Seu (nosso) e-mail provavelmente está sendo
monitorado
5/11/2013, [*] Alfredo Lopez, Counterpunch
Traduzido por João Aroldo
Edward Snowden |
Que
semana! Pouco
depois que o secretário de Estado John Kerry admitiu que talvez o governo
tivesse ido “longe demais” em seus programas de vigilância, o Washington Post
soltou outra bomba de Edward Snowden demonstrando que o governo está indo muito
mais longe do que todos sabiam.
John Kerry por Jason Seller |
Se
a admissão Ersatz [1] de Kerry – redigida em uma defesa
da vigilância da Agência de Segurança Nacional (NSA) – provocou um bocejo coletivo em
muitos que seguem estes desenvolvimentos, essa última de Snowden nos chamou a
atenção. O Washington Post publicou um artigo detalhando a interceptação pelo NSA
de informação entrando e saindo de servidores do Google e Yahoo em linhas
privadas e internas de fibra ótica. Apenas em dezembro de 2012, o programa
(reveladoramente chamado “MUSCULAR”) processou 181.280.466 registros do Google
e Yahoo que incluíam e-mail, buscas, vídeos e fotos.
Até
agora, a NSA defendeu suas ações dizendo que está combatendo o terrorismo
através da captura de dados em um espaço público, a Internet, após obter ordens
judiciais. Isso mostra que eles estavam mentindo. MUSCULAR é roubo de quase 25%
de todos os dados da Internet de duas das maiores empresas de processamento de
dados sem ordens judiciais ou supervisão em completo desafio à lei e a nossos
direitos. Isto é, simplesmente, gangsterismo
de governo.
E
isso traz à tona a questão mais importante: por quê? Porque não se trata de
contraterrorismo, não com todos aqueles registros e sua captura sub-reptícia.
Trata-se de vigilância e análise das comunicações diárias de um país inteiro e
boa parte do mundo.
A
tecnologia do MUSCULAR, um programa criado conjuntamente pela NSA e sua
congênere britânica, não é difícil de explicar. Essencialmente, os tecnólogos
nas agências de espionagem descobriram uma maneira de interceptar os dados
sendo trocados entre servidores que armazenam tudo o que você faz no Google e
Yahoo.
Eis
a diferença entre isso e os demais programas espiões revelados anteriormente.
Seus dados viajam pela Internet para chegar até esses servidores e ser
armazenados lá. Para os outros verem quais dados você salvou, eles devem sair,
novamente, pela Internet. Isso são dados protegidos legalmente e o NSA (pelo
menos, teoricamente) precisaria de uma ordem judicial para tirá-los dos
servidores. A corte FISA (a fonte de bênção da NSA) quase sempre autoriza os
pedidos da NSA, então é bem fácil conduzir esse tipo de extração de dados, mas
pelo menos ainda existe um registro do quê a NSA está procurando e por que e
alguma base para tomar ações legais contra isso.
Muscular
não chega perto dos dados enquanto estão viajando pela Internet ou enquanto
estão nesses servidores. Ao invés disso, ele intercepta dados (ilustração do WPost acima)que já estão
armazenados e estão viajando por conexões não públicas entre os muito
servidores das empresas enquanto as empresas sincronizam os dados armazenados
ou os transferem internamente. Gigantes da Internet como Google transferem
dados entre seus servidores constantemente em redes de servidores conhecidas
como (você já ouviu isso) “nuvens”. Essa transferência constante ajuda a
distribuir atividade dos servidores para que um pico de solicitações por dados
em um servidor particular não o trave (chamado “gerenciamento de carga”) ou
para manutenção, segurança e outros motivos. Para isso eles usam cabos de fibra
ótica especiais que conectam vários servidores e não são disponíveis
publicamente.
Os
dados transferidos entre esses servidores é tipicamente codificado, então
ninguém pode ter acesso sem as chaves decodificadoras. Isso é uma medida de
segurança. De acordo com esses relatos, a NSA descobriu uma maneira de
decodificar esses formatos, então ela captura os dados sendo transferidos
quando entram nessas conexões e, então, sem que ninguém fora da NSA saiba,
decodifica e analisa essas coisas para decidir o que, se for o caso, fazer com
isso. Se eles decidirem armazená-los, eles têm vários centros de backup da NSA
para salvá-los. Então eles deixam os dados seguirem seu caminho. Tudo isso
acontece em microssegundos.
Isso
é chamado tipicamente de “interceptação de intermediário” e é como ligar um
cabo entre seu computador e um hard drive
externo que você usa para backup —
exceto que é multiplicado por centenas de milhões de vezes.
Eu sabia
que o desenho da NSA era real pela carinha smiley, escreveu David Auerbach
da Slate, referindo-se ao ícone smile da Internet usado no diagrama vazado e
reproduzido acima . Só mesmo um
engenheiro de software ansioso e míope — vendo a interceptação de dados do
Google e Yahoo como um desafio e um jogo ao invés de uma questão de segurança e
política — faria uma coisa tão alegre e satisfeita com a possibilidade de
invadir os servidores internos do Google.
Claro,
isso não é um jogo. Isso é um método altamente sofisticado e intencionalmente
intrusivo de coleta de dados: espionagem pernicionsa realizada constantemente
em e-mails, fotos, vídeos e outros
dados postados por pessoas nos EUA (e em muitos outros países).
Keith Alexander |
O
diretor da NSA, Keith Alexander, foi imediatamente enviado para dar suas
desculpas previsíveis:
Isso seria
ilegal para fazermos. Portanto, eu não sei qual é o relato, ele disse em uma conferência de de
cibersegurança na semana passada. Mas
eu posso dizer factualmente que nós não temos acesso aos servidores do Google e
Yahoo. Nós precisamos de uma ordem judicial.
