25/2/2013, Rick Perlstein, The Nation
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Havia
gente prevendo uma noite política de Óscar. “Esse ano a disputa pelo Óscar for
politizada a um grau incomum” – escreveu o Washington Post, na véspera da
cerimônia, citando o prêmio negado a Kathryn Bigelow como Melhor Diretor, depois
de os senadores Senators McCain, Feinstein e Levin’s terem protestado
furiosamente, dizendo que A hora
mais escura teria falseado o papel
da tortura na execução de Osama bin Laden; e toda conversa tola sobre Lincoln como parábola útil da imperativa
necessidade dos os dois partidos se entenderem; e também o fato de Argo ter sido lançado, em Washington, na
embaixada do Canadá. Falta muito, ainda, antes de que se possa chamar isso, de discussão
política.
O WPost não disse que o verdadeiro potencial para
celebração política, noite passada, estava na categoria de documentários. Dois
filmes, The Gatekeepers e 5 Broken Cameras, criticavam as
políticas israelenses na Palestina ocupada. Semana passada, o palestino
co-diretor de Câmeras foi detido com a família no aeroporto de Los
Angeles, ameaçado de ser deportado, mesmo depois de exibir seu convite para
participar da cerimônia do Óscar aos agentes de fronteira, provando seu direito
de estar nos EUA. A história foi divulgada por Michael Moore – e não é difícil
imaginar o que aconteceria se um desses filmes fosse premiado, momento que
poderia equivaler a outro, em 2003, quando Moore usou a ocasião de sua vitória,
com Tiros em Columbine, para
mostrar George W. Bush escondido em sua toca.
Ben
Affleck entrega o Óscar de "melhor documentário" a Malik
Bendjoullel por Searching
for Sugar Man |
“Vivemos
num tempo em que resultados fictícios bastam para eleger um presidente fictício”
– disse ele. – “Vivemos num tempo em que um homem nos manda morrer na guerra por
razões fictícias”.
Mas
nenhum daqueles documentários venceu – nem o brilhante relato do ativismo anti
AIDS de ACT UP, How To Survive a
Plague, o que também teria apimentado as coisas. O documentário premiado
foi Searching for Sugar Man (sobre o qual nada sei). O New York Times escreveu que seria “documentário imensamente
sedutor sobre fãs, fé e um enigmático músico da Era de Aquário, que luziu,
luminoso e cheio de esperanças, antes de sumir”. Tudo bem, mas... pouco
político.
O
documentário norte-americano mais importante do ano – Queen of Versailles, que muito
sutilmente denuncia nossa cultura de ganância e cobiça, poderia ser guardado
numa cápsula do tempo, para que norte-americanos do futuro consigam entender o
quanto os EUA de 2012 estavam enlouquecidos, a ponto de o filme sequer ter sido
indicado ao prêmio.
A
única coisa política na cerimônia da noite passada, de fato, foi a ofensa a
várias mulheres presentes, que todos tivemos de suportar, com Seth McFarland
fazendo piadas e gestos sobre peitos e abuso doméstico de
mulheres.
Claro
que houve tempo em que as coisas foram diferentes. Antes de Michael Moore, houve
Marlon Brando, o qual, solidário com o ataque armado contra ativistas do
Movimento Índio Norte-americano por federais, depois que tomaram a cidade de
Wounded Knee, South Dakota, enviou uma índia norte-americana nativa, de nome
Sasheen Pena Pequena, para rejeitar, em seu nome, o prêmio de melhor ator
(em O poderoso
chefão).
E
houve também o Óscar de 1975,
a noite de
premiação mais bizarramente política de toda a história.
No
final de 1974, um diretor, de nome Peter Davis, exibiu um documentário
chamado Hearts and Minds por alguns dias, num cinema de Los Angeles,
o suficiente apenas para que pudesse concorrer ao Óscar do ano. O documentário,
espantoso, pode ser visto a seguir:
Começava
com imagens do desfile em homenagem à volta para casa de George Thomas Coker,
prisioneiro de guerra, que diz à multidão, na escadaria da prefeitura de
Linden, New Jersey, sobre o
Vietnã: “Não fosse o povo, seria bem bonito. O povo lá é atrasado e primitivo, e
estragam tudo”. O general William Westmoreland, ex-comandante das forças dos
EUA, em comentário que o diretor explica que não foi espontâneo, e o general só
aprovou na terceira tomada, aparece dizendo:
Os
orientais não dão à vida o mesmo valor que nós, ocidentais, damos. No Oriente, a
vida vale pouco.
