18/2/2013, Russia Today [vídeo]
Entrevista traduzida pelo pessoal
da Vila Vudu
Russia
Today (RT): Bom dia, e muito obrigado por nos receber.
Para começar, quero felicitá-los pela vitória. Gostaria de saber como passou a
noite? Teve tempo para dormir o descansar um pouco?
Rafael
Correa: Obrigado
a RT e, através de RT, vai meu abraço a toda a América Latina e a todo o mundo.
Nesse trabalho, não há muito tempo para descansar. Chegamos em casa à 1h da
manhã. Faço o possível para não perturbar a vida cotidiana de minha família.
Então, às 7h levo meus filhos à escola e dali vou para o Palácio, continuar
trabalhando. Temos cansaço acumulado. Já estamos habituados.
RT: As pesquisas previam 60% dos votos.
Acertaram.
Rafael
Correa: É,
foram bem precisas, porque havia indecisos. Temos alguma experiência... Tínhamos
62-61%, mas havia cerca de 20% de indecisos, os que não se haviam decidido por
proposta forte como a nossa; o mais provável é que escolhessem outros setores
políticos. Assim, sabíamos que os números poderiam ser menores. Seja como for,
começamos a campanha com 52%. Nosso objetivo era não perder nenhum desses votos.
Começamos a subir e chegamos a 57-58%. Só tenho a agradecer ao povo
equatoriano.
RT: Mas
não houve nervosismo. Nenhum presidente do Equador fez o que o senhor fez. E,
seja como for, nenhum se manteve no poder durante todo o mandato.
Rafael
Correa: Algum
nervosismo sempre há. Trabalhamos, na campanha, como se não tivéssemos nenhum
voto. Foram 32 dias muito intensos de campanha, fiquei sem voz, mas foi uma bela
campanha, bastante bem coordenada, con mensagem profunda. Tudo funcionou quase
perfeitamente: equipe de campanha, organização política, autoridades,
militantes, os comitês da Revolução Cidadã, que são grupos de cidadãos que se
organizam para dar apoio a essa revolução. E aí estão os resultados. São
resultados contundentes. E insisto: só tenho a agradecer ao nosso povo. Claro,
também, que mantenho o compromisso de não falhar com os equatorianos.
RT: O
senhor diz que foi uma bela campanha. Mas o senhor criticou os meios eletrônicos
e há boatos de que a CIA prepara um golpe para desestabilizar o Equador. De que
se trata, exatamente?
Rafael
Correa: Foi
uma bela campanha, de nossa parte, porque foi campanha com alegria, com música,
com um programa muito bem elaborado de governo, resumido em 10 eixos, com 35
propostas muito concretas. Sinceramente, é o melhor plano de governo da história
do Equador. Mas, sim, enfrentamos campanha suja, na qual intervieram serviços de
inteligência daqui e do exterior. Parte dos nossos opositores, os menos éticos,
são militares da reserva, com experiência em inteligência, os quais, quando não
conseguem vencer nas urnas, trabalham para destruir a moral, agridem a família,
agridem a honra de amigos nossos. Tivemos, sim, algumas
dessas patrañas e, sim, foram organizadas, principalmente, pelas redes
sociais. Graças a Deus o povo equatoriano soube ignorá-las. A CIA também...
falou-se, mas nada foi provado, que haveria 87 milhões de dólares para financiar
a oposição, com o objetivo de desestabilizar o Governo, para impedir que
vencêssemos e, no caso de vencermos, como aconteceu, para nos desestabilizar.
Não se pode nem confirmar nem desmentir essas denúncias gravíssimas, sem
investigação muito mais profunda.
RT: Sua
imagem não foi abalada durante a campanha?
Rafael
Correa: Não.
Mas sem dúvida houve campanha suja. E a campanha de sempre, de alguns veículos ,
que tomam partido e não faz o trabalho de informar (...).
RT: Em
2010, houve aqui uma tentativa de golpe de Estados, que ninguém previu naquele
momento. Deve-se esperar algo parecido agora? Provocação
semelhante?
