segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Hamás: a encruzilhada


Nicola Nasser, Al-Ahram Weekly, 16-22/8/2012, Cairo
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Nicola Nasser
O Hamás está andando na corda bamba, apanhado entre suas credenciais como movimento de resistência e o pedigree que o une à linhagem da Fraternidade Muçulmana. Nos últimos anos, o Hamás recebeu irrestrito e firme apoio tanto de Damasco como do Irã. Mas, com Damasco sob ataque e na iminência de sofrer intervenção militar, o futuro mostra-se pouco claro, para o Hamás.

Até aqui, o Hamás tem defendido posições. O movimento comprometeu-se a não se envolver nem em “eixos” políticos nem em “eixos” militares e a não tomar partido na luta na Síria. Ganhou assim algum tempo, mas pouco tempo.

Há também a questão ideológica. Oficialmente, pelo menos, o movimento é parte da matriz internacional da Fraternidade Muçulmana. A Carta do Hamás declara que o movimento é “uma ala da Fraternidade Muçulmana”. O fundador, Ahmed Yassin, disse que “o Hamás foi fundado pela Fraternidade Muçulmana. Somos movimento da Fraternidade Muçulmana”.

A ascensão da Fraternidade ao poder, em vários países árabes, cortesia da Primavera Árabe, deve ter entusiasmado os militantes. Mas, de fato, é desenvolvimento carregado de problemas.

É possível que, muito rapidamente, o Hamás tenha de escolher separar-se do eixo Damasco-Teerã, para estreitar seus laços com a Fraternidade Muçulmana. Mas esse movimento terá impacto de vastas consequências nas bases do movimento em Gaza.

Hamas
A história do Hamás começa em 1987, com a Fraternidade Muçulmana Palestina decidindo criar novo movimento de resistência para engajar-se na Intifada. Naquele momento, as Brigadas Al-Qassam, braço armado do Hamás, ainda não existiam. Mas foram criadas logo depois, para tornar-se movimento nacional de resistência em vias de transcender a ideologia da Fraternidade Muçulmana, de onde o movimento nasceu.

Agora, depois de o Egito ter eleito um Irmão à presidência do país, é possível que surjam novos aliados para o Hamás, mas esses novos aliados podem não se entender muito bem com os líderes da resistência. Em algum momento de um futuro não distante, o Hamás verá crescer a tensão entre suas credenciais históricas de resistência, de movimento engajado na luta armada, e as credenciais políticas da Fraternidade Muçulmana, já instalada no poder em mais de um estado árabe.

De fato, as tensões já começam a aparecer. Mohamed Mursi, do Egito, disse claramente que seu governo respeitará os acordos internacionais com EUA e Israel. Sugere que o Egito não parece disposto a substituir Síria ou Irã como principal apoiador do Hamás. E outros governos, nos quais os Irmãos chegaram ao poder, podem também ter posições pouco simpáticas à resistência armada do Hamás.

Na Síria, já há atrito. Quando a Fraternidade Muçulmana Síria uniu-se à oposição que luta por mudança de regime na Síria, os líderes do Hamás optaram por deixar a Síria.

O Hamás ainda mantém escritórios na Síria, mas estão vazios. Segundo Moussa Abu Marzouq, vice-presidente do politburo do Hamás, o movimento não tem intenção de deixar Damasco. Mas, de fato, todos já partiram. Abu Marzouq está no Cairo; Meshaal, no Qatar; Mohamed Nazzal, em Amã; e Emad Al-Elmi, em Gaza.

Já houve quem dissesse que Egito, Sudão e Jordânia recusaram o pedido do Hamás para instalar nesses países os escritórios retirados de Damasco.

Curiosamente, a partida dos líderes do Hamás, de Damasco, sempre foi uma das exigências de EUA-Israel. A presença do Hamás é a razão pela qual Washington classifica a Síria como “país patrocinador do terror”. Mas nem Damasco nem o Hamás estão hoje em posição que lhes permita colher alguma recompensa política pela retirada, de Damasco, dos dirigentes do Hamás.

Azzam Al-Ahmed
Para complicar ainda mais as coisas, membros da Organização de Libertação da Palestina (OLP) têm usado as ligações entre o Hamás e a Fraternidade Muçulmana para desacreditar o movimento. Azzam Al-Ahmed, do Fatah, diz que o Hamás tornou-se obcecado e “cabeça dura” e não trabalha pela reconciliação nacional. Isso, porque “alguns elementos da liderança da Fraternidade Muçulmana ainda estimulam demais o Hamás” – diz Al-Ahmed.

Diz-se que Doha estaria pronta a receber os escritórios-sede do Hamás, desde que o movimento se disponha a fortalecer mais os laços com a Fraternidade, que a agenda de resistência. Mas é opção que cobrará seu preço. É impossível esquecer o que aconteceu à OLP, a partir do momento em que desistiu da resistência e optou por participar de negociações. O mesmo pode acontecer ao Hamás. A partir do momento em que opte por distanciar-se da resistência, em favor do islamismo pragmático dos Irmãos, a história passará a ser inteiramente outra, para o grupo de Gaza.

Said Jalili
Até aqui, o Hamás tem conseguido manter um pé em cada canoa, jogando a carta da resistência com a Síria, e a carta da Fraternidade Muçulmana com países da Primavera Árabe. Mas, mais dia menos dia, será preciso optar e escolher o campo.

Damasco e Teerã conhecem o impasse que o Hamás enfrenta. Ninguém, nos dois países, moveu qualquer pedra que tornasse as coisas ainda mais difíceis para o movimento. Falando em recente viagem pela Síria e Líbano, Said Jalili, secretário do Conselho Nacional Supremo do Irã, elogiou “nossos amigos do Hamás”, praticamente na mesma frase em que manifestava satisfação pelo “Despertar Islâmico” na região.

Meshaal, que esteve na Tunísia no mês passado, disse que “o único meio para libertar a Palestina é a resistência, porque terra roubada pela força só será libertada pela força”. Acrescentou que os palestinos devem esquecer as negociações e unirem-se, todos, na luta de resistência.

O Hamás está tentando dar tempo ao tempo e ganhar tempo, mas, mais dia menos dia, terá de encarar os fatos. Ou se mantém fiel ao ideário da luta de resistência e arrisca-se a perder o apoio dos mentores ideológicos, ou acerta-se com eles e arrisca perder para sempre o patrimônio histórico e político que acumulou na luta de resistência. Ironicamente, é o mesmo dilema pelo qual passou o Fatah, no passado.

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