28/6/2014, The Saker, Mindfriedo, The Vineyard of
the Saker
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
The Saker |
(1) A queda de Mosul foi boa para os milicianos xiitas?
Até o
início de 2014, os EUA vinham pressionando Maliki para que “contivesse” as
milícias xiitas. O argumento era que os xiitas poderiam desestabilizar o
próprio governo; que eram aliados do Irã; e que estavam acumulando experiência
de combate na Síria. O governo do Iraque formou brigadas, como “Lobo”
(comandada por Abu al-Walid, comandante combatente em Tal Afar), “Tigre” e
“Escorpião”, para conter a ameaça que aquelas milícias xiitas poderiam ser –
mas, sobretudo, como uma ferramenta para manter organizados os sunitas.
Abu al-Walid |
Outras
medidas incluíram fechar a fronteira do Iraque com a Síria e suspender voos
diretos. Essas duas medidas pareceram visar aos jihadistas sunitas, mas visavam
de fato a conter o fluxo de combatentes xiitas. Maliki tampouco ficou muito satisfeito
com essas medidas. E a segunda não passou de gesto simbólico do governo
iraquiano, porque os voos entre Irã e Damasco prosseguem normalmente. A ameaça
dos EUA, de criar uma zona aérea de exclusão sobre a Síria, visava a tentar
impedir esses voos. Os voos de vigilância aérea sobre o Iraque e a ocupação
pelos jihadistas da fronteira Iraque-Síria visam exclusivamente a tentar deter
o fluxo de combatentes xiitas.
O envio de
norte-americanos para o Iraque, depois da queda de Mosul, visa principalmente a
monitorar os xiitas, muito mais que os sunitas.
Os
norte-americanos conhecem as revoluções sunitas e sabem como inverter a ganga.
Mantêm contatos com anciãos sunitas e com ex-Ba’athistas que podem usar para “domar”
qualquer insurgência sunita. O problema dos EUA são os xiitas, que eles
absolutamente nunca conseguiram controlar. O que você não controla sempre o
amedronta.
Os EUA
estavam também interessados em usar clérigos xiitas moderados, como Sistani,
para conter o ímpeto dos grupos de jihadistas xiitas. Mas isso mudou, agora, em
certa medida. A conclamação de Sistani às armas foi a melhor tática para
aumentar o recrutamento que as milícias xiitas poderiam ter esperado. Sistani
disse especificamente que os jovens deviam alistar-se no exército. Os jovens
captaram a mensagem de que devem lutar, mas alistaram-se nas milícias xiitas.
Os jovens não são bobos e sabem quem vence e quem perde guerras por ali.
Área de atividade do ISIS/ISIL/DAASH |
Agora, o
governo iraquiano está confiando naquelas milícias para conter o ISIS/ISIL/DAASH. O governo iraquiano não restringirá o treinamento de
combatentes no Irã, nem o livre fluxo deles entre Síria e Iraque; e se oporá a
qualquer pressão, pelos EUA, para fechar aquele fluxo. É o que se pode ver nos
elogios que Maliki fez aos ataques aéreos sírios no Iraque, aos quais
normalmente qualquer primeiro-ministro teria de opor-se.
Diferentes
dos combatentes sunitas do ISIS/ISIL/DAASH (chechenos, afegãos,
sauditas, marroquinos, europeus, etc.) os combatentes xiitas são
predominantemente árabes, do Iraque e do Levante que o DAASH tanto quer “salvar”.
Os árabes sunitas e as tribos sunitas estão aliados ao DAASH por conta
de um sentimento de terem sido deixados de fora (em parte, efeito da
propaganda; em parte, frustração genuína). Mas essa é dificuldade com a qual
terão de viver. O poder que um dia tiveram, hoje, já não têm e ele não voltará.
Quanto mais lutarem, mas Bagdá se converterá em cidade xiita e maior será a
frustração dos sunitas. Muitos dar-se-ão conta disso; mas alguns continuarão
cada dia mais radicais, por ação da propaganda saudita.
Enquanto
isso, as milícias se converterão nos novos Fremen contra os Sadukar (DAASH)
do Império (anglo-sionista), à espera de seu Muad'Dib (Mahdi). [1]
O duro,
difícil ambiente do Iraque e a ameaça que cresce contra as milícias xiitas as
manterão sempre alertas e atentas, sempre em estado de prontidão, mais bem
treinadas e mais fortes a cada dia, aprendendo valiosas lições que só a luta
ensina e superando o DAASH sunita em habilidades, talento,
profissionalismo e moral.
(2) Milicianos xiitas são mais “ferozes” que sunitas (wahhabi)?
Uma velha
piada do tempo colonial. Os britânicos queriam formar uma brigada muçulmana.
Perguntaram aos muçulmanos: quais de vocês são os mais ferozes? Os muçulmanos,
meio sem entender a pergunta dos “Tommys” responderam: “nossos açougueiros são
ferocíssimos”. E os britânicos organizaram a brigada de muçulmanos açougueiros
ferozes.
Quando os
combates começaram, os açougueiros não punham o pé fora das trincheiras. O
comandante “Tommy” berrou: “Por que não avançam? Vão à luta!”.
E o kassab
[açougueiro] respondeu: “Ah, meu amigo, amarre eles e traga até aqui, que nós
cortamos em pedaços!”.
Eis os
combatentes do DAASH: açougueiros para aterrorizar os cordeiros.
Ontem
assisti a vídeos dos jihadistas. Nada agradável, mas necessário.