Rafael
Correa: Não se
pode excluir completamente o risco. Olhe à volta: o contexto daquele golpe de
Estado foi a imprensa desinformando... E a oposição política, que se diz
democrática, foram os primeiros a apoiar os golpistas, pediram a renúncia do
presidente – o mais violentamente agredido. Tomaram medidas para desestabilizar
o governo. E agora, na campanha, proclamavam o quanto respeitam a Constituição.
Evidentemente, não se pode excluir o risco da imprensa corrupta – porque também
há melhor imprensa –, a imprensa que nada tem de ética, a mesma imprensa que já
não tem poder para impor e derrubar presidentes. Ontem, ficou demonstrado. Mas,
sim, aquela imprensa corrupta ainda tem capacidade para provocar grande dano.
Sempre podem difundir alguma outra mentira, que, sim, pode nos prejudicar muito.
Por isso, não se exclui essa possibilidade. Temos de nos manter muito atentos,
sempre, a essas tentativas de desestabilizar governos eleitos.
Grande
parte do que houve dia 30/9/2010 aconteceu porque a imprensa informou mal, disse
aos policiais e militares que perderiam benefícios, salários, até as medalhas...
De fato, foram canceladas várias dessas coisas, que, em seguida, foram
unificadas em salário muito maior. Mas isso, precisamente, a imprensa não
informou. Enganaram muita gente. E, sim, podem criar outra vez clima semelhante.
É preciso atenção extrema.
RT: Seu
opositor nessas eleições, Guillermo Lasso, que alcançou 24% dos votos, disse que
o senhor é o presidente dos ricos.
Rafael
Correa: Eu?!
Considero Guillermo Lasso homem inteligente e não acredito que tenha dito tal
coisa. Até que o ouça dele mesmo, dou-lhe o benefício da dúvida, porque seria a
mais rematada tolice que Lasso jamais disse. E, afinal, não chegará aos 24%.
Faltam alguns votos.
RT: Mas há
quem diga também que algumas reformas feitas no país, reformas tributárias, por
exemplo, funcionam em benefício só dos ricos. O que o senhor tem a
dizer?
Rafael
Correa: Que
reforma tributária beneficiou só os ricos? [risos]
RT: Foi o
que disseram os opositores.
Rafael
Correa: A
única proposta de todos os demais candidatos foi reduzir impostos. Porque, pela
primeira vez no Equador, os ricos pagam impostos. A evasão ficou impossível.
Antes, eles nem se preocupavam se os impostos eram altos ou baixos, porque não
pagavam imposto algum, sonegavam e nada lhes acontecia. Por isso, agora que a
sonegação e a evasão ficaram impossíveis, e a proposta de eliminar todos os
impostos foi derrotada nas urnas, já duas vezes. Mas os ricos nunca pagaram
impostos e agora pagam. Duvido, sinceramente, que Guillermo Lasso, pessoa
inteligente, tenha dito tal barbaridade. Em todo o caso, é extremamente claro
quem é o candidato das elites no Equador.
RT: Ano
passado, houve muita polêmica em torno do caso de Julian Assange. Quais os
objetivos do Equador, quando decidiu dar-lhe asilo?
Rafael
Correa: Que
polêmica? Por que teria havido polêmica? Da próxima vez que a Suécia, onde vivem
muitos asilados latino-americanos, decidir dar asilo a alguém, também haverá
‘polêmica’? Na minha opinião, há, nessa história, muito de neocolonialismo. Esse
governo, esse presidente e esse país não aceitarão essas manobras. Não temos de
pedir licença a ninguém para exercer nossa soberania. É figura definida, bem
claramente, no direito internacional. O Equador exerceu a própria soberania, nos
termos do Direito Internacional, e não devemos explicações a ninguém, nem temos
de pedir desculpas, nem de pedir autorização a seja quem for.
Na
prática, toda a solução da questão Julian Assange depende hoje da Europa. Se,
amanhã, a Grã-Bretanha lhe dá o salvo conduto, acaba o problema. Se a Suécia o
interrogar, como a lei sueca admite – e ninguém aqui fez qualquer coisa para
impedir a marcha da justiça sueca. É bom esclarecer, porque, também aqui, não
faltou informação errada –, por vídeo, como pode fazer; se enviar um Promotor à
Embaixada do Equador em Londres, como também pode fazer, acaba a confusão.
