“Outro
lado” é outro lado, ora bolas!
21/6/2014, [*] Franklin Lamb − The People Voice
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
ISIL/ISIS/DAASH ergue-se em armas e bandeiras |
Ninguém
precisa ser vidente para compreender que a “Primavera Jihadi” em curso está acelerando os
planos e talvez o destino dos islamistas nessa região, com a crescente ajuda de
nacionalistas nos vários países, inclusive remanescentes do Partido Baath do
Iraque.
Essa é a
opinião de mais de uma dúzia de ardentes apoiadores do Estado Islâmico no
Iraque e Levante (ISIL) – grupo conhecido localmente pela sigla em árabe DAASH – cujo comando autorizou-me, há seis meses,
a entrevistar seus apoiadores, para discutir pontos que o comando considerou
pouco precisos em artigo que escrevi sobre ações do DAASH em Raqqa, Síria. Naquele artigo, escrevi
que o DAASH estava vendendo tesouros arqueológicos
sírios, como estavam vendendo petróleo sírio e, em alguns casos também comida
roubada em armazéns, em “leilões” improvisados, ao estrangeiro que oferecesse
melhor preço; e que não faltavam interessados.
O “S” final
da sigla ISIS tem relação com a palavra “al-Sham”, em
árabe, que tem sido usada em vários sentidos, como tradução de “Levante”,
“Síria” e, até, “Damasco”. Mas a sigla em árabe, DAASH inclui a expressão “Levante”, que, por sua
vez, significa “Leste do Mediterrâneo” e inclui Chipre, Palestina, Jordânia,
Síria e o sul da Turquia.
O ISIL, ISIS ou DAASH acaba de anunciar que Raqqa, o único dos 14
governoratos que o grupo controla na Síria é agora a capital de seu emergente
“califato” – até agora uma faixa de terra que cobre boa parte do leste e norte
da Síria e o oeste e o norte do Iraque. O Emir será o líder e principal
estrategista do grupo, sucessor de Abu Mus‘ab Zarqawi, o Dr. Abu Bakr
al-Baghdadi.
Xiitas capturados pelo ISIS/ISIL/DAASH em Tikrit |
Entre as
pessoas que entrevistei longamente há simpatizantes, estudantes de política e
da “primavera” islamista na Síria e Iraque, além de uns poucos sujeitos
sombrios e discretíssimos que me foram indicados como recrutadores de jihadistas, alguns deles trabalhando
para uma dita nova unidade especializada do DAASH,
criada no início de 2013, e dedicada
exclusivamente à luta contra o regime sionista que ocupa a Palestina. A
“Unidade Al-Quds” (ing. AQU) do DAASH trabalha atualmente para ampliar sua
influência nos mais de 60 campos de concentração de palestinos de Gaza, por
toda a Palestina Ocupada, até a Jordânia, e do Líbano ao norte da Síria. Em
toda essa área, eles trabalham para obter apoio para a ação de libertar a Palestina,
que está em preparação.
O grupo DAASH acredita, conforme me disse um de seus mais
conhecidos e respeitados intelectuais e professores-conselheiros, que a Ummat al-Islamiyah (Comunidade Islâmica), passou a apoiar a
ação armada do DAASH. Foi
também o que me disse, dia 18/6/2014, um funcionário do Foreign Office dos EUA: que a Casa Branca estima que
aproximadamente 6 milhões de sunitas iraquianos apoiam o DAASH. O apoio exclui a obsessão
sectária, os hábitos e práticas antissociais e a violência desmedida no
território sob controle do DAASH.
Mas a organização islamista crê que hoje conta com massivo apoio regional para
uma “revolução dos oprimidos” em rápida expansão na região. Grande número de
pessoas nessa região parecem, sim, apoiar os sucessos do grupo, apesar de
rejeitarem a história de brutalidade – que me foi “explicada” como ação com
objetivos políticos imediatos.
Os
intelectuais do DAASH contam com que, com o tempo, a opinião
pública recuperará a notável história do movimento, desde 2003, quando Abu Mus’ab
Zarqawi saiu da prisão na Jordânia e partiu para o Afeganistão, onde ganhou
notável experiência e a confiança de Osama Bin Laden, e então entrou no Iraque,
para sua luta de Jihad contra os EUA.
