30/10/2013, TRNN. [*] Gareth Porter entrevistado por
Jaisal Noor
Vídeo - entrevista
(8’33”)traduzida da transcrição pelo pessoal da Vila Vudu
Jaisal
Noor, produtor de TRNN: Bem-vindos à The Real News Network e a mais uma edição de The Porter Report. Sou Jaisal Noor e
falo de Baltimore.
Nessa 3ª-feira, pela primeira vez, uma
família de paquistaneses que sobreviveram a um ataque por drones compareceu a uma audiência do Congresso, no
Capitólio, para depor e testemunhar contra os efeitos devastadores que o
programa dos drones dos EUA teve em sua vida. Presidida pelo
Deputado Alan Grayson da Florida, a audiência acontece num momento em que o caríssimo
programa dos drones do governo
Obama enfrenta críticas de grupos de defensores de direitos humanos e na ONU. O
Gabinete de Jornalismo Investigativo [orig. Bureau
of Investigative Journalism] estima que os ataque de drones já mataram mais de 3.600 paquistaneses.
Em visita a Washington semana
passada, o Primeiro-Ministro do Paquistão, Nawaz Sharif conclamou os EUA a pôr
fim aos ataques no Paquistão.
Então, de repente, aconteceu “algo”:
o jornal
Washington Post noticiou que, segundo memorandos secretos da CIA que
o jornal teria obtido, o governo do Paquistão, embora critique publicamente o
programa de drones dos EUA e a matança de civis, estaria, de
fato, mancomunado com o governo dos EUA e, secretamente, apoiaria o programa de drones.
Nosso entrevistado de hoje diz que,
porque os militares paquistaneses já estavam na mídia contra os drones,
“o vazamento de documentos secretos pela CIA, para o Washington Post, parece evidenciar
um esforço, dos funcionários da CIA para opor-se à decisão do governo Obama de
reduzir ao mínimo a guerra às drogas no Paquistão, ou de abandonar completamente
esse programa...”
Hoje, temos conosco Gareth Porter,
historiador e jornalista investigativo especialista em questões militares e de
política externa. Obrigado por nos receber, Gareth.
PORTER: Obrigado pelo convite, Jaisal.
NOOR: Você
publicou um artigo respondendo a essa matéria muito comentada do Washington Post que surgiu em ocasião muito conveniente, em
que cresce a oposição, internacionalmente, e conduzida por grupos de direitos
humanos, na ONU e também pelo Primeiro-Ministro do Paquistão que esteve nos
EUA. Todos esses exigem o fim dos ataques dos
drones dos EUA. Você
sabe, esse ano os ataques por drones no
Paquistão foram muito reduzidos. Fale-nos um pouco sobre o timing dessa notícia do Washington Post,
ou, de fato, sobre o timing desse vazamento da Agência de Inteligência
Central (CIA) dos EUA, para o Washington
Post.
PORTER: Bem, aí há dois aspectos. Um é o timing de curto prazo. Quanto a isso, é claro que
tudo foi feito para coincidir com a visita de Nawaz Sharif, porque já se sabia
que Sharif diria publicamente que dissera ao presidente Obama que o governo do
Paquistão exige o fim dos ataques de drones.
E, ao
mesmo tempo, me parece, há aí outro timing mais geral, de mais longo prazo, que, como
você já disse, tem a ver com o fato de que o governo Obama está sob forte
pressão na questão da guerra de drones
no Paquistão. E tem havido sinais claros, nos últimos meses, de que o
governo Obama está reconsiderando toda a política da guerra dos drones no Paquistão. Ambos, o presidente Obama e o
secretário de Estado, John Kerry, fizeram já declarações oficiais nessa direção.
E, de fato, John Kerry disse mais recentemente, em agosto, que acreditava que o
presidente tinha planos para pôr fim a tudo isso e que esperava que acontecesse
logo.
Portanto,
é claro para mim que o pessoal da CIA que trabalha na guerra dos drones no Paquistão sentiu-se acuado. Eles temem
que o programa seja extinto. E acho que resolveram resistir. O que vimos nessa
história do Washington Post é um esforço para “virar” a discussão, para
pôr a opinião pública contra alguma decisão do governo para pôr fim ao programa
de drones. Para tanto, estão
declarando que o governo paquistanês não mereceria confiança, nem respeito,
porque seria “hipócrita” ao dizer que o programa tem de acabar.
Tudo isso,
é claro, representa erradamente a verdade da situação, que já conhecemos há bom
tempo. Sabemos há vários anos que, sim, houve um entendimento durante o governo
de Musharraf, pelo qual a CIA dos EUA tinha autorização para usar drones contra a al-Qaeda, e que os militares
aceitavam integralmente essa situação, assim como o governo civil, nos anos
iniciais do programa. E é compreensível, porque, no início, os alvos eram – ou
se supunha que fossem – da al-Qaeda. De fato, é preciso dizer, há inúmeras
provas de erros nos ataques; muitos civis morreram; a inteligência que norteava
os drones era de baixa qualidade ou insuficiente e
houve muitas vítimas civis e inocentes, mortas nos primeiros dois ou três anos
daquele programa.
