Nicola Nasser,
Al-Ahram Weekly, 16-22/8/2012, Cairo
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Nicola Nasser |
O
Hamás está andando na corda bamba, apanhado entre suas credenciais como
movimento de resistência e o pedigree que o une à linhagem da
Fraternidade Muçulmana. Nos últimos anos, o Hamás recebeu irrestrito e firme
apoio tanto de Damasco como do Irã. Mas, com Damasco sob ataque e na iminência
de sofrer intervenção militar, o futuro mostra-se pouco claro, para o Hamás.
Até
aqui, o Hamás tem defendido posições. O movimento comprometeu-se a não se
envolver nem em “eixos” políticos nem em “eixos” militares e a não tomar partido
na luta na Síria. Ganhou assim algum tempo, mas pouco tempo.
Há
também a questão ideológica. Oficialmente, pelo menos, o movimento é parte da
matriz internacional da Fraternidade Muçulmana. A Carta do Hamás declara que o
movimento é “uma ala da Fraternidade Muçulmana”. O fundador, Ahmed Yassin, disse
que “o Hamás foi fundado pela Fraternidade Muçulmana. Somos movimento da
Fraternidade Muçulmana”.
A
ascensão da Fraternidade ao poder, em vários países árabes, cortesia da
Primavera Árabe, deve ter entusiasmado os militantes. Mas, de fato, é
desenvolvimento carregado de problemas.
É
possível que, muito rapidamente, o Hamás tenha de escolher separar-se do eixo
Damasco-Teerã, para estreitar seus laços com a Fraternidade Muçulmana. Mas esse
movimento terá impacto de vastas consequências nas bases do movimento em Gaza.
Hamas |
A
história do Hamás começa em 1987, com a Fraternidade Muçulmana Palestina
decidindo criar novo movimento de resistência para engajar-se na
Intifada. Naquele momento, as Brigadas Al-Qassam, braço armado do Hamás,
ainda não existiam. Mas foram criadas logo depois, para tornar-se movimento
nacional de resistência em vias de transcender a ideologia da Fraternidade
Muçulmana, de onde o movimento nasceu.
Agora,
depois de o Egito ter eleito um Irmão à presidência do país, é possível que
surjam novos aliados para o Hamás, mas esses novos aliados podem não se entender
muito bem com os líderes da resistência. Em algum momento de um futuro não
distante, o Hamás verá crescer a tensão entre suas credenciais históricas de
resistência, de movimento engajado na luta armada, e as credenciais políticas da
Fraternidade Muçulmana, já instalada no poder em mais de um estado árabe.
De
fato, as tensões já começam a aparecer. Mohamed Mursi, do Egito, disse
claramente que seu governo respeitará os acordos internacionais com EUA e
Israel. Sugere que o Egito não parece disposto a substituir Síria ou Irã como
principal apoiador do Hamás. E outros governos, nos quais os Irmãos chegaram ao
poder, podem também ter posições pouco simpáticas à resistência armada do Hamás.
Na
Síria, já há atrito. Quando a Fraternidade Muçulmana Síria uniu-se à oposição
que luta por mudança de regime na Síria, os líderes do Hamás optaram por deixar
a Síria.
O
Hamás ainda mantém escritórios na Síria, mas estão vazios. Segundo Moussa Abu
Marzouq, vice-presidente do politburo do Hamás, o movimento não tem
intenção de deixar Damasco. Mas, de fato, todos já partiram. Abu Marzouq está no
Cairo; Meshaal, no Qatar; Mohamed Nazzal, em Amã; e Emad Al-Elmi, em Gaza.
Já
houve quem dissesse que Egito, Sudão e Jordânia recusaram o pedido do Hamás para
instalar nesses países os escritórios retirados de Damasco.
Curiosamente,
a partida dos líderes do Hamás, de Damasco, sempre foi uma das exigências de
EUA-Israel. A presença do Hamás é a razão pela qual Washington classifica a
Síria como “país patrocinador do terror”. Mas nem Damasco nem o Hamás estão hoje
em posição que lhes permita colher alguma recompensa política pela retirada, de
Damasco, dos dirigentes do Hamás.
Azzam Al-Ahmed |
Para
complicar ainda mais as coisas, membros da Organização de Libertação da
Palestina (OLP) têm usado as ligações entre o Hamás e a Fraternidade Muçulmana
para desacreditar o movimento. Azzam Al-Ahmed, do Fatah, diz que o Hamás
tornou-se obcecado e “cabeça dura” e não trabalha pela reconciliação nacional.
Isso, porque “alguns elementos da liderança da Fraternidade Muçulmana ainda
estimulam demais o Hamás” – diz Al-Ahmed.
Diz-se
que Doha estaria pronta a receber os escritórios-sede do Hamás, desde que o
movimento se disponha a fortalecer mais os laços com a Fraternidade, que a
agenda de resistência. Mas é opção que cobrará seu preço. É impossível esquecer
o que aconteceu à OLP, a partir do momento em que desistiu da resistência e
optou por participar de negociações. O mesmo pode acontecer ao Hamás. A partir
do momento em que opte por distanciar-se da resistência, em favor do islamismo
pragmático dos Irmãos, a história passará a ser inteiramente outra, para o grupo
de Gaza.
Said Jalili |
Até
aqui, o Hamás tem conseguido manter um pé em cada canoa, jogando a carta da
resistência com a Síria, e a carta da Fraternidade Muçulmana com países da
Primavera Árabe. Mas, mais dia menos dia, será preciso optar e escolher o campo.
Damasco
e Teerã conhecem o impasse que o Hamás enfrenta. Ninguém, nos dois países, moveu
qualquer pedra que tornasse as coisas ainda mais difíceis para o movimento.
Falando em recente viagem pela Síria e Líbano, Said Jalili, secretário do
Conselho Nacional Supremo do Irã, elogiou “nossos amigos do Hamás”, praticamente
na mesma frase em que manifestava satisfação pelo “Despertar Islâmico” na
região.
Meshaal,
que esteve na Tunísia no mês passado, disse que “o único meio para libertar a
Palestina é a resistência, porque terra roubada pela força só será libertada
pela força”. Acrescentou que os palestinos devem esquecer as negociações e
unirem-se, todos, na luta de resistência.
O
Hamás está tentando dar tempo ao tempo e ganhar tempo, mas, mais dia menos dia,
terá de encarar os fatos. Ou se mantém fiel ao ideário da luta de resistência e
arrisca-se a perder o apoio dos mentores ideológicos, ou acerta-se com eles e
arrisca perder para sempre o patrimônio histórico e político que acumulou na
luta de resistência. Ironicamente, é o mesmo dilema pelo qual passou o Fatah, no
passado.
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