Em primeiro
lugar, o profissionalismo:
Fuzil AKM típico |
Toda e
qualquer milícia xiita que combate na Síria é militarmente bem organizada. Têm
brigadas; as brigadas têm batalhões de lança-foguetes, fogo de morteiro e
grupos de assalto. Cada milícia tem uniformes limpos e insígnia. Sabem
trabalhar numa estrutura de comando, às vezes sob ordens do exército sírio. As
armas usadas são quase idênticas. AKMs, AMDs, PMKs, SVDs,
lança-morteiros de mão e RPGs (quase idênticos).
Arma anti-blindados |
Os
militantes sunitas/wahabbistas são ‘'ferozes'’, mas operam sem qualquer
organização militar, sem uniformes, sem equipamento militar padrão. O Exército
Sírio Livre é mais profissional e tem alguma estrutura. Mas os jihadistas são
só confusão e profissionalismo zero. É o que se vê também na dificuldade do DAASH
para controlar os próprios aliados, com brigas internas por qualquer pequena
diferença, incapacidade para impedir que os milicianos cometam atrocidades
(que, às vezes, são usadas como tática), e a incapacidade para lutar de modo
sustentado em qualquer tipo de confronto.
A
propaganda:
Pode não
parecer óbvio para todos, mas os combatentes xiitas são levados à luta por algo
que amam e prezam muito, i.e., o Ahlul Bayt [o “Povo da Casa” ou a
“Família da Casa” (do Profeta)]. Os wahabbitas, por sua vez, em praticamente
tudo que fazem, são movidos por ódio: ódio dos valores ocidentais, dos santos,
dos xiitas, dos cristãos, dos judeus, de tudo que, para eles, é necessariamente
sujo e corrompido.
A
propaganda jihadista é baseada numa mensagem puritana. Exige que o sunita abra
mão de um sistema de crenças que ele conserva há gerações (embora muitos
sunitas pareçam estar-se separando, de antigos conceitos do Walis [Aquele
em que se crê] e Wasilah [os meios de acesso a Deus], mais depressa do
que uma stripper, de seus panos “modestos”). Os xiitas, por outro lado,
estão convocados a trabalhar a favor de algo em que sempre acreditaram e
acreditam.
Grupo
etário:
Muitos
jihadistas são homens jovens. Muitos morrem jovens. Mas rápida pesquisa na
internet mostrará que a idade mínima para a iniciação de um combatente DAASH
é dez anos. Entre os xiitas, exceto no caso dos escudos humanos de Khomeini, a
idade mínima nunca foi inferior a 18 anos; e a idade média dos combatentes
xiitas é 22 anos.
Suporte
financeiro:
Nesse
quesito os xiitas sempre perderam, desde os primeiros dias do Islã. Os sunitas
conservaram para eles toda a riqueza e marginalizaram os xiitas. O Iraque pode
alterar esse desequilíbrio. A riqueza do petróleo do Iraque e do Irã xiitas
pode em breve ultrapassar a da Arábia Saudita. Mas, por hora, ricos, só os
sunitas. As sanções contra o Irã têm o objetivo de criar dificuldades
específicas, que impeçam o enriquecimento do país.
Propaganda:
É estranho
que os vídeos do DAASH sejam praticamente sempre, horrendos. E os mesmos
vídeos que são usados pelo DAASH ou pela al-Qaeda para recrutar novos
seguidores-milicianos, são usados também pelos seus inimigos (seres humanos
racionais) como contrapropaganda. Os vídeos de milícias xiitas jamais mostram
atrocidades. Na maioria dos casos são centrados no culto do martírio. Os
norte-americanos tentam super noticiar alegadas atrocidades que teriam sido
cometidas por milícias xiitas; mas não funciona, porque os xiitas não acreditam
em nada que lhes venha de fonte norte-americana.
Dois
exemplos recentes de efetividade em combate:
(1) A retomada de Beirute pelo Hezbollah,
em maio de 2008. Os homens de Hariri não aguentaram nem as primeiras sacudidas.
Mas, sim, concordo: Beirute não é Trípoli. Contraexemplo, aqui, poderia ser
Mosul. Mas Beirute é cidade mais misturada e complexa; e Mosul é, mais, uma
cidade sunita baathista. Além do mais, a retomada de Beirute foi ação militar;
e Mosul só foi tomada porque houve uma traição e colusão pré-combinadas. E
(2) outro exemplo foi Qusayr em 2013.
Jihadistas entrincheirados, com total apoio de estados árabes, da Turquia e do
Ocidente, quebraram as próprias fileiras e fugiram. O Hezbollah pagou preço
alto; e a Síria pulverizou quase toda a cidade de Qusayr; mesmo assim permanece
o fato de que os jihadistas desertaram e fugiram. Para compreender, basta
comparar esse quadro e Bint Jabil em 2006. Forças no mínimo iguais ou muito
superiores, se se considera o arsenal à disposição de Israel e contra o Hezbollah;
e o Hezbollah literalmente pôs Israel em fuga; o Hezbollah humilhou Israel. Por
onde Israel deixa uma via de fuga, mais combatentes unem-se à luta.
A derrota de Israel para o Hezbollah em Bint Jabil em 2006 |
Importante,
também, a autoavaliação que o Hezbollah produziu, do próprio desempenho
(criticaram dois dos próprios comandantes, porque estavam no mesmo local, à
mesma hora).
Qusayr
realmente assustou o Império Anglo-sionista. A queda de Mosul os está
petrificando de medo.
Nota dos tradutores
[1] Fremen: Várias referências a personagens da série “Dunas”.
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