Assange foi convocado para interrogatório. Não há, sequer, acusação formal
contra ele, de coisa alguma. Se o advogado do Sr. Assange nas cortes europeias,
o Dr. Baltasar Garzón, obtiver autorização para que o asilado deixe a Embaixada
do Equador em segurança, acaba-se a questão. Agora, tudo depende da Europa. O
Equador fez o que tinha de fazer, no exercício de sua soberania. Não pedimos nem
vamos pedir licença a seja quem for. Não devemos desculpas a ninguém, nem
explicações. País algum jamais pediu desculpas a alguém, por exercer a própria
soberania.
RT: Sim,
mas parece que Julian Assange está convertido em prisioneiro eterno.
Não vejo saída para essa situação...
Rafael
Correa: Nesse
caso, diga isso à Europa... Toda a solução está em mãos de países europeus:
Grã-Bretanha, Suécia, as Cortes europeias.
RT: E
quando o senhor supõe que se resolverá isso?
Rafael
Correa: Amanhã,
se a Grã-Bretanha quiser resolver. Mas há aí muita soberba, muita arrogância,
muito de neocolonialismo. Querem de nós demos explicações por conceder um asilo?
Como assim? O que significa isso? E querem também que revertamos decisão já
tomada. Não o faremos. Nunca.
RT: O
senhor acredita, como o próprio Julian Assange, que pode acontecer de ele ser
extraditado para os EUA, não para a Suécia?
Rafael
Correa: Bem...
Havia alta probabilidade. O caso do Sr. Assange foi estudado detidamente,
durante várias semanas, aqui no Equador. Entendemos que aquele pedido de asilo
tinha fundamento e concedemos o asilo.
RT: Digamos
que, ontem, não foi noite só de sua vitória, que foi uma pequena vitória também
para Hugo Chávez, que voltou à Venezuela. O senhor foi dos primeiros a visitá-lo
em Cuba e dedicou sua vitória também a Hugo Chavéz. O que sabe de seu estado de
saúde e quanto imagina que possa voltar às suas funções?
Rafael
Correa: Bem,
estive com ele antes da operação, sem dúvidas operação delicada, mas quem o
visse, sem saber da doença, diria que estava perfeitamente normal, com bom
ânimo, muito bom aspecto. Mas, sim, que se tratava de operação delicada, todos
sabíamos. A notícia que temos é de que se está recuperando. Excelente notícia,
que tenha podido voltar à sua amada Venezuela. Ama Cuba, mas a Venezuela é sua
pátria, a terra natal, e estou certo de que estar em casa será o melhor remédio
para a rápida recuperação de Hugo. Desejo-lhe rápida recuperação. Que não seja
cabeça dura. Das primeiras coisas que fez, depois de agradecer à Venezuela, foi
mandar-me felicitações... Ele agora tem de não pensar, por uma semana, no que
acontece na América Latina e concentrar-se na recuperação.
RT: O
senhor acredita que a recuperação seja possível?
Rafael
Correa: Não
sei. São desejos. Não sei se realizarão.
RT: Digamos,
no caso de que Hugo Chávez não possa voltar às funções de antes. O senhor está
disposto a assumir papel mais importante na América Latina?
Rafael
Correa: Sempre
me fazem essa pergunta e, com todo o respeito, o que mostra é desconhecimento do
que se passa na América Latina. Quem aqui está buscando algum protagonismo? Hugo
tem liderança natural.
RT: Mas a
questão existe, na arena internacional. Vê-se como…
Rafael
Correa: Há
alguns fatos, há práticas, mas ninguém busca ascensão continental. Essas coisas
não funcionam assim, entre nós: se vou ser novo líder depois de Hugo, mas Hugo
está aí e continua. Então eu seria o vice-líder. Nada disso funciona assim,
aqui. Estamos aqui para servir o povo, ninguém está procurando... E falo por
mim, por Cristina, por Evo, por Hugo, por Dilma, por todos os coordenadores
desse processo de mudança histórica na nossa América Latina. Nenhum de nós busca
poder para si, nada queremos para nós; queremos tudo para os nossos povos.
