(e contra a União “Foda-se” Europeia)
24/1/2014, [*] Peter Lee, China Matters blog
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Catherine Ashton cumprimenta Yulia Timishenko ao final da reunião entre a "nova cúpula" ucraniana e representantes da União Europeia, ontem, 25/2/2014. |
Quando se
falou de um acordo mediado pela União Europeia entre a oposição e o governo na
Ucrânia, achei que Yanukovich conseguira escapar do tiro.
Nada disso.
Ao analisar
as circunstâncias da queda de Yanukovich, é interessante examinar as
maquinações de Victoria Nuland, neoconservadora do Departamento de Estado
(casada com Robert Kagan), a qual, pelo que se vê, recebeu carta branca, de
Obama, para fazer na Ucrânia o que lhe desse na telha.
Considere-se
o seguinte:
Por trás do
já famoso áudio de “Foda-se a União Europeia” vê-se o sentimento, nela, de que
a União Europeia não estava suficientemente confrontacional, contra o governo
ucraniano; sobretudo na questão das sanções.
Para saber
o que seria considerado “suficientemente confrontacional”, considere-se a
matéria da AFP de janeiro
passado, exibida no canal “Yahoo!
Sports” – porque o personagem, Rinat Akhmetov, é proprietário do mais
bem-sucedido time de futebol da Ucrânia:
O homem mais rico da Ucrânia, Rinat Akhmetov,
dono do clube de futebol Shakhtar Donetsk, está tendo influência, possivelmente
decisiva, no impasse na Ucrânia entre forças de segurança e manifestantes.
Akhmetov é, há muito tempo, considerado o
principal aliado do presidente Viktor Yanukovych. Financiou o Partido das
Regiões, atualmente no governo, e que Akhmetov também representou como
deputado, no Parlamento; e vem da mesma região a leste do (rio) Donetsk, a
mesma base eleitoral do presidente.
Mas, numa virada possivelmente crucial, numa
crise que gerava temores de um conflito civil prolongado, Akhmetov distribuiu,
no sábado, uma declaração, em termos fortes, alertando que o uso da força
contra manifestantes era inaceitável e que a única saída possível seriam
negociações.
Rinat Akhmetov |
Poréééééém…
... os
motivos de Akhmetov para opor-se tão furiosamente à implantação de estado de
emergência para pôr fim aos protestos podem não ter sido completa e
perfeitamente altruístas.
Segundo o
influente site de notícias Ukrainska Pravda, a
secretária-assistente de Estado dos EUA Victoria Nuland, em dezembro, em visita
à Ucrânia, manteve encontro secreto com Akhmetov em Kiev, no qual lhe disse que
ele e outros ricos apoiadores do Partido das Regiões enfrentariam sanções da
União Europeia e dos EUA, se a Polícia usasse força contra os “manifestantes”.
Para um
empresário de reputação internacional e propriedades fora da Ucrânia, inclusive
uma casa luxuosa em Londres, a ideia soou, com certeza, bem pouco interessante.
E há ainda
muuuuuuuuuuuuuuuuuito mais, por favor:
Akhmetov controlava um grupo de pelo menos 40
deputados do Partido das Regiões, governante, no parlamento Verkhovna Rada.
Mas... O
que aconteceu depois que a União Europeia negociara um acordo transicional, de
partilha de poder, com o governo da Ucrânia?
Foi o fim
da trégua. Acabou-se o cessar-fogo. O fogo recomeçou.
E como a
trégua acabou e o fogo recomeçou? (Veja como, em “No
mínimo 70 manifestantes mortos em Kiev hoje”:
Sem apoiar a trégua, “manifestantes” usaram
coquetéis molotov e avançaram contra os policiais na 5ª-feira (20/2/2014) na
capital da Ucrânia. Atiradores do governo revidaram os tiros e seguiu-se
tumulto quase medieval que fez pelo menos 70 mortos e centenas de feridos,
segundo um médico que participava do protesto..
…
A trégua anunciada no final da 4ª-feira (19/2/2014)
pareceu não merecer confiança dos “manifestantes” linha dura. Um comandante de
campo, Oleh Mykhnyuk, disse à AP
que, mesmo depois da chamada “trégua”, os “manifestantes” continuaram a lançar
coquetéis molotov contra os policiais antitumultos na praça. Ao raiar do dia a
polícia recuou, os “manifestantes” perseguiram os policiais e os policiais
atiram contra os “manifestantes”, segundo Mykhnyuk.
Deputados comemoram a "mudança de lado" de 15 colegas que se bandearam |
Mas... e no Parlamento? O que aconteceu no Parlamento? Veja em: “Thirteen
more Party of Regions’ members leave parliamentary faction” (trad. Mais 13
deputados das Regiões abandonam a coalizão parlamentar):
O vice-presidente do Parlamento ucraniano,
Ruslan Koshulynsky anunciou que mais deputados haviam deixado o Partido das
Regiões.