Mas o
verdadeiro problema surgiu em 2008, quando a CIA convenceu a Casa Branca a expandir a lista
de alvos para incluir, além de membros da al-Qaeda, também “alvos de alto
valor”, predefinidos, no que a CIA chamou de “ataques assinados”, significando
que os ataques seriam dirigidos contra gente considerada do “alto comando” de
organizações terroristas. Esses alvos passaram a ser “selecionados” por simples
suposição de que um ou outro suspeito tivesse algum (no sentido de “qualquer”)
envolvimento não só com a al-Qaeda mas, também, com os Talibã afegãos. Nesse
momento, em que o número de “alvos” foi muito ampliado, aumentou muito, também,
o número de civis mortos nos ataques por drones.
Nesse momento, sim, os militares paquistaneses passaram a opor-se fortemente ao
programa dos drones.
Aí está a
explicação de por que as fontes na CIA conseguiram enganar ninguém menos que
Bob Woodward, jornalista longamente associado ao jornalismo investigativo e que
ainda tem reputação de ser jornalista sério. Temo que, nesse caso, Woodward foi
usado.
NOOR: Mas... Não
se vê aí um sinal de desespero na CIA? Será sinal de que a oposição
internacional pode, afinal, estar tendo algum efeito? Ou o caso é que, sim, o
programa é inefetivo e, por isso, o governo Obama começou a mudar de direção e
a afastar-se dos drones?
PORTER: O quadro é mais complicado. Não há
dúvidas de que a pressão da comunidade internacional, pelo menos pela
publicidade que se deu ao número de civis mortos, teve seu papel. Somou-se à
pressão sobre o governo para que considerasse com mais atenção se o programa é
realmente necessário.
Mas, nessa
discussão, aconteceu também que os ataques de
drones estavam visando,
como já disse, os Talibã afegãos que estavam ou têm base no Paquistão. E,
porque os EUA estão saindo do Afeganistão, não há dúvidas de que o governo
Obama está reconsiderando o programa, se é ou não necessário dar prosseguimento
à guerra combatida no Afeganistão. Aí está boa parte da razão pela qual acho
que o governo está pronto, agora, para dizer que, ora... já não precisamos,
realmente, desse programa.
O ponto
final é que já mataram muitos alvos “de alto valor”, da al-Qaeda. Mataram
grande número de altos quadros da al-Qaeda ou, pelo menos, um número
significativo, e já não estão encontrando muitos outros, da al-Qaeda, para
matar. Assim sendo, a justificativa original para o programa, de fato, já não
existe há muito tempo.
Por tudo
isso, me parece que a principal razão pela qual a CIA insiste em manter o programa dos drones é porque é “bom negócio” e
ajuda a pagar as contas da CIA.
A CIA não quer perder um grande programa, que foi
fonte de muito dinheiro, ou, em outras palavras, de muito investimento na CIA, já há vários anos.
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DESPEDIDAS E FIM DA ENTREVISTA ======
[*] Gareth Porter (nascido
em 18 junho de 1942) é um historiador americano, jornalista investigativo,
autor e analista político especializado na política de segurança nacional dos
EUA. Especialista em Vietnã e ativista
anti-guerra durante a Guerra do Vietnã,
servindo em Saigon como chefe do departamento de expedição do News Service
International nos anos 1970-1971 e, mais tarde, como co-diretor do Centro
de Recursos da Indochina. Foi muito
criticado por seu entusiasmo pelo Khmer Rouge, partido do governo
do Camboja, na época. Escreveu vários livros sobre os conflitos no Sudeste Asiático e no Oriente Médio, o mais recente dos quais é Perils of Dominance: Imbalance of
Power and the Road to War in Vietnam; uma análise de como e por quê os Estados
Unidos foram à guerra no Vietnã. Porter também tem escrito para Al Jazeera –em inglês, The
Nation, Inter Press Service, The Huffington Post e Truthout. Foi vencedor em 2012 do Prêmio Martha Gellhorn de jornalismo, que é
atribuído anualmente pelo Club
Frontline em Londres. Porter
é formado na Universidade de Illinois. Recebeu seu mestrado em Política Internacional
na Universidade de Chicago e
seu Ph.D. em Estudos sobre o Sudeste Asiático
na Universidade de Cornell. Ministrou cursos sobre Estudos sobre Política
Internacional no City College of New York e na American University.
Atualmente atua como jornalista free-lancer para inúmeras publicações
internacionais.
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