Estaremos onde o povo mais necessite de nós, como o mais humilde dos cidadãos,
como qualquer operário que constrói a pátria todos os dias, o camponês ou o
presidente da República, mas sempre para servir ao povo, sem ambições pessoais
RT: Barack
Obama foi reeleito. Hugo Chávez também, e o senhor, essa noite. Todos os atores
chaves nesse hemisfério mantêm as respectivas posturas. Até que ponto, com os
mesmos jogadores, pode mudar a situação no continente?
Rafael
Correa: Mudar
em que sentido?
RT: No
sentido das mudanças que esse bloco queria. Para a Revolução Cidadã, por
exemplo.
Rafael
Correa: Entendo
que o presidente Obama seja boa pessoa, mas Infelizmente nada mudou na política
externa dos EUA. A moral dupla prossegue. Insistem em dar-nos aulas de Direitos
Humanos e tal, e mantêm as torturas em Guantánamo. Se os grandes ditadores por
aqui, os mesmos que massacram sua gente, se são aliados incondicionais dos EUA,
viram grandes democratas, e são promovidos, dão-lhes emprego e os põem a dar
aulas em Washington. E presidentes totalmente democráticos, você viu, ontem,
como esse que aqui lhe fala, que dá a vida em defesa dos direitos humanos de
seus cidadãos, se não somos seguidores incondicionais de Washington, somos nós,
os ditadores, os que atentamos diariamente contra a liberdade de imprensa,
contra as liberdades fundamentais. Isso, infelizmente, não mudou. Repito que o
presidente Obama parece ser bom ser humano, boa pessoa, mas a política externa
dos EUA, sobretudo para a América Latina, absolutamente não mudou. E tem de
mudar, porque essa dupla moral é inaceitável.
RT: Depois
de vencer as eleições, o senhor disse que sua meta é que a Revolução Cidadã seja
irreversível. Mas que passos devem ser tomados para que assim seja?
Rafael
Correa: Temos
de acabar de consolidar a nova instituição do Estado. O ponto de partido é mudar
as relações de poder. O problema da América Latina sempre foi as elites
dominantes. Nunca foram elites progressistas, modernizadoras, que trabalhassem
para o bem comum. Foram elites que se apropriaram dos frutos do progresso
técnico e apropriaram-se deles de forma excludente, para ter seus bairros
exclusivos – num dos quais mora o Sr. Lasso, que diz que eu representaria as
elites.
A
senhora, se quiser entrar no condomínio onde mora o Sr. Lasso, onde há lagos
artificiais, precisa ter um cartão magnético de identificação. Eu não entro,
porque sou escurinho. Para ter esses bairros exclusivos, emparedados, para ter
suas escolas exclusivas que nem por isso são as que dão melhor educação, mas são
tão caras que só os ricos podem frequentá-las... E os ricos casam-se entre os
ricos. Para casar ‘bem’ também os filhos e perpetuar a linhagem e a dominação.
Eles têm seus clubes exclusivos... Esse é o tipo de elite que manobrou a América
Latina. São os poderes que manobraram nossos países, que se traduziram em
estados aparentemente burgueses, de fato, aristocráticos, que representam um
poucos, bem poucos, excluindo as grandes maiorias. A Revolução Cidadão implica,
basicamente, mudar essa relação de poderes com vistas a atender os cidadãos, em
função das imensas maiorias, em função do ser humano, antes do capital. Porque o
capital também nos dominou como está dominando na Europa, vale lembrar. E
converter esses estados só aparentemente burgueses em estados integrais,
populares, que nos represente todos e todas.
Já
avançamos muitíssimo, mas tudo ainda pode ser perdido. Essa é a mensagem do povo
equatoriano, nessa reeleição. Temos de tornar irreversíveis as mudanças que já
alcançamos nas relações de poder, para que, no Equador, os cidadãos, os seres
humanos continuem a governar como governam hoje. Para que nunca mais voltem a
governar, aqui, os banqueiros, os meios corruptos de comunicação, os países hoje
hegemônicos, as burocracias internacionais como o FMI e – ainda pior – muito
especialmente, o capital financeiro – todos os agentes que dominavam e
governavam o Equador, antes da Revolução Cidadã.
RT: Trata-se
também, um pouco, de mentalidade. Quanto mudou a mentalidade das pessoas, nesse
sentido?
