quarta-feira, 14 de março de 2012

“Hizb-ut-Tahrir” (Partido da Liberdade): outra face do Islã


12/3/2012, Emmanuel Karagiannis (entrevista a Yekaterina Kudashkina, Voice of Russia)
Traduzido pelopessoal da Vila Vudu

Emmanuel Karagiannis é professor do Departamento de Estudos Eslavos, dos Bálcãs e Orientais da Universidade de Macedônia, Tessalônica, Grécia  [1].

Entreouvido na Vila Vudu: 
Não é IMPRESSIONANTE que ninguém saiba de nada disso, em língua portuguesa do Brasil?! Daqui a pouco a bispa-aquela ou o bispo-aquele-lá decidem fazem aqui o Califato lá deles... E quem vai saber conversar com eles?!
E olhem que os muçulmanos do Hizb-ut-Tahrir são INTELECTUAIS e não compram redes de televisão! (E os bispos-lá são analfabetos e já compraram ou alugaram).


Hizb-ut-Tahrir: the new face of Islam


Yekaterina Kudashkina
12.03.2012, 14:58

Emmanuel Karagiannis
Voice of Russia: Tendo em mente que os desdobramentos da Primavera Árabe de algum modo trouxeram os árabes para o centro da paisagem política, se se considera a Primavera Árabe é uma coisa; mas se se consideram outras organizações islâmicas que operam na Ásia Central, as coisas mudam. Uma das organizações que operam nessas regiões é o Hizb-ut-Tahrir – que é ator muito importante, mas praticamente desconhecido do grande público. Que tipo de organização é? Pode-se dizer que é uma rede internacional?

Karagiannis: O movimento Hizb-ut-Tahrir, “Partido da Liberdade”, é movimento transnacional que atualmente tem encontrado muito apoio entre jovens muçulmanos na Ásia Central, na Europa Oriental, no Oriente Médio, na Austrália e até nos EUA. Em minha opinião é um desafio difícil tanto para governos ocidentais como para governos muçulmanos, porque o Partido prega a unificação de todos os países muçulmanos num único Califato, mas, simultaneamente, tem rejeitado, até agora, a luta armada como instrumento político de mudança. E não se sabe muito sobre a organização, que é muito fechada. Pode-se no máximo especular sobre o tamanho do movimento. A única coisa que sei com certeza é que é movimento fortemente transnacional.

Voice of Russia: Mas quais são seus métodos? O senhor disse que não prega a violência como método. Como trabalham para expandir-se e fixar-se?

Karagiannis: O programa que o Hizb-ut-Tahrir já mostrou prevê três fases de ação, modelado pelos três estágios da experiência do Profeta Maomé, quando tentou estabelecer o estado islâmico. O primeiro estágio implica recrutar membros; o grupo tem feito isso de vários modos; por exemplo, distribuem panfletos em mesquitas e bazares, ou tentam recrutar pessoas em universidades. O primeiro estágio, portanto, é de recrutamento. O segundo estágio, basicamente, é convocar a sociedade a abraçar o Islã, em outras palavras, islamizar a sociedade; é o que está fazendo atualmente, em certo sentido: está tentando divulgar suas crenças, sua ideologia. E o terceiro estágio, que implica tomar o poder e fazer o Islã conhecido fora das áreas de grandes populações já muçulmanas.

Esse terceiro estágio ainda soa vago aos especialistas, quero dizer, sabe-se pouco, porque eles falam pouco sobre isso. Parece que talvez pensem em algum tipo de tomada revolucionária, com várias ações civis – manifestações, comícios. Esse parece ser o cenário no qual o Hizb-ut-Tahrir conta com tomar o poder político e estabelecer um estado islâmico.

Voice of Russia: Que tipo de Islã pregam?

Karagiannis: Hizb-ut-Tahrir apresenta-se como grupo islâmico não sectário, embora sejam, de fé, marcadamente sunitas; quase todos os líderes têm origem palestina. Não rejeitam, evidentemente, os xiitas, como membros, mas é bem claro que o grupo tem orientação sunita. Não recrutam muçulmanos de confissões religiosas minoritárias, como ahmadia ou druzos ou alawitas; recrutaram alguns xiitas do Irã, mas não têm conseguido atrair muitos não sunitas. Eu diria que é grupo de clara orientação sunita.

Voice of Russia: E sobre a atividade social do grupo? São envolvidos em programas sociais, oferecem assistência social às populações locais?

Karagiannis: Hizb-ut-Tahrir é diferente do Hamás e do Hezbollah; não tem programas sociais muito avançados. Mas há sinais de que, no plano local, membros do partido têm oferecido o zakat em algumas mesquitas que se supõe que controlem; o zakat é dever dos muçulmanos, pagar o zakat, às 6as-feiras.