ISIS/ISIL/DAASH crê que mulheres devem estar permanentemente cobertas |
O DAASH parece estar usando apelos sectários no
Iraque e Síria, mais ou menos como fez Zarqawi, quando teve de enfrentar a
crescente milícia xiita, imediatamente depois da invasão e ocupação do Iraque
pelos EUA.
Mas os
apoiadores do DAASH dizem que, hoje, o grupo já recebeu o
reforço de mais de uma dúzia de grupos sunitas – como o Exército da Ordem
Naqshbandi. Esse grupo, JRTN em árabe, e como é conhecido localmente,
foi criado em 2007 imediatamente depois da execução de Saddam Hussein, e é
formado de oficiais leais ao governo de Saddam Hussein, inclusive oficiais de
inteligência e soldados dos seus Guardas Republicanos. Se essa aliança entre o DAASH e o JRTN sunita se mantiver e fortalecer-se, os
sunitas contribuirão com milhares de combatentes que têm raízes sociais
profundas e vigorosas na comunidade.
Um membro do JRTN com quem conversei me disse:
Com os muçulmanos sunitas sob o mesmo teto, o DAASH pode resolver suas diferenças sobre modos
de interpretar o Islã entre diferentes grupos da mesma Ummah.
Mas, antes de tudo, precisamos da vitória, que nos dará o que todos desejamos e
buscamos. Depois, se nossos parceiros Baathistas decidirem que querem ser
guardiões seculares do nacionalismo árabe sunita, a questão poderá ser discutida.
Mas terá de ser depois.
Exército Naqshbandi (JRTN) |
A página
oficial do Exército Naqshbandi (JRTN) apresenta uma conclamação à
irmandade de todos os grupos, datada de 1/1/2014:
A todos nossos
irmãos e famílias de todas as tribos e facções, aqui declaramos: vocês não
estão sós nesse campo de batalha.
O grupo DAASH insiste que já está menos ativo na matança
de todos que trabalhem para o governo da Síria ou do Iraque, inclusive dos
coletores de lixo, prática bárbara que alienou a população sunita; e que o
número de apoiadores vem crescendo desde que começaram a oferecer serviços
sociais essenciais, já como ação de um proto-Califato.
São os sionistas que nos chamam de mascarados e assassinos
sociopatas. Mas somos diferentes disso e muito mais complexos e muito mais
representativos dos grupos de querem justiça, do que nos pintam. Seríamos
talvez mais bárbaros, mais assassinos mais sociopatas, que os terroristas
sionistas que promoveram os massacres de Dier Yassin, duas vezes em Shatila em
Qana, e mais dúzias e dúzias de outros massacres? Depois que libertarmos a
Palestina, a história nos julgará.
Há alguns
anos, a CIA e outras entidades estimavam que a ocupação
sionista na Palestina entraria em colapso em menos de uma década. Essa semana,
membros do grupo DAASH me disseram que podem completar o serviço
em 72 meses.
Sobre os
eventos que cercam a tomada de Mosul e outras exibições-shows de brutalidade de massa que as televisões e
as mídias sociais divulgaram, o ISIL/ISIS
diz que são ações de guerra, feitas com um propósito, o mesmo que outros
atores estatais e não estatais têm buscado ao longo da última década: levar 90%
dos 1,5 bilhão de muçulmanos sunitas a se libertarem da opressão que 10% de muçulmanos
xiitas lhes impõem.
Jihadistas do ISIL/ISIS/DAASH queimam cigarros, proibidos por Alá |
Ouvi várias
razões pelas quais os palestinos devem manter viva a esperança de que o ISIL/ISIS conseguirá a vitória a favor da causa
deles, onde todos os ditos apoiadores de alguma Resistência, árabes, muçulmanos
e ocidentais, fracassaram horrivelmente e sempre acabaram por favorecer o
regime dos ocupantes sionistas, aterrorizando ainda mais a Palestina.
Todos os países nessa região estão jogando a carta sectária
como antes, por muito tempo, jogaram a carta Palestina. A diferença é que o ISIL/ISIS é sério sobre a Palestina, e os outros
grupos jamais foram. Telavive cairá tão rapidamente quanto caiu Mosul, quando chegar
a hora – disse-me um apoiador do grupo
DAASH.
Outro senhor
completou:
(...) o DAASH lutará onde ninguém mais quer lutar.
Todo o ISIL/ISIS parece
desprezar o regime sionista e seu exército, e parece disposto a dar-lhes
combate em futuro próximo, apesar das armas nucleares que os sionistas têm.
E o senhor pensa que não temos acesso a equipamentos nucleares?