Rafael
Correa: Mudou
muitíssimo. A senhora dizia, antes da entrevista, que não conhecia o Equador,
que só conheceu o país esse ano. Mas se tivesse vindo há seis anos, não havia
estradas, não havia bons serviços públicos, não havia nada. Recebemos um país
destroçado. Mas, mais importante que as estradas, as escolas, os hospitais, as
represas, os portos e aeroportos, é a mudança na mentalidade dos equatorianos.
Nos haviam castigado tanto, uma oposição com líder político medíocre, uma
imprensa que, para nos controlar, roubava-nos qualquer esperança, nos convencia
de que éramos os mais inúteis, mais corruptos, mais preguiçosos seres do
planeta. Tanto nos bombardearam com esse discurso, que se pode definir a
situação, antes, como o país da desesperança.
Essa
é a maior mudança que observo: vê-se que as pessoas estão motivadas, orgulhosas
do que se faz em sua terra, sentem-se representadas pelo próprio Governo,
recuperaram a autoconfiança. É o essencial para seguir adiante, mais importante
que as estradas e a infraestrutura reconstruída: a atitude das pessoas. E essa
atitude mudou radicalmente. Mudança de 180 graus.
RT: Mas
têm também muita confiança no senhor e em seu governo. Sua
popularidade é incrível e continua crescendo. A que se deve isso, depois de
tantos anos de governo?
Rafael
Correa: É como
diz Cristina Fernández [de Kirchner]: são processos inéditos na América Latina.
Antes, na América Latina, um governo vencia eleições com 52% dos votos. Em um
ano, o apoio popular despencava para 15%, quer dizer, o desgaste no exercício do
poder era muito rápido. Agora é o contrário: o apoio popular consolida-se. Uma
das explicações, de nossa querida amiga Cristina Fernández de Kirchner,
presidente da Argentina, é que, afinal, os governos se parecem com o povo.
Antes, eram governos que queriam imitar estrangeiros, obedeciam a interesses
estrangeiros, falavam espanhol, mas pensavam em inglês, quando pensavam. Hoje
temos governos honestos, que trabalham, que cometem erros, mas são dedicados,
sacrificam-se, amam o país como o amam os que os elegem para representá-los. As
pessoas, afinal, sentem-se representadas pelos governos.
RT: Que
visão o senhor tem para o Equador dentro de quatro anos? Como vê o
país?
Rafael
Correa: Quando
sair, quero deixar um país. Obviamente, não conseguiremos resolver todos los
problemas. Mas somos o país que mais reduz a pobreza na América Latina; somos o
país que mais reduz a desigualdade, e a América Latina é a região mais desigual
do mundo. Somos uma das três economias que mais crescem. Somos a economia com
menor taxa de desemprego, 4,1%. Mas, apesar de todos esses sucessos, não
conseguiremos, nos próximos quatro anos, resolver todos os problemas. Ainda
haverá pobreza, desemprego, desigualdade.
O
importante é deixar o país posto, irreversivelmente, na trilha rumo à justiça
social, ao desenvolvimento, na trilha desse conceito que propusemos ao mundo – o
conceito do buen vivir bom viver. Para isso, como já disse, o básico é
mudar as relações de poder: que o Equador seja governado pelo povo do Equador,
não por banqueiros, não por empresas jornalísticas, não por países estrangeiros.
Que, no Equador, o ser humano domine. Não o capital.
RT: Senhor
presidente, tenho uma pergunta. Chegamos ao Equador há, mais ou menos, uma
semana. Conversamos muito pelas ruas, com gente que o apoia. Mas também há quem
diz que a pobreza caiu, se não me engano, em torno de 7%. Mas, hoje, há mais
gente, que antes, que recebe a ‘bolsa pobreza’. Queria, por favor, que o senhor
explicasse.
Rafael
Correa: É o
argumento que a imprensa inventou. É tão infantil. Quem diz que o Equador é o
país que mais reduziu a pobreza não é o meu governo: é a ONU. Não são
indicadores locais. São números da Comissão Econômica para a América Latina,
CEPAL, da ONU. Para desmentir esses números, inventaram um argumento infantil.