Citou Oleksandr Volkov, Yuriy Polyachenko,
Vitaliy Hrushevsky, Volodymyr Dudka, Yaroslav Sukhy, Artem Scherban e mais um
deputado, cujo nome Koshulynsky pronunciou de modo ininteligível; todos eles
haviam deixado o Partido das Regiões.
Mais tarde, Koshulynsky anunciou os nomes de
mais quatro deputados que haviam deixado o Partido das Regiões – Viktor
Zherebniuk, Ivan Myrny, Hennadiy Vasylyev e Nver Mkhitarian. Mais tarde,
acrescentou àquela lista os nomes de Larysa Melnychuk e Serhiy Katsuba.
O Partido das Regiões, pois, perdera 42
deputados, 28 na 6ª-feira (21/2/2014) e outros 14 no sábado (22/2/2014) .
Não sei se
algum deles seria gente de Akhmetov. Seria interessante investigar. Seja como
for, saíram deputados do Partido das Regiões em número suficiente para dar a
maioria às forças pró-União Europeia e carta branca ao Parlamento para tomar
outras iniciativas de “limpar” o campo, como impor o impeachment do presidente sem o devido processo legal, repudiar
todas as revisões constitucionais (e reimpor a Constituição de 2004), e livrar
Yulia Timoshenko da cadeia.
Yulia Timoshenko |
Com olhos
menos generosos, pode-se, sim, suspeitar que os EUA estimularam as
manifestações e incentivaram os grupos a romper a trégua, apostando em que
(a) haveria
violência e
(b) os
gatos gordos que ainda apoiavam Yanukovich, como Akhmetov, logo abandonariam o
barco, porque os EUA já os haviam informado de que o dinheiro deles depositado
no ocidente seria congelado (sob sanções que os EUA imporiam imediatamente).
Se isso
tiver acontecido bem assim, a União Europeia tem razões extras para sentir-se
traída pelos EUA. Ao romper a trégua e o acordo de transição, Nuland demoliu
Yanukovich e pôs na roda o preferido dos EUA, “Yats” – Arseniy Yatsenyuk. Mas
ao custo de alienar definitivamente o segmento pró-Rússia da Ucrânia, segmento,
deve-se lembrar, que realmente conseguira eleger Yanukovich em eleições livres
e justas, há pouco tempo.
Em todos os
casos, graças a uma interpretação “criativa” da Constituição ucraniana, o
Parlamento, agora a favor do ocidente, autoconstituiu-se, ele sozinho, como o
órgão primário e legítimo de governo, já nomeou novo primeiro-ministro e já
marcou eleições para dezembro.
Dado que
esse novo governo já nasce quebrado e precisando de cerca de $30 bilhões de
novos empréstimos para chegar ao fim do ano, pode-se conjecturar que o ocidente
não fez negócio, afinal, muito lucrativo. Mas parece que todos no novo governo
estão alegremente dispostos a aceitar um pacote completo do FMI, graças ao
qual, pelas minhas contas, a Ucrânia se autoacorrentará em posição de
vassalagem, presa ao ocidente pela dívida, por muitos e muitos anos, incapaz de
voltar aos sempre acolhedores braços da Rússia.
Se o leste
e o sul da Ucrânia – fortalezas onde persistem os sentimentos pró-Rússia –
conseguirão enfrentar a catástrofe da “restruturação” à moda do FMI que seus
vizinhos ocidentais parecem tão ansiosos para aceitar, já é outro problema.
Que ninguém
se surpreenda, se, desse miraculoso novo broto nascido da arrogância obamiana e
da super arrogância dos neoliberais neoconservadores, nascer mais um grande
triunfo no processo da “construção de nações” assemelhado ao que fizeram na Líbia
e no Sudão do Sul, só que, dessa vez, com o fiasco bem à vista e depositado no
colo dos vizinhos da Ucrânia, bem ali, na União Europeia.
Será também
interessante ver se a Rússia cede aos seus mais baixos instintos e suspende a
entrega dos $15 bilhões que prometeu originalmente para ajudar Yanukovich.
(Pensamento interessante: será que esse golpe estimulado pelos EUA foi “cronometrado”
para coincidir com os Jogos Olímpicos de Sochi, sob a hipótese de que Putin não
interviria, com certeza, enquanto estivessem em andamento os seus preciosos
jogos? Hmmm).
Mas me
parece que, ao apoiar abertamente a insurreição e pôr-se ao lado de um grupo de
militantes, com o objetivo de impor tal nível de estresse ao governo ucraniano
que ele – e especialmente o aparentemente incapaz e incompetente presidente,
Yanukovich – não conseguiu aguentar, os EUA, me parece, atravessaram uma
espécie de Rubicão.
Os EUA
apoiaram abertamente e entusiasticamente um violento putsch contra
governo democraticamente eleito do qual os EUA não gostavam.
