2/10/2012, MK Bhadrakumar*, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
A
cidadela do Ocidente no espaço pós-soviético está caindo – a Geórgia. Bem triste
epílogo, esse que agora se escreve, à história épica dessa “revolução
colorida”.
Mikheil Saakashvili |
Os resultados da eleição para o Parlamento da Geórgia
[1] na 2ª-feira
exibem surpreendente resultado, segundo o qual o presidente Mikheil Saakashvilli
(MS) sofreu exatamente o que se conhece como derrota acachapante. MS foi levado
ao poder num golpe cuidadosamente arquitetado de “mudança de regime” em 2003,
que, no léxico ocidental, atende pelo nome de “Revolução Cor-de-rosa”
[2].
OK.
Agora a maré virou. A coalizão de oposição, “Sonhadores” [orig.
Dreamers], conquistou nada menos de 110 das 150 cadeiras do Parlamento. O
sistema georgiano foi tão claramente construído para dar integral poder ao
primeiro-ministro, com ainda mais autoridade depois da reforma de 2013, que,
agora, lá estará primeiro-ministro muito poderoso e da oposição política ao
governo “colorido” anterior. Pelos próximos meses, até 2014, MS terá de
arrastar-se como pato manco.
Muito
mais significativo, contudo, é que os “Sonhadores” são liderados pelo magnata
bilionário Bidzina Ivanishvilli. A riqueza não é o mais importante. O que
realmente importa é como Bidzina Ivanishvilli fez sua imensa fortuna. Em termos
simplificados, pode-se dizer que toda aquela riqueza foi “ feita” nos dias de
glória do início dos anos 1990s,
quando Boris Yeltsin vendia na bacia das almas as vastas riquezas russas, e
apresentava os russos às infinitas possibilidades do capitalismo de rapina dito
“neoliberal” . Isso posto, os oligarcas deitaram e rolaram enquanto brilhava o
sol e também depois que o sol se punha – e, entre eles, Bidzina
Ivanishvilli.
Bidzina Ivanishvili |
Sabe-se
que o presidente Putin entende-se às mil maravilhas com Bidzina
Ivanishvilli.
Moscou tem dado sinais de máximo entusiasmo com as
imagens que chegam por televisão, de Tbilisi [3].
Washington
não apreciará e ficará muito incomodada se acontecer de Moscou voltar a
controlar os cordões em Tbilisi, outra vez, como antes. A Geórgia é peça vital
no jogo geopolítico miúdo que está sendo disputado no espaço pós-soviético entre
Washington e Moscou. E não se deve esquecer que tudo isso acontece quando a
temperatura cai cada dia mais nas relações EUA-Rússia [4] – como se vê pela decisão de Moscou
de expulsar do país os grupos da USAID.
A
rivalidade EUA-Rússia está em visível erupção por todo o coração da Eurásia, já
contagiando as periferias. Putin está promovendo seu projeto de uma União
Eurasiana e os EUA trabalham para que o processo seja o menos bem sucedido
possível.
Vladimir Putin |
Os EUA estão empurrando a influência russa nas capitais
da Ásia Central para o norte do Afeganistão; a Rússia está-se inserindo, ela,
dentro do bastião da influência norte-americana ao sul do Afeganistão – no
Paquistão. Não importa que Putin tenha adiado a visita ao Paquistão. O
comandante do exército paquistanês, Asfaq Kayani tem visita marcada a Moscou, e
o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov fez agradável
surpresa aos líderes civis do Paquistão [5], ao desembarcar lá, sem cerimônias, para explicar
cordial e diretamente ao presidente Asif Zardari os motivos pelos quais Putin
não pudera ir.
O espetáculo que se desenrola, pois, ante os olhos do
mundo, agora, na Geórgia, é suspense de primeiríssima qualidade. Mas será tudo
assim tão simples? Bastará à Rússia simplesmente declarar que ‘controla a
Georgia’? Os “Sonhadores” são ambiciosos e parecem interessados em expandir os
interesses georgianos [6] negociando com firmeza e barganhando sem tréguas,
simultaneamente, com o ocidente e com a Rússia. (Por falar nisso: Bidzina
Ivanishvilli tem dupla cidadania, russa e francesa).