Hoje
transferimos dinheiro para os mais pobres, principalmente para mães que
trabalham em casa, as mais pobres da população. Quando chegamos ao governo, eram
1.200.000; hoje, são cerca de 1.900.000. A imprensa olha esses números e
conclui: a pobreza aumentou... Ninguém jamais considera que as estatísticas eram
precárias, que a base era errada. Nós corrigimos a base. Incluímos cerca de 400
mil mães excluídas e retiramos da base 200 mil que não deviam estar lá. De fato,
foram incluídos novos 200 mil que recebem o auxílio-pobreza. Nos depuramos,
corrigimos a base. A imprensa ‘interpreta’ que há, hoje, mais pobres... Dia
seguinte, não há estatísticas de tuberculosis. Construímos a pesquisa e a
estatística. Descobre-se que há 20 casos de tuberculose. A imprensa ‘noticia’:
“Aumentou a tuberculose”. Nada disso. Hoje já temos estatísticas. Mas... que
absurdo! Antes, o auxílio-pobreza não era dado aos portadores de necessidades
especiais. Agora, com as políticas de vanguarda que se desenvolvem no Equador,
cerca de 150 mil deles já recebem essa transferência monetária, que é de 50
dólares. Antes, os idosos não recebiam o auxílio, nem tinham direito a
aposentadoria. Dos 700 mil idosos sem aposentadoria que temos no Equador, 500
mil já recebem a transferência monetária.
Some
tudo e terá os quase 2 milhões de auxílios que distribuímos. Para os gênios da
mídia, significa que a pobreza aumentou. Merecem o Prêmio Nobel de Economia.
Veja o nível de oposição e os jornais, jornalistas e redes comerciais de
comunicação que temos de enfrentar aqui... A pobreza, aí sim, parece, sem
remédio: pobreza intelectual e ética.
RT: O
senhor disse também que é seu último mandato. Que se vai, depois desses quatro
anos. Não imagino uma pessoa como o senhor, deixando serviço por terminar. Mas é
impossível terminar todas essas mudanças em quatro anos.
Rafael
Correa: Sim,
mas também há outros que podem continuar construindo a patria nueva.
Veja... fui imerecidamente feliz em todas as etapas da minha vida. Antes de ser
presidente, estive, toda a vida, na Universidade. Era feliz dando aulas, de
tênis, jeans, camiseta. E também fui muito feliz na presidência, cuidando de
fazer o melhor possível pelo meu povo. Quando me aposentar, se Deus quiser,
também serei feliz com minha família; Devo muito à minha família, cuja vida
familiar foi muito gravemente perturbada, porque, eu na presidência, minhas
filhas perderam privacidade, têm de andar com seguranças, recebem ameaças, ouvem
campanhas horrendas de difamação, realmente repugnantes. Então, devo esse tempo
à minha família.
E
também, como a senhora já disse, minha presença é forte demais. Com certeza não
perturbarei a existência de quem venha depois de mim, se continuar na política.
É o que menos desejo.
Temos
sido muito cuidadosos na preparação de quadros, que venham os novos quadros.
Depois desses quatro anos, penso retirar-me, não só da presidência, mas também
da vida pública.
RT: O
senhor mencionou sua família. Dizem que leva seu filho à escola.
Rafael
Correa: Sim.
Hoje cedo, deixei os dois na escola.
RT: Hoje,
um dia depois da reeleição? E como encontra tempo para...
Rafael
Correa: Sou
rápido. Retomar a vida normal, na medida do possível. Porque, não se engane,
tudo isso altera a vida. Minha família não mora aqui no Palácio. Continuamos na
mesma casa de classe média, ao norte de Quito. Mas foi preciso instalar
segurança, sistemas de vigilância... Tudo isso atrapalha. Minha esposa, minhas
filhas, têm de ter um séquito de agentes de segurança. Há quem goste, mas, para
mim, essa é uma das partes mais difíceis da presidência: ter de viver cercado de
seguranças, a sensação de perigo sempre iminente, nenhuma privacidade. Além dos
que vivem para justificar o próprio ódio: “Correa, odeio você.” E põe-se a
inventar ataques, até que ... “Ah, já entendi porque odeio você: porque você fez
tal coisa...” Têm sempre de provar algum mal, para justificar o ódio. Nada é
mais terrível que isso!
RT: Muito
obrigada, presidente, pela entrevista e pela atenção. E, mais uma vez,
desejo-lhe felicidades.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.