Os sionistas sabem que temos, e se soubermos com certeza que os sionistas
preparam-se para usar as armas deles, não hesitaremos em atacar primeiro.
Depois que os sionistas partirem, a Palestina terá de ser descontaminada e
reconstruída, como já se fez em áreas onde houve dispersão de elementos
radiativos.
Giorgio Lingua |
Apoiadores
do DAASH dizem que o grupo tem procurado líderes
tribais e outros notáveis locais e todos têm discutido as diferenças que os
separam e procurado os conselhos tribais. O DAASH diz que conta com o apoio da Igreja
Católica Romana, e que, quando Mosul foi capturada semana passada, eles não
agrediram moradores cristãos, nem suas igrejas. Nisso receberam o apoio do
arcebispo Giorgio Lingua, núncio apostólico (enviado do Papa) no Iraque, que disse
a veículos de imprensa essa semana:
Os guerrilheiros que estão no controle em Mosul até agora
não cometeram nenhuma violência nem qualquer depredação contra igrejas
católicas naquela área.
Vai-se
tornando bem claro para seguidores do DAASH com quem conversei, que eles entendem que o
grupo construiu administrações locais bem organizadas nas áreas sob seu
controle, incluindo o sistema judicial de corte islâmica e forças policiais
locais não hostis, a favor da segurança e da saúde pública. Também é evidente
que, para essas pessoas, o DAASH agiu acertadamente ao fechar lojas que
revendiam alimentos estragados nos souks e supermercados, destruir estoques de
cigarros e punir com pena de chicoteamento indivíduos que maltratassem os
próprios vizinhos, além de confiscar remédios falsificados e das sentenças de
morte por apostasia.
Apoiadores
do DAASH dizem que, tão logo uma determinada região
é “libertada”, eles começam a investir nos serviços públicos (como no novo souk em Raqqa), instalam novas linhas de eletricidade
e dão início a sessões de treinamento para ensinar as pessoas técnicas de
faça-você-mesmo, para que as próprias pessoas possam cuidar mais rapidamente de
reconstruir a infraestrutura da região onde vivam e a própria casa. O DAASH tem divulgado que tem conseguido pôr em
prática um programa de recuperação de ruas e estradas, já repôs em circulação
um sistema de ônibus públicos de baixo custo para os usuários, criou um
programa “verde” para reconstruir praças e plantar árvores e flores, ajuda os
agricultores nas colheitas e mantém uma organização sustentada por doações (zakat)
de caridade.
Brigadas xiitas de Muqtada al-Sadr desfilam em Bagdá (21/6/2014) |
O ISIL já estabelecera grande número de escolas
religiosas para crianças, inclusive para meninas, onde estudam o Corão e
recebem prêmios em competições de recitação, ao mesmo tempo em que também
oferecem “dias de diversão” para os mais pequenos, com sorvete à vontade para
todos e brincadeiras. Para os mais velhos, o ISIL mantém escolas de formação para novos imãs
e pregadores. Nas mesquitas, divulgam-se os horários das aulas de estudo do
Corão e das orações. Desenvolvimento mais preocupante que esses é que o ISIL também mantém campos de treinamento e
instrução para escoteiros (soldados mirins).
Vários
veículos das mídias sociais e algumas testemunhas oculares confirmam que o
grupo DAASH desenvolve efetivamente seus programas de
bem-estar e saúde pública, opera fábricas de pão e distribui frutas e legumes
gratuitos a famílias necessitadas, entregando os bens a quem os procure e,
também, mediante um restaurante gratuito que fornece comida em Raqqa e uma
agência de adoção, que encontra famílias dispostas a acolher os órfãos nas
áreas onde vivam.
Diferente
dos Talibã e outros regimes que se opõem com fúria paranoica a campanhas de
vacinação, o grupo DAASH diz-se mais “moderno” e promove ativas
campanhas de vacinas contra pólio em suas áreas, na luta para deter a dispersão
da doença.
Os serviços
sociais oferecidos pelo grupo DAASH obviamente não diminuem a violência mortal
que seus militantes espalham por onde passam, mas sugerem que o grupo tem
projeto social e que foi sensível aos interesses e preocupações da população de
sunitas que se sentem oprimidos por governos de xiitas. Segundo um parente de
al-Bagdadi, quase meio bilhão de dólares foram apreendidos do Banco Central de
Mosul esse mês, para ajudar na campanha pela opinião pública e para corrigir
“as informações distorcidas que a mídia comercial distribui”.
