22/1/2014, [*] Pepe Escobar,
Russia Today
Traduzido por João Aroldo
Abertura da Conferência de Genebra-2 |
No verão,
as pessoas vão para Montreux, Suíça, para acompanhar o festival de jazz. Esta
semana, contudo, a “performance” é por uma turma positivamente sem swing, parte
da (na teoria) muito séria conferência Genebra 2 sobre a Síria.
Para que
serve Genebra 2? Ela não tem nada a ver com “paz”. Ela não vai promover um acordo internacional para acabar
com a tragédia síria. Os terríveis fatos de guerra em campo vão continuar
fatos, e horríveis; muitos perpetradores não estarão se reunindo em Montreux. A
sociedade civil síria não foi nem convidada.
E a charada
toda degenerou em paródia vergonhosa mesmo antes de começar.
Domingo passado,
parecia que o Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-Moon tinha decidido sair de seu
tradicional sono vegetal, convidando o Irã para Genebra 2. O convite durou
menos de 24 horas; após a necessária pressão
de Washington – instigada pelos autênticos democratas da Casa de Saud –
ele foi cancelado.
Então nós
tivemos Ban Ki-moon papagaiando o Departamento de Estado americano, segundo o
qual Teerã não tinha concordado com os princípios do comunicado de Genebra 1,
que pedia um cessar continuado da violência armada. Diplomatas iranianos
discordaram fortemente, sublinhando como Teerã entende que a base para as
conversas é a completa implementação da conferência prévia de junho de 2012,
mesmo se o Irã não foi parte dela.
Ban Ki-moon
também convidou a Santa Sé, assim como a Austrália, Luxemburgo, México e a
República da Coreia, entre outros, para Montreux; como se esses atores tivessem
alguma noção do que está acontecendo na Síria.
Mas o
cúmulo da farsa é que o Irã não pode ir, enquanto Arábia Saudita e Qatar – que
continuam a armar cada “rebelde” sírio à vista, de jovens em busca
de adrenalina a Takfiris e degoladores apoiados pelo ocidente, podem.
E vão.
"Rebeldes" do ESL-Exército Sírio Livre avançam sobre o subúrbio de al-Jadeida na cidade velha de Aleppo em 21/8/2012 |
Conheça a “boa”
e “má” Al-Qaeda
Hora de
resumir. Washington decidiu que o Irã não pode estar em Montreux porque eles
apoiam Assad. Simples assim.
Washington
ditando à ONU é a norma. Washington ditando à “oposição” exilada síria também é
a norma. Todos são marionetes nesta comédia letal.
Quanto aos spin
doctors ocidentais, eles estão mais bobos do que moscas sobre cadáveres.
Como parte do novo mito ocidental de que a Frente Islâmica apoiada pela Arábia
Saudita – formada em setembro último contra o Conselho Militar Supremo apoiado
pelos EUA – são nada menos que a “Al-Qaeda
boa”, agora nós temos “rebeldes” top rotineiramente
reconhecendo à mídia corporativa ocidental que eles são, bem, Al-Qaeda.
Dezenas de
milhares de jihadis estrangeiros usando a rede de bases da Al-Qaeda na Turquia
– bem, isso não é nenhum problema. Como diz a narrativa, “nossos novos amigos” na Frente
Islâmica são apenas “muçulmanos
salafistas conservadores”. E se eles gostam de tortura pra valer e não
têm problemas para matar xiitas e cristãos? Grande coisa.
Quanto à
gangue da “má” Al-Qaeda–
da Frente Al-Nusra e Ahrar al-Sham ao Estado Islâmico do Iraque e Levante
(ISIL) – eles estão no ganho. Afinal, são eles que têm experiência de
combate/vantagem em campo. E na hora do vamos ver, eles dão mais um laço em
volta de pescoços ocidentais sem noção.
Pegue o
Ahrar al-Sham. Eles agora lideram a Frente Islâmica – e conversam com os
americanos. E adivinhem; eles estão indo para Montreux! A cereja nesse bolo
Takfiri é que, no fim, seus “interesses”
estão sendo defendidos por ninguém menos que o Secretário de Estado dos EUA,
John Kerry. Washington promovendo al-Qaeda? Bem, nós já vimos esse filme.