Quero dizer que, sim, parece haver indicações de que podem estar trabalhando para dar assistência aos pobres e aos mais velhos, em alguns locais. Mas, em teoria, não dizem que trabalham para ajudar desse modo o progresso social. O que buscam, basicamente, é islamizar a sociedade e divulgar suas crenças e sua ideologia. Não há dúvidas de que sua ideologia visa a restaurar o Califato – é o que querem fazer: unir todos os muçulmanos e restaurar o Califato.

Portanto, não estão trabalhando como a Fraternidade Muçulmana trabalha no Egito, ou o Hezbollah no Líbano, ou o Hamás em Gaza. Não patrocinam creches ou escolas infantis, não limpam as ruas, como faz o Hamás em Gaza. Apresentam-se, de fato, mais, como movimento intelectual.

Voice of Russia: E de onde recebem dinheiro?

Karagiannis: O que se sabe sobre isso é sempre especulação. Parece que vivem de doações dos membros e de seguidores ricos do Golfo Persa. Há rumores também de que mantêm seus próprios negócios. Quando estive na Ásia Central, ouvi rumores de que o Hizb-ut-Tahrir teria empreendimentos próprios, negócios próprios, de modo que poderiam, basicamente, se autossustentar.

Voice of Russia: O senhor considera razoável a previsão de que esse grupo, que já parece bem estabelecido em alguns países da Ásia Central, poderia ser usado como combustível para deflagrar alguma espécie de insurgência islâmica na Ásia Central? E o que se diz – que teriam já estabelecido laços com os Talibã?

Karagiannis: Essa é questão ainda controversa entre os especialistas. Pessoalmente, como especialista, parece-me que o Hizb-ut-Tahrir não possa ser usado sem se aliaria a movimentos de  jihad, para fazer guerra ao ocidente, porque é movimento de ideias, movimento intelectual. Pelos padrões ocidentais, é organização extremista, como são os partidos comunistas em muitos países ocidentais.

Mas, sim, o Hizb-ut-Tahrir divulga uma ideologia que, em certa medida, pode contribuir na direção em que trabalha o Movimento Islâmico do Uzbequistão, ou, mesmo, organizações ligadas à Al-Qaeda. Eles podem ajudar a disseminar ideias assemelhadas, digamos, de modo mais fácil. Não é absolutamente organização terrorista; é partido extremista. Já criticaram os Talibã e o Movimento Islâmico do Uzbequistão por não estudarem a doutrina, por não buscarem o avanço intelectual. Por sua vez, ambos, os Talibã e o Movimento Islâmico do Uzbequistão, também criticaram o Hizb-ut-Tahrir, por não passarem de um grupo de estudiosos, de intelectuais.

Mas evidentemente há algumas similaridades, mesmo com grupos jihadistas. Todos eles querem restaurar o Califato, com diferenças apenas de método. Do ponto de vista do Hizb-ut-Tahrir, a via certa é a que o Profeta Maomé seguiu, e foi via pacífica para a tomada do poder. Para os Talibã e o Movimento Islâmico do Uzbequistão e outras organizaçõesjihadistas, a via certa é declarar guerra contra católicos e outros crentes. Mas outra vez estamos no terreno da especulação. Pelo que se sabe, o Hizb-ut-Tahrir não tem qualquer vínculo com os Talibã nem com o Movimento Islâmico do Uzbequistão.

Voice of Russia: E há quanto tempo existe?

Karagiannis: Foi criado em 1953.

Voice of Russia: É antigo!

Karagiannis: Sim. Surgiram em Jerusalém Leste e não mudaram o discurso ao longo dos últimos 60 anos. Orgulham-se disso, quero dizer: consideram-se o único grupo islâmico que há no mundo. Para eles, essa credibilidade no plano intelectual é muito importante, razão pela qual sempre relutaram a aliar-se a grupos jihadistas ou a ajudar, de qualquer modo, organizações jihadistas. Além do quê, se o tivessem feito, teriam criado riscos extraordinários para eles mesmos, pelo menos para os ramos do partido que operam em países ocidentais. Afinal, sabem como são as coisas no ocidente e sabem que se ultrapassarem a linha vermelha, se declararem guerra, se de algum modo se associarem a grupos jihadistas, terão de enfrentar as agências de segurança ocidentais.

De fato, têm sido muito cautelosos nesse sentido. Por isso falei, no início, que é organização extremista, como os partidos comunistas em vários países, mas claramente não é organização terrorista.

Voice of Russia: O senhor disse, noutra ocasião, que a sede do Partido funciona em Londres. É isso?

Karagiannis: Há muitos indícios de que o centro logístico do Partido esteja instalado em Londres, e a liderança internacional está localizada, provavelmente, ou na Jordânia ou no Líbano. Sabe-se pouco sobre a liderança internacional. Mas, sim, o centro logístico parece estar instalado em Londres.

Voice of Russia: O senhor já teve contato com eles?

