27/9/2012, Boris Volkhonsky, Voice of Russia,
Moscou
Traduzido pelo pessoal da Vila
Vudu
(caricatura por Medi Belortaja)
“Se Deus não existe, tudo é
permitido”
(Ivan Karamazov,
em Os Irmãos Karamazov ,
Dostoiévski, 1879)
David Cameron |
Na
4ª-feira (26/9/2012), o primeiro-ministro britânico David Cameron lançou furioso
ataque contra a ONU e sua incapacidade para conter as atrocidades na Síria.
Disse que o sangue das criancinhas sírias é “terrível mácula” na reputação da
ONU.
“Se
a Carta das Nações Unidas ainda vale alguma coisa no século 21, temos de nos
unir para apoiar uma rápida mudança de regime” – nas palavras do britânico,
reproduzidas no jornal The Guardian. –
“Ninguém que tenha consciência pode fazer ouvidos surdos às vozes dos que
sofrem”.
Não
disse claramente quem, na sua opinião, seriam os “sem consciência”, mas
diplomatas britânicos encarregaram-se de esclarecer que o premiê britânico
falava de Rússia e China – os dois países que bloquearam a aprovação de várias
resoluções patrocinadas pelos EUA sobre a Síria.
É
hora, data venia, de cobrar algumas respostas do Sr.
Cameron.
Para
começar, será que o que tanto o aflige é, mesmo, o destino das “criancinhas
sírias”, ou será, muito mais, a perda do controle estratégico assegurado ao
patrão dos britânicos no crucial Oriente Médio – domínio contra o qual Bashar
al-Assad e o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad impõem hoje a última
resistência? Não fosse isso, por que insistir tanto numa “rápida mudança de
regime”, antes, até, de lembrar das “vozes dos que
sofrem”?
Em
segundo lugar, o curso dos eventos na Síria mostra, bem claramente, que está em
curso uma guerra civil, à qual o governo reage no esforço para controlar um
motim. O motim, esse, foi declarado por radicais locais, com apoio direto de
mercenários oriundos de vários países vizinhos armados pelo ocidente através de
seus satélites no Oriente Médio. Guerras são sempre terríveis e, diga o que
disser o Sr. Cameron, do palanque da ONU, os insurgentes não são cordeirinhos
nem “crianças inocentes”.
Inúmeras
fontes já demonstraram que o núcleo mais duro das atrocidades estão sendo
cometidas pelos insurgentes armados com a ajuda de amigos do Sr. Cameron. Assim,
ele acerta ao criticar as atrocidades, mas melhor faria se dirigisse sua crítica
aos que estão instigando a violência na Síria com o único objetivo de promover
os próprios interesses geoestratégicos. Para saber onde estão, o Sr. Cameron
deve olhar, não para Rússia ou China, mas para o ocidente (enquanto estiver em
New York, bastará olhar em
volta).
Terceiro,
ao falar do sofrimento das criancinhas sírias, por que o Sr. Cameron não inclui
também o sofrimento das criancinhas iugoslavas assassinadas em 1990, sob os
bombardeios da OTAN? Por que não inclui também os milhares de criancinhas
iraquianas e afegãs assassinadas na agressão ocidental, na qual os britânicos
foram muito ativos, menos ativos, só, que o patrão deles? Por que não lembrou
dos Marines ocidentais que massacraram a Líbia, massacre que levou a
atrocidades em massa contra os partidários de Gaddafi? A lista é
infindável.
Verdade
é que nem todos esses crimes parecem ter ensinado coisa alguma ao Sr. Cameron e
seus amigos. A invasão do Iraque levou o país ao total caos. A invasão do
Afeganistão não apenas indispôs 99,99% dos afegãos contra o ocidente, como
afastou um antigo aliado que o ocidente sempre mantivera na região: o Paquistão.
A “Primavera árabe” que tanto entusiasmo provocava há pouco mais de um ano, já
volta hoje, como chicote, sobre o lombo do ocidente, de um modo que o ocidente
preferiria jamais ter conhecido.
Pois
mesmo assim, ao mesmo tempo em que lamenta “os sofrimentos das criancinhas
sírias” (sofrimento que, em grande parte, é efeito direto da intervenção
ocidental), o ocidente, sob o pretexto liberal tolo de alguma “liberdade de
expressão”, insiste na decisão de permitir que os instigadores de violência
continuem ativos, jogando mais gasolina no incêndio que já arde em todo o mundo
muçulmano.
Ao
referir-se ao “sofrimento das criancinhas”, o Sr. Cameron apresenta-se como Ivan
Karamazov, que rejeitou a harmonia universal movido por uma lágrima infantil.
Mas, de fato, a alusão é muito reveladora: Ivan Karamazov usou o argumento da
“lágrima de criancinha” para tentar induzir Smerdyakov a assassinar
Karamazov-pai. E se for esse o plano do ministro
britânico?
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