Should I stay or should I go? [1]
Washington
está vendendo a ficção de que eles estão “liderando” Genebra 2 para “reconstruir” a Síria. Isso é
bobagem monumental.
Teoricamente
– e mesmo isso é extremamente discutível – o interesse principal da
administração Obama no Sudoeste da Ásia é negociar uma acordo complexo com o
Irã, o que vai tomar quase todo 2014.
No fim,
toda esta charada é entre Washington e Teerã. A Marinha dos EUA não vai fazer
Assad “sair” tão cedo – ou
mesmo nunca; então tudo, em teoria, continua na mesa.
Tanque do Exército Sírio patrulha bairos da cidade cristã de Maalula |
E todo o
resto, ONU, a Santa Sé, a Casa de Saud, são apenas observadores, mesmo enquanto
vários players, da União Europeia à
Índia, China e Japão, pensam em nada além de finalmente formalizarem tudo com o
Irã.
O governo
sírio, por sua parte, estará em Montreux; ele concordou com a conferência há
muito tempo. Mas o Presidente Assad já deixou claro; ele
não vai “sair”, como o
Presidente americano Barack Obama exigiu. Ele não vai deixar a oposição apoiada
pelo estrangeiro tomar o poder. E ele pode mesmo participar das próximas
eleições presidenciais.
Assad foi
na jugular quando disse que Genebra 2 deveria ser sobre sua própria “Guerra ao Terror”. Terror,
incidentalmente, largamente apoiado pelo Ocidente.
Então, sob
esta perspectiva, mesmo Washington necessita que Assad não saia. No final das
contas os únicos players que
realmente querem que Assad saia são a Casa de Saud e a Casa de Thani no Qatar.
Muitos no Ocidente já perceberam que Assad deve ficar para combater os “terroristas”.
O
notoriamente suspeito Embaixador americano para a Síria, Robert Ford – que
sempre aparece quando os EUA estão desestabilizando alguma coisa – desta vez
pediu um encontro urgente em Istambul, apoiado pela Turquia e Qatar, e fez o
número “vai pra Montreux porque eu tô mandando”.
Ele só precisa
seguir o dinheiro. Os que não vão viajar – um bando de chupins da Coalizão
Nacional Síria (CNS) – vão ficar meio sem dinheiro.
Então ouça
o “patriotismo” falando.
A CNS, que sempre foi furiosamente contra qualquer conversa com Assad,
subitamente disse que iria, ainda que um terço de seus membros suspeitos tenham
boicotado o encontro em Istambul.
O que é
ainda mais farsesco é o que Ford deve ter dito para os bravos da CNS – ainda
sujeito a muito debate pelo Oriente Médio. Se Ford realmente disse que a estratégia
de Bandar Bush tem sido um fracasso total (de fato tornando a Síria uma base
Al-Qaeda) então isso aponta à administração Obama, para todas as finalidades
práticas, compartilhando o mesmo objetivo que Assad: combater o “terror”.
Ainda
assim, Genebra 2 não “resolve” nada.
Irã e Rússia continuarão apoiando Damasco. A terra de ninguém do deserto da
Síria ao Iraque continuará sendo ocupada por jihadis sectários hardcore apoiados
por Bandar Bush e pelo Golfo.
A guerra
continuará se espalhando mais e mais pelo Líbano. O governo em Damasco não vai
cair. A crise de refugiados vai aumentar. E o Ocidente vai continuar fazendo
pose de estar preocupado com o “terror”.
E todo esse
não-jazz em Montreux não vai dar em nada. E aí algum burocrata vai pedir um
Genebra 3.
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Nota dos tradutores
[1] The Clash:
Should I stay or should I go? (vídeo
a seguir)
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[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas
publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política do blog Tom Dispatch e correspondente/ articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem
ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu
e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
- Globalistan:
How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
- Red
Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
- Obama
Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
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