Alexander
mostrou-se um mestre de evasão no passado, mas isso foi bizarro. Isso se trata
de conectar cabos, e não acessar servidores.
Funcionários
do Google e Yahoo tentaram pôr maquiagem em seus olhos roxos com declarações de
ultraje, pedidos de “contenção”, e garantias de que eles não foram “avisados”
da ação de vigilância em massa que eles nunca aprovariam. Mas o fato é que isso
está acontecendo e suas garantias guiadas por RP aos usuários de que seus dados
estão seguros não significam nada.
Que
confusão! No período de duas semanas, o presidente Obama afirmou publicamente
que ele não sabia da extensão da espionagem mas vai “examiná-la”
agressivamente. O secretário Kerry admite que ela pode ter ido muito longe, mas
é feita por uma boa causa. Alexander evitou comentários sobre a revelação real
e o chefe do conselho de segurança nacional, James Clapper, parecia decidido a
evitar completamente a questão ao divulgar uma de suas famosas declarações que
não desmentem. De fato, os não desmentidos estavam pulando como bolas de pingue
pongue num terremoto — se chocando umas nas outras loucamente. E isso ligado
com o fluxo de ultraje retórico vindo de vários países já que as informações de
Snowden deixaram claro que a vigilância é conduzida em tudo, desde as contas de
e-mail de cidadãos espanhóis aos e-mails pessoais (e talvez telefones) da
chanceler alemã Angela Merkel.
Obviamente,
a coleta de dados dessa magnitude não é para capturar terroristas. Isso poderia
ser certamente parte do resultado, mas não há como analisar mais de 183 milhões
de partes de dados para identificar alguns malucos. Outra coisa está
acontecendo.
Barton Gellman |
O
repórter do WPost, Bart Gellman, que deu a história, contou ao PBS que:
(…) aparentemente
eu não vejo nenhuma evidência de que eles estão desrespeitando a lei aqui. Eles
fazendo de maneiras que as empresas e o público não esperavam.
Mas
isso desafia a razão. Entrar nos sistemas internos de uma empresa para remover
dados sem o conhecimento da empresa certamente parece ilegal. No mínimo, isso
revela um cinismo perturbador da parte do governo sobre o espírito da lei e
sobre o que as leis de privacidade dizem ao governo sobre como ele deve se
relacionar com os cidadãos.
A
questão, contudo, não é se isso é legal, mas o que a administração Obama está
tentando fazer com a definição de legalidade. O histórico desta administração
demonstra que ela está se preparando para tempos muito conturbados e essas
preparações são obscenamente repressivas. Com uma economia que simplesmente não
pode levar 25 milhões de desempregados de volta ao trabalho, a redução maciça
dos direitos das pessoas, o corte dos benefícios sociais, uma sociedade marcada
pela histeria frenética semanal de terrorismo interno, uma extrema direita
insana e crescente e o Congresso que não tem apoio popular e não está
governando ninguém, o surgimento de protestos e resistência em massa em cada
canto da sociedade não é surpresa. Nem precisamos de muita visão para predizer
que as coisas vão ficar ainda mais quentes.
Os
poderosos políticos estão envolvidos num debate intenso sobre como governar
essa sociedade enquanto o contrato social usado no passado não pode mais ser
cumprido. O debate continua, mas está claro que todos estão falando sobre uma
sociedade mais restritiva. A chave para tal restrição está na captura de dados.
Não
importa quão intensa e generalizada essa repressão seja, eles têm os dados que
eles precisam para ter todas as opções possíveis, incluindo o esmagamento de
movimentos de protesto. Nós confiamos que eles não vão usar os dados dessa
maneira?
Em contribuições passadas para estas páginas, eu
escrevi que, enquanto não estamos em um estado policial, o governo construiu
uma capacidade de transformar o país com um botão de liga-desliga do sistema
legal.
Esse é o significado das revelações do MUSCULAR. Quanto aos dados, tudo está no lugar.
__________________________
[*]
Alfredo Lopez escreve atualmente sobre avanços tecnológicos no blog This Can’t Be Happening! . Alfredo Jose Miguel Lopez (nasceu em
1949) é um ativista, escritor, produtor de mídia, professor e organizador no Brooklyn, New York. Atualmente, ele é um ativista de Internet
bem conhecido e Co-Diretor de May First/People Link, organização dos usuários da Internet. Lopez é autor de seis livros e milhares de artigos. Foi um dos líderes do Puerto Rican
Socialist Party durante os anos 1970. É o
principal organizador do Dia da Solidariedade com o Puerto Rico no Madison
Square Garden, a maior demonstração de seu tipo na história, e do 1976
Counter-Bicentennial. Ele
coordenou a delegação dos EUA na Conferência Internacional de Solidariedade em
Porto Rico em 1975, a
primeira conferência internacional sobre o assunto. Durante esse mesmo período, editou a edição
em inglês do jornal PSP Claridad. Em anos
mais recentes foi o arquiteto da campanha para impedir que os hospitais
públicos NYC fossem privatizados, notadamente nos anos 1990. Tem participado da organização de dezenas de
campanhas semelhantes ao longo de seus 40 anos de ativismo. É um dos fundadores da The Brooklyn New
School como escola alternativa em Brooklyn. Recentemente, em 2007, foi um dos organizadores do
grupo de tecnologia para o United States Social Forum.
Nota do
tradutor
[1] Substituta,
em alemão.
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