25/2/2012,
Pepe Escobar, Asia Times
Online
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
Interrompemos
esse programa para propor a grande pergunta guerra-ou-paz: que jogo o Supremo
Líder do Irã Aiatolá Ali Khamenei está realmente jogando?
Pepe Escobar |
Tema
recorrente entre a animada diáspora iraniana global é que o Supremo Líder é o
agente ideal de EUA/Israel – na medida em que encarna o Irã como “o inimigo” (em
vários casos menos que o presidente Mahmud Ahmadinejad); paralelamente, a
ditadura militar do mulariato em Teerã também precisa do “inimigo” – um Grande
Satã e os Sionistas – para justificar seu monopólio do poder.
Quem
mais perde nesse caso é a verdadeira democracia iraniana – como base da
capacidade do país para resistir ao Império. Especialmente agora, depois da
muito suspeita eleição presidencial de 2009 e da repressão ao movimento Verde –
quando até ex-apoiadores diziam que a República Islâmica deixara de ser
“república” e com certeza já não era “islâmica”.
Ao
mesmo tempo, iranianos – e ocidentais – bem informados que criticam o Império
dizem também que o governo beligerante da maioria do Likud no governo israelense
é, de fato, o agente ideal a serviço do Irã. Isso porque o primeiro-ministro
Benjamin "Bibi" Netanyahu e o ex-leão-de-chácara da Moldávia feito ministro de
Relações Exteriores Avigdor Lieberman e fazedores-de-guerras em tempo integral
conseguiram unir contra eles mesmos e em defesa do regime, todos os iranianos de
todos os grupos e fés – sempre orgulhosamente nacionalistas.
Afinal,
a absoluta maioria dos iranianos sente que estão postos como alvo de uma
potência estrangeira fortemente armada – EUA-Israel, acompanhada nas sombras
pelas monarquias sunitas do Clube Contrarrevolucionário do Golfo, também
conhecido como Conselho de Cooperação do Golfo. O regime foi esperto o bastante
para instrumentalizar essa ameaça estrangeira e, ao mesmo tempo, acabar de
esmagar o movimento Verde.
Mantenha
suas bombas longe de mim
Estamos
a menos de uma semana das eleições parlamentares no Irã, que acontecerão dia 3
de março. São as primeiras eleições depois do drama de 2009. Em The Ayatollahs'
Democracy: an Iranian Challenge [A Democracia dos Aiatolás: um desafio
iraniano] (New York: W. W. Norton, 2010, 282 p. [1]),
Hooman Majd apresenta argumentos de peso, detalhando como a eleição de 2009 foi
roubada. E aí está o principal problema de hoje: milhões de iranianos já não
acreditam em sua democracia islâmica.
Gholam
Reza Moghaddam, clérigo e presidente da Comissão do Majlis (parlamento) que está conduzindo movimento
extremamente delicado – em meio a uma crise econômica – para pôr fim aos
subsídios que o governo dá a itens de alimentação básicos e energia, admitiu
recentemente que o governo de Ahmadinejad está, por todos os meios possíveis,
subornando a população “para encorajar os eleitores a votar nas eleições para
o
Majlis”.
O
major-general Yahya Rahim Safavi – alto conselheiro militar de Khamenei e, muito
importante, ex-chefe do Corpo de Guardas Revolucionários Islâmicos [orig. Islamic
Revolutionary Guards Corps (IRGC) – pediu que os iranianos “levem a sério as
eleições e votem em massa, para fazer das eleições outro evento épico”. O Líder
Supremo crê – ou espera – que nesse “evento épico” o comparecimento às urnas
fique em torno de 60%.
Podem
estar a caminho de uma dura decepção. O que se diz é que, entre os
universitários, o interesse pelas eleições está próximo de zero. Não surpreende:
o líder do movimento Verde, Mir Hossein Mousavi, está, há um ano, em prisão
domiciliar. Segundo
Kaleme, website aliado
de Mousavi e de sua esposa, Dra. Zahra Rahnavard, o casal foi autorizado a
falar, apenas por poucos minutos, há alguns dias, por telefone, com as três
filhas.
A
atenção de Khamenei parece estar mais concentrada na pressão externa, que na
dinâmica interna. Mais uma vez, na 4ª-feira, falou publicamente, renovando o que
já disse: que uma bomba atômica seria anti-islâmica. Suas palavras bem deveriam
ser – mas não serão – atentamente examinadas no ocidente:
Cremos
que usar armas nucleares é haram e proibido e que é
dever de todos esforçarem-se para proteger a humanidade contra esse grande
desastre. Cremos que, além de armas nucleares, outros tipos de armas de
destruição em massa, como as armas químicas e biológicas, também são grave
ameaça à humanidade. A nação iraniana, que já é vítima de armas químicas, sente,
mais que outras nações o risco que se cria sempre que se produzem e armazenam
armas desse tipo. O Irã está preparado a fazer uso de todas as suas capacidades,
para enfrentar esse risco.
Para
conhecer as ideias ‘nucleares’ do Supremo Líder, bastaria que os
doidos-por-guerra consultassem seu website [2].