O DAASH parece estar trabalhando na linha-clichê
segundo a qual em qualquer guerra metade de tudo que se ouve/lê são mentiras ou
boatos. O grupo condena o projeto de vários canais de televisão por satélite;
diz que absolutamente não noticiam os fatos com objetividade, e só fazem
distribuir rumores com viés sectário, precisamente para promover cada vez mais guerra
sectária. (Nisso, parecem acertar em cheio).
Apoiadores
do grupo DAASH com os quais falei negam qualquer interesse
em organizar ou treinar combatentes estrangeiros para atacar na Europa ou
noutros pontos; dizem que seu objetivo é estabelecer um Califato do Levante e
libertar a Palestina.
Voluntários xiitas apresentam-se para lutar contra o ISIS/ISIL/DAASH - 21/6/2014 |
Sobre como,
precisamente, o DAASH planeja libertar a Palestina, o Iraque – e,
agora, também o governo Obama – já têm em mãos uma enciclopédia de informação
sobre planos detalhados e táticas do DAASH – que serão discutidas com os ocupantes
sionistas, segundo informação que recebi por e-mail,
de funcionário do Congresso dos EUA. Ao que já se sabe, os suicidas-bomba
(grandes números de voluntários sem treinamento militar, que se movimentem a pé
e com coletes explosivos, ou dirijam carros-bomba), parece ser só a ponta de um
iceberg gigante do que o DAASH planeja.
Quem
descobriu aquela “enciclopédia” de informações sobre o DAASH foi a inteligência iraquiana, menos de 48
horas antes da queda de Mosul. Ao que se sabe, os iraquianos prenderam um
importante mensageiro do DAASH o qual, sob tortura, entregou mais de
160 pen-drives com grande quantidade de informação, a mais
detalhada já encontrada sobre o DAASH.
A inteligência dos EUA ainda trabalha para decodificar e analisar o material.
Como se
podia adivinhar que aconteceria e aconteceu, no instante em que essa informação
chegou ao Congresso, a deputada e agente israelense Ileana Ros-Lehtinen,
ex-presidente da Comissão de Assuntos Exteriores da Câmara de Deputados dos EUA,
e seus parceiros no AIPAC passaram a tentar obter cópias dos
documentos para enviá-las à Embaixada de Israel e ao Mossad. O que se diz no
Congresso é que o governo Obama tem interesse em discutir as informações com
Israel, mas ainda não deu qualquer sinal de querer partilhar qualquer informação
com o governo de Netanyahu.
Só o tempo
dirá se o DAASH alcançará ou não seus objetivos. Muitos
creem que, se conseguirem expulsar da Palestina o regime sionista, o grupo
islamista conseguirá despertar e pôr em movimento correntes históricas
profundas que, com certeza, serão muito diferentes da fantasia criada por Ehud
Omert-Condeleeza Rice, de um “Novo Oriente Médio”.
Aconteça o
que acontecer, é pouco provável que Iraque, Síria, Iêmen, Líbia, Líbano, dentre
outros países da região, venham algum dia a se assemelhar ao que George Bush
& Dick Cheney tinham em mente, e seus conselheiros neoconservadores ainda
ativos ainda têm, quando batiam tambores-de-guerra a favor de os EUA invadirem
Iraque e Líbia e, novamente querem mais guerra, agora, contra Síria e Irã.
______________________
[*]
Franklin Lamb foi
advogado-assistente do Comitê Judiciário da Câmara dos EUA e professor de
Direito Internacional na Northwestern
College of Law, Portland,Oregon.
Obteve seu diploma de Direito na Boston
University, sua pós graduação (LLM), mestrado (M.Phil) e doutoramento
(Ph.D). na London School of
Economics. Ele está atualmente residindo em Beirute e Damasco. Depois de 3
anos advogando no Tribunal de Haia, tornou-se professor visitante na Harvard Law School’s East Asian Legal
Studies Center, onde se especializou em Direito chinês.Ele foi o primeiro
ocidental admitido pelo governo da China visitar a famosa prisão de “Ward
Street”, em Xangai. Lamb está atualmente pesquisando no Líbano e
trabalhando com aPalestine Civil Rights Campaign-Lebanon e a
Sabra-Shatila Foundation. Seu
novo livro,The Case for Palestinian Civil Rights in Lebanon, será
lançado em breve.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.