“Jornalistas”
fãs entusiastas neoliberais, não se pode deixar de anotar, flanaram por sobre
toda essa lama, sem nem molhar os sapatos... Nada, exceto a tediosa babação
rotineira dos “correspondentes” ocidentais, aparentemente hipnotizados pela
ostensiva queima de pneus e pelos coquetéis molotov da narrativa dos “combatentes
da liberdade” organizados para ocultar a luta política.
Fazem-me
lembrar de como a imprensa-empresa deixou-se enganar durante a Guerra do
Iraque, período histórico que sou suficientemente velho para lembrar, mas
jornalistas mais jovens não lembram... ou decidiram esquecer.
Na
Ucrânia... como na Venezuela
A recém
descoberta paixão do governo Obama por agitação de rua para derrubar governos
eleitos não cúmplices de Washington passa agora pelo seu segundo teste em
campo, na Venezuela.
Caracas
começa a aparecer nas imagens “jornalísticas” como cidade gêmea de Kiev.
A juventude
neoliberal conservadora das universidades privadas já está nas ruas procurando
briga e pretextos para treinamento pró violência direitista e golpista, como
viram fazerem os seus irmãos fascistas ultranacionalistas na Ucrânia.
Estudantes bolivarianos exigiram o desame de seus colegas terroristas em manifestação de 16/2/2014 |
Se o
artigo de Carl Gibson em Reader Supported News cita
corretamente documento autêntico, a USAID, com a ajuda de consultores e da
Colômbia, já tinha mapeados planos para desestabilizar a Venezuela mediante
sabotagem econômica no final de 2013; e, pelo relato de Gibson, também para
incitar os tumultos e confrontações de rua:
Sempre que possível, a violência deve causar
mortos e feridos. Encorajar greves de fome de vários dias, mobilizações
massivas, problemas nas universidades e em outros setores da sociedade que
atualmente estão identificados com instituições do governo [de Nicolás Maduro].
Não tenho
dúvida alguma de que Leopoldo Lopez, o líder da oposição na Venezuela, é o
homem dos EUA em Caracas. O artigo de Gibson também acrescenta, como detalhe,
que há um telegrama distribuído por Wikileaks que parece ligá-lo ao Centre for Applied NonViolent
Action and Strategies, CANVAS, a
ONG de fachada, mantida com dinheiro norte-americano, para promover democracia cum
golpe de mudança de regime, que o presidente Yanukovich expulsou de Kiev pouco
antes de ser deposto.
A Venezuela
parece ser fraturável por linhas de classe (não por linhas étnicas, de russos vs
ucranianos; nem regionais/ tribais, de cirenaicos vs tripolitanos, como
a Líbia; nem confessionais, de sunitas vs xiitas, como a Síria). Assim
sendo, o trabalho de catapultar para o poder um grupo pró-elites
norte-americanas pode ser mais sangrento e mais prolongado que a aventura
ucraniana.
Mas não há
dúvidas de que os EUA têm dinheiro e paciência para luta prolongada, sobretudo
porque os povos sacrificados estão a mais de mil quilômetros de distância de
Washington.
Na China
Acho que,
no caso da República Popular da China, os EUA planejam a seguinte jogada de
intercepção:
(1) os
EUA promoverão ativamente a subversão política de todos os inimigos dos EUA
(promover a subversão política dos inimigos dos EUA não é “mito” nem é “teoria
conspiratória” com os quais os governos alvos ou se consolam ou se
autoaterrorizam!);
(2) os
chineses não deixarão que se constitua nenhum partido de oposição (na China),
muito menos que chegue às urnas; e não permitirão nenhuma aglomeração na praça
central da cidade; e
(3) a
China ameaçará preventivamente todos os ativistas que tenham laços com os EUA
ou o ocidente, como sendo subversivos de
facto e contrarrevolucionários.
Xi Jinping e Barack Obama em 11/6/2013 |
Nada
garante que a vigilância ampliada na República Popular da China se traduza em
algo próximo da liberalização democrática pela qual o ocidente tanto anseia,
para os estúpidos cidadãos chineses. Em vez disso, o plano prevê que o
regime chinês atire-se com unhas e dentes sobre os dissidentes, bem rapidamente
e como uma tonelada de tijolos.
É terrível
ironia que Barack Obama, exemplo glorioso e premiado de progressista, tenha
dado tapa rápido no cachimbão da mudança-de-regime de Dick Cheney... e, agora,
já parece que não vive sem ele.
É provável
que Obama esteja tentando só passar a mão em uma ou duas vitórias bem
baratinhas de política exterior e fodam-se as consequências, porque daqui a
dois anos ele cai fora e a presidenta Clinton dará jeito em tudo.
Aquele
Alfred Nobel que se vê na medalha do Prêmio da Paz que deram ao presidente
Obama já deve estar chorando lágrimas de sangue.
[*] Peter Lee é jornalista norte americano de origem chinesa
que escreve sobre assuntos dos países do sul e leste da Ásia e a intersecção de
negócios entre essa região e os EUA. Além de articulista de várias publicações
anima o blog China Matters.
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