Karagiannis: Sim, encontrei-me com alguns membros do Hizb-ut-Tahrir na Ásia Central, alguns também no Líbano, e também tive encontros com alguns membros na Grã-Bretanha. Pude discutir com alguns deles algumas questões de método. Como sempre, pouco se obtém nesse tipo de conversa, porque são muito cuidadosos nos contatos com gente externa ao grupo. Mas não há dúvidas de que o grupo produz grande quantidade de literatura – muitos livros, muitos panfletos –, embora seja difícil acompanhar seus movimentos.

Voice of Russia: Quanto ao crescimento global do Hizb-ut-Tahrir, são ativos na Rússia?

Karagiannis:Hizb-ut-Tahrir tem obtido alguma popularidade em territórios da Federação Russa de população muçulmana, como, por exemplo, o Tartaristão, mas não são conhecidos no Norte do Cáucaso. Isso, porque ali competem com outros grupos muçulmanos já tradicionalmente estabelecidos. O Hizb-ut-Tahrir está ativo, pode-se dizer, e só no Tartaristão, talvez por efeito do modo como os tártaros entendem o Islã. O islamismo tártaro é muito moderado, pode-se dizer, distendido. E a penetração do Hizb-ut-Tahrir foi mais fácil ali, que no Norte do Cáucaso, onde os salafitas ganharam terreno. É difícil para o Hizb-ut-Tahrir disputar influência com salafitas.

Voice of Russia: Não sei se estou certa, mas o Islã salafita não é o mesmo Islã que houve inicialmente no Norte do Cáucaso?

Karagiannis: Você está absolutamente certa. O Islã salafita é estranho ao Norte do Cáucaso. A maioria dos muçulmanos no Norte do Cáucaso segue o Islã hanafita. O Islã hanafita penetrou no Norte do Cáucaso logo depois da primeira guerra da Chechenia, de 1994 a 1996. Depois daqueles trágicos eventos, a organização salafita ganhou espaço e estabeleceu-se no Norte do Cáucaso, sobretudo no Daguestão e na Chechenia, menos em Kabardino Balkariya e em outras repúblicas muçulmanas autônomas do Norte do Cáucaso.

Voice of Russia: Quer dizer então que o Hizb-ut-Tahrir não avançou muito no Norte do Cáucaso, como avançou no Tartaristão, onde é evidente que se estabeleceu como se sabe. Por isso as autoridades russas, que baniram o grupo, prenderam vários crentes do Hizb-ut-Tahrir no Tartaristão. Pela lógica, o Hizb-ut-Tahrir dificilmente conseguiria ganhar espaço em países como a Albânia, por exemplo.

Karagiannis: Sim. O Hizb-ut-Tahrir em crescido na Ásia Central, na Indonésia, em alguns países do Oriente Médio, como a Jordânia, mas não tem conseguido entrar nas áreas mais populosas dos Bálcãs, como Kosovo, Bósnia. Isso, porque os membros muçulmanos locais do Hizb-ut-Tahrir parecem “árabes demais”, talvez se possa dizer assim, se você me entende – os líderes de origem palestina, quase todos os mais velhos, são ou árabes ou sul-asiáticos. Para os muçulmanos dos Bálcãs, acho que o Hizb-ut-Tahrir parece “partido estrangeiro”, “árabes demais”, naquele cenário. Isso não implica dizer que, em algum momento, o Hizb-ut-Tahrir não ganhe popularidade na Bósnia ou no Kosovo. De fato, eles têm sido muito bem sucedidos de várias formas, em vários espaços. Em anos recentes, conseguiram fixar-se em regiões de grandes populações muçulmanas também na China, como em Xinjiang…

Voice of Russia: Na comunidade uigure.

Karagiannis: Exatamente. Claro que não é fácil competir com os grupos uigures nacionalistas. E, sim, as autoridades chinesas estão acompanhando de perto a situação. Mas a julgar pela página que o Hizb-ut-Tahrir mantém na internet, e pelo espaço que dedicam à China, e considerando outras informações que há sobre Xinjiang e a população muçulmana que vive ali – sim, se pode facilmente conclui ir que o Hizb-ut-Tahrir conseguiu estabelecer-se na China.

Voice of Russia: E também na Escandinávia?

Karagiannis: O ramo escandinavo é muito ativo, produzem muita literatura. O líder do Hizb-ut-Tahrir na Dinamarca foi preso há poucos anos, por ter feito ameaças a judeus dinamarqueses. Pelo menos, é o que se divulgou. Não tenho informações sobre o Hizb-ut-Tahrir na Noruega, Finlândia ou Suécia. Tudo leva a crer que a Dinamarca seja sua principal base no Norte.




Nota dos tradutores
[1] Mais sobre isso em KARAGIANNIS, Emmanuel, “Political Islam in Central Asia: The Challenge of Hizb ut-Tahrir”, Europe-Asia Studies, Volume 64, Issue 1, 2012, acessível para assinantes.

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