Mikhail Yanokovich |
É
exatamente o que outro presidente ‘'pró-Rússia'’, o ucraniano Mikhail Yanokovich,
também está fazendo, depois de já ter deslocado os revolucionários ‘coloridos’
que controlavam o governo de Kiev.
Por menor que seja, nenhum país passa incólume pela
experiência radical de viver como estado soberano. Ninguém jamais imaginaria que
país minúsculo, como o Tadjiquistão, com população de cerca de 5 milhões, se
ergueria contra os desejos da grande Rússia na questão de uma base militar russa
[7]. Além disso, a localização estratégica da Geórgia é e
sempre será fator crucialmente importante. Os oleodutos e a segurança
energética; a expansão da OTAN; o sistema dos mísseis de defesa dos EUA; a
projetada rota de passagem para o Afeganistão (contornando Rússia, Irã e
Paquistão); a militância islâmica no norte do Cáucaso; a questão iraniana; as
bases militares no Mar Negro – e esses são só alguns dos temas cuja discussão
inclui necessariamente a Geórgia, de um ou de outro modo, como “parceiro
indispensável” dos EUA para o século 21.
Em
resumo, Washington não facilitará. Não deixará que Bidzina Ivanishvilli tombe
desprotegido no abraço do urso. Nem o urso afrouxará o (re)abraço, ou dormirá no
ponto a ponto de deixar que a águia capture a Geórgia pela segunda vez. O mais
provável é que Bidzina Ivanishvilli busque a solidariedade do Movimento dos Não
Alinhados, MNA.
Notas de
rodapé e dos tradutores
[1] 2/10/2012, ITAR-TASS Agency, em: “Georgian opposition may get
110 seats in Georgian parliament”
[2]
A “Revolução das Rosas”, conhecida, no “grupo” das “revoluções coloridas”, como
“Revolução Cor-de-Rosa” foi mudança de regime na Georgia, em novembro de 2003,
que sobreveio depois que surgiram denúncias de fraudes em eleições parlamentares
nacionais. Fonte significativa de fundos para a “Revolução Cor-de-rosa” foram as
várias ONGs e fundações do grupo do bilionário húngaro norte-americano George
Soros. A “Fundação para a Defesa das Democracias” divulgou depoimento de
parlamentar georgiano, em que conta que, nos três meses que antecederam a
“Revolução Cor-de-rosa”, “Soros
gastou $42 milhões diretamente para derrubar Shevardnadze”.
Falando em T'blisi em junho de 2005, Soros disse que:
...estou
muito satisfeito e orgulhoso com o trabalho da Fundação, que preparou a
sociedade georgiana para o que, em seguida, converteu-se em “Revolução
Cor-de-Rosa”, mas a mídia exagerou muito a participação do meu pessoal.
(Ver
“1/6/2005, NewMax.com, em: “Soros
Downplays Role in Georgia Revolution”).
Resultado
dessa “mudança de regime”/golpe, o presidente Eduard Shevardnadze foi forçado a
renunciar dia 23/11/2003 (mais sobre isso em “Rose
Revolution”).
[4] 21/9/2012, RiaNovosti, em: “Due West: Confident
Putin Buries Reset”.
[6] 2/10/2012, ITAR-TASS
Agency, em: “Georgian opposition will
continue course towards integration with EU &
NATO”
[7] 29/9/2012, Novinite.com,
em: “New Deal on Russian
Military Base in Tajikistan Faces Delay”
MK
Bhadrakumar* foi
diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União
Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão,
Uzbequistão e Turquia. É especialista em
questões do
Afeganistão e
Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações,
dentre as quais The
Hindu, Asia
Online e Indian Punchline. É o
filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista,
tradutor e militante de Kerala.
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