Claro que não consultarão.
O
que é garantido é que o líder dá sinais de que está pronto para combates de
longo prazo. Foi o que disse o major-general (aposentado) Mohsen Rezai,
secretário-geral do Grande Conselho [orig. Expediency Council [3]],
com menos palavras: as sanções ocidentais perdurarão por no mínimo mais cinco
anos; são muito mais duras que as impostas durante a guerra Irã-Iraque de
1980-1988.
Rezai
disse também que, por 16 anos, quando Akbar Hashemi Rafsanjani e depois Mohammad
Khatami foram presidentes, o Irã tentou alguma espécie de acerto com os EUA;
mas, “porque a separação [entre EUA e Irã] era profunda demais, nenhum acordo
foi possível (...). Permitimos que vistoriassem Natanz, reduzimos o número de
centrífugas, suspendemos as operações em Isfahan [unidade de conversão de
urânio] e nosso presidente [Khatami] iniciou o “diálogo entre civilizações”. Mas
[o presidente George W] Bush declarou que Irã, Iraque e Coreia do Norte seriam o
“eixo do mal” e iniciou a confrontação conosco”. [4]
Um
ex-porta-voz da equipe de negociadores iranianos para a questão nuclear,
embaixador Hossein Mousavian [5],
atualizou essa inspiração confrontacional – frente à equipe da Agência
Internacional de Energia Atômica (ing.International Atomic Energy Agency
(IAEA)] que visitou o Irã em outubro de 2011, liderada pelo
vice-diretor-geral Herman Nackaerts – o mesmo Nackaerts que, essa semana,
retornou ao Irã.
Segundo
Mousavian, “durante a visita, Fereydoon Abbasi-Davani, chefe da Organização de
Energia Atômica do Irã, entregou um cheque em branco à IAEA,
assegurando plena transparência, abertura às inspeções e cooperação com a IAEA. Também
informou Nackaerts da disposição do Irã para pôr o programa nuclear do Irã sob
“plena supervisão da
IAEA”, inclusive com implementação do Protocolo Adicional [do
Tratado de Não Proliferação Nuclear] por cinco anos, sob a única condição de que
fossem levantadas as sanções contra o Irã”. [6]
Adivinhem
qual foi a reação de Washington? Esqueçam o diálogo; queremos sanções. E assim o
palco estava armado para que Washington desse os passos seguintes: o golpe dos
Velozes & Furiosos para tentar culpar Teerã pela tentativa de assassinato do
embaixador saudita aos EUA; pressão para que se ignorasse o relatório da IAEA sobre o Irã, de
novembro de 2011, distribuindo a suspeita de que haveria “um possível ângulo
militar” no programa nuclear iraniano; embargo do petróleo; imposição à ONU de
uma resolução contra o Irã sob acusação de terrorismo; e a lista prossegue.
Mostre-me
o caminho do Imã [Khomeini]
Todos
os assuntos no Irã, internos e externos, são resolvidos por Khamenei – não por
Ahmadinejad. Se o Supremo Líder parece manter a mão bem firme sobre o dossiê
nuclear, nas questões domésticas tudo parece menos firme. Fora das grandes
cidades, Khamenei ainda preserva o apoio popular – enquanto os empréstimos que o
Estado faz às populações rurais continuarem com a mesma generosidade, enquanto,
pelo menos, as sanções ocidentais não morderem mais fundo.
Mas
o alto clericato em Qom já começa a clamar por mecanismos legais que permitam
supervisionar – e criticar – o Líder Supremo. Sua resposta – segredo para
ninguém, em Teerã – foi mandar instalar escutas clandestinas em todos os locais
de estudo e nas casas dos altos clérigos.
Khamenei
sempre rejeitou veementemente qualquer tipo de supervisão que lhe fizesse o
Grande Conselho – o corpo que indica o Supremo Líder, monitora seu desempenho e
pode destituí-lo.
Segundo Seyyed Abbas Nabavi, chefe da Organização pela
Civilização e pelo Desenvolvimento Islâmicos, Khamenei disse aos especialistas
que “não aceito que o Grande Conselho diga ao Supremo Líder que continua
qualificado, mas, em seguida questione por que um ou outro funcionário tenha
sido encaminhado numa ou noutra direção, ou por que permiti que determinado
funcionário [faça certas coisas]”. [7]
Depois
da explosão de indignação em 2009 – quando pela primeira vez o povo exigiu, nas
ruas, a queda do Supremo Líder – a revolta prossegue, com iranianos letrados que
zombam de Khamenei, apresentado como turrão, invejoso e vingativo, que acalenta
ira monstro contra os milhões de iranianos que jamais engoliram o apoio que deu
a Ahmadinejad em 2009 (Khamenei sempre chamou aqueles manifestantes de
“sediciosos”).