(Corte.
Na tela, uma mãe vietnamita, chora, desesperada, sobre o túmulo do filho.)
Ouvem-se palavras de Daniel Ellsberg:
Nós
não estamos do lado errado: nós somos o lado errado.
O
filme fecha com uma entrevista de um ativista dos Veteranos do Vietnã contra a
Guerra.
Tentamos a todo custo fugir do
que aprendemos no Vietnã . Acho que os norte-americanos esforçam-se
muito para não ver expostos os crimes cometidos por seus oficiais e seus
políticos.
Chovia
gigantesca tempestade do lado de fora do Dorothy Chandler Pavillion, na noite
do Óscar, 8 de abril, apenas 20 dias depois da queda de Saigon, conquistada
pelas forças comunistas do Vietnã do Norte. Dentro do teatro, depois de Sammy
Davis Jr. prestar seu tributo a Fred Astaire, e Ingrid Bergman receber o Óscar
de Atriz Coadjuvante, por Assassinato no Expresso do Oriente, e
Francis Ford Coppola receber o prêmio de Melhor Diretor (um dos seis Óscars de O Poderoso Chefão, Parte II), Bob
Hope começou:
Estou usando smoking com faixa à prova de balas. Sabe-se lá o que
acontecerá se Al Pacino não vencer.
E
Lauren Hutton e Danny Thomas abriram o envelope e anunciaram que o Óscar de
Melhor Documentário do ano ia para... Hearts and
Minds.
O
produtor pegou o microfone e disse:
Ironia
é que estejamos aqui, no momento em que o Vietnã está a um passo de ser
libertado.
E
leu um telegrama, do chefe da delegação norte-vietnamita às conferências de paz.
Ele agradecia ao movimento antiguerra “pelo muito que fizeram a favor da paz”. E
enviava “saudações e amizade a todo o povo dos EUA”.
Nas
coxias, Bob Hope ficou tão alucinado, que correu até o produtor da cerimônia,
exigindo que se desse uma resposta, do palco. Shirley MacLaine, que acabava de
zombar de Sammy Davis, do palco, por ter apoiado Richard Nixon,
gritou:
Não
se atreva!
Telegramas
angustiados, de telespectadores, começaram a chegar ao teatro, e faziam pilhas
nas coxias. Um, de um coronel do exército reformado, dizia: “COM 55 MIL JOVENS
NORTE-AMERICANOS MORTOS EM DEFESA DA LIBERDADE
E MILHÕES DE
VIETNAMESES LUTANDO POR LIBERDADE …EXIJO CANCELAMENTO IMEDIATO DO PRÊMIO”. De volta às coxias, Hope, sempre
alucinado, rabiscou uma nota para que seu co-apresentador, Frank Sinatra, lesse
do palco. Sinatra leu, recebido com aplausos e vaias:
A
Academia diz que não é responsável por atos políticos nesse programa e
lamentamos que tenham ocorrido.
Na
sequência, do fundo do palco, a terceira apresentadora da noite, Shirley
MacLaine, reclamou de Sinatra:
Você
disse que falava em nome da Academia.
Sou membro da Academia
e você não me consultou.
E
o irmão dela, Warren Beatty, gritou para Sinatra e para as
câmeras:
Muito bonito, Frank, “seu”
Republicano velho!
Tome
essa, Washington Post. ISSO é noite de Óscar
político.
Prezado Castor, excelente postagem! Uma dica que talvez seja importante: Existe no YouTube uma versão, muito bem dublada para o português, do extraordinário documentário "Corações e Mentes"! Segue o link: http://www.youtube.com/watch?v=surUke1sYPA.
ResponderExcluirMaurício Porto do blog Ladeiras do Silêncio.
Prezado Maurício
ExcluirNós escolhemos a versão original, mas agradecemos muito sua lembrança. Fica aí o "link" para quem quiser assistir a versão dublada.
Abração
Castor