram-se candidatos à aquisição dessas mesmas empresas em situação
de endividamento. Os investidores pediam empréstimos para comprar dos acionistas
endividados, sobrecarregando de dívidas as empresas.
Os mais bem sucedidos saqueadores
deixavam atrás de si apenas carcaças de empresas falidas. Quando os credores
investiram os ganhos econômicos deste processo para influenciar o poder político
a sobrecarregar de impostos os salários e a industria, enquanto reduzia a sua
própria carga fiscal; isto aumentou o custo de vida e o custo da atividade
empresarial numa proporção superior à da diminuição dos preços pela evolução
tecnológica.
A União Europeia
rejeita a criação de moeda por parte do Banco Central, deixando o financiamento
da dívida para os bancos privados
O artigo 123 do Tratado de Lisboa
proíbe o Banco Central Europeu (BCE) ou qualquer outro banco central de
emprestar dinheiro aos estados. Mas os bancos centrais foram criados
precisamente com a função de financiar a dívida dos seus estados. A União
Europeia conseguiu fazer retroceder a história em 300 anos, procedendo de uma
forma idêntica à que era comum no tempo que antecedeu à criação do Banco de
Inglaterra. Ao reservar a tarefa da criação de crédito exclusivamente ao sistema
bancário comercial, deixou os governos sem um banco central que pudesse
financiar as despesas públicas necessárias para impedir a depressão e o colapso
financeiro generalizado.
No entanto, o feitiço virou-se
contra o feiticeiro. Os partidários de uma moeda forte que ditam as políticas
europeias assumiram que a dívida pública estaria sempre isenta de riscos.
Obrigar os déficits públicos a serem financiados por credores privados parecia
oferecer uma bela oportunidade: poder recolher juros através da criação
eletrônica de crédito, algo que os governos podem, eles mesmos, fazer. Agora, os
governos europeus necessitam de crédito para equilibrar os seus orçamentos sob
pena de inadimplência da dívida. Face a esta situação, o sistema bancário
privado quer que o banco central crie dinheiro para resgatar os maus empréstimos
em que está atolado.
A situação é a seguinte: O Banco
Central Europeu (BCE) empresta 489 bilhões, a um prazo de 3 anos e a 1% de juro
ao sistema bancário privado para que este, por sua vez, compre títulos da dívida
da Grécia ou de Espanha. Esta política de compra da dívida por parte do sistema
privado nos “mercados”, depois conseguido o dinheiro emprestado junto do BCE a
uma taxa de juro baixa é uma oportunidade de ouro para ter lucro fácil.
De que forma é que estas
facilidades concedidas ao sistema bancário privado podem ser consideradas menos
inflacionárias para a economia do que o financiamento da dívida diretamente pela
ação do banco central? Será que o objetivo é apenas dar aos bancos uma
oportunidade para obterem ganhos fáceis e para que retomem a economia de
“bolha”, a mesma que nos trouxe à atual crise de sobre-endividamento?
Conclusão
Os governos podem gerar crédito
nos seus computadores tão facilmente como o fazem os bancos comerciais. E, ao
contrário dos bancos, é previsível que as suas despesas sirvam um propósito
social e sejam definidas democraticamente. Quando os bancos comerciais se
apoderam do controle da política econômico-financeira em detrimento dos governos
e dos bancos centrais, eles tendem a defender a sua política lucrativa de
criação de um crédito inflacionário dos ativos – deixando os custos para serem
pagos pela austeridade pós-bolha. Isto torna o volume de dívida ainda mais
difícil de pagar – na verdade, impossível.
Voltamos assim à questão de quão
diferente é a criação pública de dinheiro para financiar os déficits
orçamentários, da emissão, por parte dos governos, de obrigações a serem
compradas pelos bancos. A última opção é apenas uma forma mais complicada de
financiar os ditos déficits – com um custo desnecessário em juros. Quando os
governos convertem os seus déficits orçamentários em dinheiro, não precisam
pagar juros aos detentores das obrigações.
Já ouvi banqueiros argumentarem
que os governos precisam de um corretor honesto para poder decidir se um
determinado empréstimo ou despesa pública é responsável. Até agora, as suas
opiniões não geraram crédito produtivo. Mas ainda assim procuram, agora, reparar
os estragos da crise financeira convencendo os governos devedores a vender
propriedade pública. Esta “solução” baseia-se no mito de que a gestão privada é
mais eficiente e baixará os custos dos serviços infraestruturais básicos. No
entanto, tal “solução” implica no pagamento de juros aos compradores dos
direitos de extração de rendas, de salários mais altos aos executivos, da opção
de compra de ações e de outras taxas financeiras.
A maioria dos ganhos é obtida pela
utilização de trabalho não sindicalizado e acabam normalmente por ser devolvido
aos compradores, aos seus banqueiros e aos detentores de obrigações, em vez de
reverterem para o orçamento público. E os banqueiros promovem a
desregulamentação dos preços, permitindo aos novos donos aumentar o custo do
acesso a esse serviço. Isto torna a economia mais dispendiosa e consequentemente
menos competitiva – precisamente o oposto daquilo que fora prometido.