Por
exemplo, até a filha de um aiatolá muito conhecido disse publicamente que
Khamenei “tem ódio no coração” contra Rafsanjani e ex-candidatos potenciais à
presidência Mir Hossein Mousavi e Mehdi Karoubi “por causa do amor que o Imã
[Khomeini] tinha por ele e do apoio que lhes dava e também porque, em comparação
a esses três, sobretudo comparados a Hashemi [Rafsanjani] e Mousavi, vê-se
claramente que Khamenei é indivíduo de segunda classe”. Khamenei agora está
sendo apontado como culpado de tudo, da queda na produção nacional, do aumento
da inflação e da corrupção disseminada.
O
que levanta a seguinte questão: e o Corpo dos Guardas Revolucionários Islâmicos?
Apoiam o Supremo Líder?
Para
a diáspora iraniana, esse apoio não passa de pura propaganda. O fato é que o
Corpo dos Guardas Revolucionários Islâmicos já estaria convertido em
conglomerado monstro, com miríades de interesses militares-industriais,
econômicos e financeiros. Altos gerentes – e a constelação de empresas que
controlam – estão conectados ao etos de antagonizar o ocidente, o mesmo ocidente
de cujas sanções eles muito lucram, sem remorso. Assim, para eles, o status
quo está
perfeitíssimo – apesar do risco diário de que um passo em falso, um acidente ou
uma operação encenada levem à guerra.
Ao
mesmo tempo, o
IRGC
pode contar com o apoio político/estratégico de Rússia e China, dois
BRICS – e tem certeza de que o país conseguirá superar o embargo e continuará a
vender petróleo, sobretudo a clientes asiáticos.
Mas
o mais substancioso, em termos de dinâmica interna, é o fato de que o creme do IRGC está hoje engajado
num tipo de guerra econômica contra os bazaaris – os mercadores persas, tradicionalmente
muito conservadores.
É
importante lembrar que esses bazaaris financiaram a chamada Revolução Islâmica “O
Caminho do Imã”, em 1979. Eram – e continuam – opositores radicais do
colonialismo (especialmente do colonialismo como praticado por britânicos e
norte-americanos); mas isso não implica que sejam antiocidente (detalhe que
muitos no ocidente ainda não entendem).
Mas
uma vez, como importantes analistas iranianos têm insistido, é preciso lembrar
que o
motto
original da revolução islâmica foi “Nem leste nem oeste”; o que
interessava era uma espécie curiosamente budista de ‘trilha média do caminho’– e
exatamente essa “trilha média”, o “Caminho do Imã”, garantiria a existência de
um Irã que seria islâmico e soberano, e não alinhado.
Adivinhem
quem participava daquela coalizão de vontades chamada “Caminho do Imã”?
Exatamente os inimigos de Khamenei (e de Ahmadinejad): Mousavi, Khatami, Karoubi
e Rafsanjani, para nem falar de uma facção moderada doIRGC, representada
por Mohsen Rezai, ex-comandante do IRGC e ex-candidato à presidência.
O
que a Coalizão “Caminho do Imã” está dizendo, essencialmente, é que Khamenei
traiu os princípios da revolução; acusam-no de tentar converter-se numa espécie
de califa xiita – e governante absolutista. Essa mensagem está encontrando eco
cada dia mais forte entre milhões de iranianos que creem em um estado que seja
verdadeiramente “islâmico”, mas, ainda mais, creem num estado que seja
verdadeiramente uma “república”.
O
que afinal nos leva ao supremo medo que acossa o Supremo Líder: que uma coalizão
de republicanos islâmicos puristas – entre os quais os poderosos clérigos de Qom
e os poderosos comandantes e ex-comandantes do IRGC – decidam levantar-se, derrubá-lo e,
finalmente, implantar no Irã uma verdadeira república islâmica.
Seja
como for, só uma coisa é certa e não varia: ninguém, em nenhum caso, desistirá
do programa nuclear iraniano para finalidades civis.
Notas
dos tradutores
[1]
Para uma resenha do livro, ver
Small Wars Journal, 20/4/2011, em:
“Book
Review: The Ayatollah's Democracy: An Iranian Challenge”
(em inglês).
[3]
Em inglês, “Expediency
Discernment Council of the System”; em persa, مجمع
تشخیص
مصلحت
نظام;
é uma assembleia administrativa de membros cuja principal competência é indicar
o Supremo Líder; foi criado depois da revisão da Constituição da República
Islâmica do Irã, dia 6/2/1988. Originalmente, foi criado para dirimir conflitos
entre o Majlis
e o Conselho de Guardiães. Segundo Hooman Majd, o líder “delegou parte de
sua autoridade ao conselho – dando-lhe poderes para supervisionar todos os ramos
do governo – depois da eleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad, em 2005 .
Pode ser traduzido, tentativamente, como Conselho para Discernimento e
Administração do Sistema, aqui apenas “Grande Conselho”, para
simplificar.
[5] Sobre declarações de Hossein Mousavian, ver também 20/2/2012, “EUA e Irã avançam (devagar) rumo a conversações”, MK Bhadrakumar.
[6] MOUSAVIAN, Hossein. 9/2/2012, “How
to engage Iran ”, Foreign Affairs.
[7] Texto original em
farsi em: بدهبستانهاو
يارگيريهاي
رانتي،آفت
انتخابات
است
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