O sistema bancário alterou-se de
tal forma desde os tempos em que financiava o crescimento industrial e o
desenvolvimento econômico que agora beneficia, sobretudo, um “despesismo”
econômico predatório e extrativo, oposto àquele que se baseia em empréstimos
produtivos. Este é o grande problema do nosso tempo. Os bancos emprestam hoje em
dia, sobretudo, a outras instituições financeiras, a fundos de investimento, a
raiders empresariais, companhias de seguros e imobiliárias, para além de
especularem, eles próprios, no mercado das divisas, na arbitragem das taxas de
juro e em estratégias comerciais dirigidas informaticamente.
As empresas comerciais evitam o
setor bancário ao financiar novos investimentos de capital a partir dos seus
próprios lucros e satisfazem as suas necessidades de liquidez emitindo
diretamente o seu próprio crédito comercial. Mas, para que a economia de cassino
continue a triunfar, os banqueiros querem agora não apenas que os governos os
resgatem, mas que lhes permitam renovar seu plano de empresarial “furado” – e
que mantenham as dívidas atuais para que os credores não sofram perdas.
Estas exigências significam que a
sociedade deve ficar perdendo e ainda sofrer os efeitos da depressão econômica.
Estamos lidando não apenas com ganância, mas com um comportamento claramente
hostil e anti-social.
Assim, a Europa chegou a um
momento fundamental, em que terá de decidir que interesses pôr em primeiro
lugar: os dos bancos ou os da “economia real”. A História dá-nos variados
exemplos que mostram os perigos de capitular face aos banqueiros, e também de
como reestruturar os bancos num sentido mais produtivo. As questões seguintes
são bastante claras:
- Será que o
papel histórico dos bancos está acabado ou podem eles ser reestruturados de
forma a financiar investimentos produtivos em vez de se limitar a inflacionar os
preços dos ativos financeiros?
- Será que uma
opção pública não resultaria num crédito melhor direcionado e menos dispendioso?
- Porque não
promover a recuperação da economia através de uma amortização das dívidas que
seja o reflexo a capacidade de as pagar, em vez de abandonar cada vez mais
riqueza nas mãos de credores cada vez mais agressivos?
Resolver os problemas financeiros
da zona euro pode tornar-se mais fácil através das reformas fiscais defendidas
pelos economistas clássicos como complemento às reformas financeiras. Estes
defendem um aumento da carga fiscal sobre o imobiliário e sobre os lucros
monopolistas e financeiros, de modo a livrar os consumidores e os assalariados
de uma pesada taxação.
O princípio é o de que os direitos
sobre a propriedade, os monopólios e outros privilégios do gênero não acarretam
diretamente custos de produção, e assim podem ser taxados sem qualquer impacto
na rareza ou no seu preço no mercado. A abolição das deduções fiscais de que os
lucros gerados pelos juros beneficiam seria outra reforma chave necessária à
resolução do problema.
Uma taxa sobre as rendas
imobiliárias baixa o preço das casas e dos serviços básicos, cujos rendimentos
tendem a ser capitalizados através de empréstimos bancários e pagos
posteriormente sob a forma de juros. Ainda para mais, os rendimentos
imobiliários e decorrentes dos recursos naturais são os mais fáceis de taxar
(assim como os rendimentos decorrentes dos juros), pela simples razão de que são
amplamente visíveis e de que o seu valor é fácil de determinar.
A pressão para encurtar os
déficits orçamentários oferece uma oportunidade única para racionalizar o
sistema fiscal da Grécia e dos restantes PIIGS, onde os ricos escapam ao
pagamento de impostos.
O problema político que bloqueia
uma política fiscal clássica é o de que esta interfere com os lucros fáceis que
o sistema bancário procura capitalizar sob a forma de empréstimos. Assim, os
bancos movem as suas influências para que o imobiliário e os monopólios
existentes (e também o próprio sistema bancário) continuem isentos de impostos.
Apesar de desejar a solvência dos estados, para que estes cumpram as obrigações
da dívida, o setor financeiro pôs em marcha uma enorme operação de relações
públicas, que se estende até aos economistas duvidosos da “academia”, para
publicitar uma forte oposição às políticas que podem resolver as discrepâncias
fiscais da forma mais justa.
É demasiado cedo para prever se
serão os bancos ou os governos a sair vitoriosos da crise atual. Da mesma forma
que a economia vem sendo dividida entre credores e devedores, também o poder de
decisão tem mudado das mãos das mãos dos governos para as dos banqueiros.
A maneira mais fácil de manter
esse poder é impedir a existência de um verdadeiro banco central e não deixar
que os governos interfiram com monopólio bancário de criação de crédito. A
resposta necessária seria que os bancos centrais e os governos agissem em
conformidade com a sua função e promovessem uma forma pública de criação de
crédito.
Notas
[3] George W. Edwards, The Evolution of Finance Capitalism (New
York: 1938):68.
[4] Cf. a literatura da especialidade
dos anos 1920's, o seu pedigree “Ricardiano” e a sua subsequente recuperação
pelo FMI e por outras instituições de crédito em Trade, Development and
Foreign Debt: A History of Theories of Polarization v. Convergence in the World
Economy (1992; new ed. ISLET 2010). O contexto político é tratado por mim em Super Imperialism: The
Economic Strategy of American Empire (New York: Holt, Rinehart and Winston,
1972; 2nd ed., London: Pluto Press, 2002)
O artigo original, em inglês, encontra-se em: “How the
Banks Broke the Social Compact, Promoting their Own Special
Interests” .
Esta
tradução de MQO foi extraída de: “Resistir.info”
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