Esse pessoal
não é sério...
4/6/2014, [*] Pepe Escobar,
RT, Russia Today
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Obama discursa em Varsóvia, logo após sua chegada e tendo ao fundo um F-16 |
E o que fazer da “nova” doutrina de
política exterior de Obama?
Em artigo
anterior nessa RT,
chamei de doutrina “Removam-o-Cadáver-para-o-Necrotério
– Sem alarde” – dado que ela ostensivamente privilegia a
guerra clandestina, em vez de “Choque e Pavor”.
Depois, em outro
artigo, mostrei o quando a doutrina,
ainda excepcionalista, recolhe do pensamento neoconservador de primeira hora (e
quem conceptualizou a guerra do Iraque) Robert Kagan – marido da
notória Victoria, Rainha do Nulandistão.
Mas tudo isso ainda estava, sem dúvida,
conceitual demais. De fato, como espirrou de registros da Casa Branca, a
“doutrina” nada é além de um prosaico “Não façam nenhuma merda estúpida” [orig.
“Don’t
Do Stupid S**t”],
denominação plenamente aceita pelo The
New York Times.
Mas “merda estúpida” é pouco para
descrever mesmo o primeiro ato de Obama depois de anunciar a doutrina, semana
passada, em West Point. Para os que não
entendem, digamos, a mensagem, basta uma imagem para
contar toda a história:
Obama e o
presidente da Polônia em frente a uma exposição de F-16s num aeroporto militar perto de Varsóvia.
Merda estúpida viaja também de carona na
merda séria, durante o atual tour de Obama pela Europa. Basta examinar o que foi acontecendo em cada um
dos seletos pit stops.
Primeiro, Varsóvia – cujo nervosíssimo
governo-poodle, vassalo dos EUA, está absolutamente histérico com uma tal iminente “ameaça”
russa. Na sequência, o G7 em Bruxelas – é o “ex-G8”,
do qual a Rússia foi expulsa pelas autoproclamadas
“grandes potências”. Um dos itens na agenda é a possibilidade de desancar ainda
mais sanções contra a “ameaça Moscou” à Ucrânia.
E então, as cerimônias do 70º aniversário
dos desembarques na Normandia. Quem
derrotou a Alemanha nazista foi, essencialmente, a União Soviética; o “Ocidente” só arrematou o serviço. Os generais de Stálin poderiam ter entrado em Berlim; só não entraram, porque Stálin teve medo de arrepiar excesso de penas em Yalta (e todo o cenário do pós-guerra teria sido
história completamente diferente).
É só verificar: o processo inteiro,
fascinante, fica perfeitamente visível, se se mistura “Rússia’s Road to the Cold War. Diplomacy, Warfare and the Politics of
Communism, 1941-1945”, de Vojtech Mastny, com “Inside the
Kremlin’s Cold War”, de Vladislav Zubok e Constantine Pleshakov.
Hoje, um evento sério da IIª Guerra
Mundial, como os desembarques na Normandia, já foi maculado por – adivinhem! –
pura merda estúpida.
Porque Barack Primeiro absolutamente não pode estar na mesma sala com Vladimir Putin – porque, por ali, não há teleprompter que diga a Obama o que dizer – o
presidente da França, François Hollande teve de servir dois jantares, um depois
do outro, na mesma noite, na 5ª-feira. Foi o que
vazou para a imprensa-empresa dos EUA por um dos conselheiros de política
exterior de Obama, aquela espantosa, inacreditável mediocridade, de nome Ben Rhodes.
E o absurdo mais (quase) inacreditável é
que tudo isso está acontecendo tendo, como pano de fundo, uma “operação
antiterroristas” regida por Kiev e viabilizada por Washington – no momento
em Lugansk – onde os
civis mortos, chamados “dano colateral”, estão sendo acusados de serem culpados
de tudo. Deve haver nazistas em festa – dentro dos
túmulos de ontem, ou dentro das balaclavas de hoje.
Sigam o dinheiro pirado das armas
A valsa de Obama em Varsóvia veio com a
promessa de um martelo de US$ 1 bilhão – como o Saker resumiu bem. Está sendo vendido – e já é praticamente certa a aprovação no Congresso
dos EUA – como um “plano de segurança” para o Leste da Europa, código para
deslocamento de mais soldados, mais jatos de combate e mais navios de guerra
dos EUA.
A Casa Branca, em mais um clássico de
duplifalar orwelliano, explicou que essa “Iniciativa para Tranquilização
Europeia” [orig. European Reassurance Initiative (what the fuck?!) (NTs)] vem
como resposta à (inexistente) “ameaça” russa na fronteira da Ucrânia. Assim sendo, a resposta será mais ação da
Marinha dos EUA em patrulhas da OTAN pelo Mar
Báltico e Mar Negro e mais “apoio” clandestino a Ucrânia e Georgia, estados não
membros da OTAN.
Obama sai de Varsóvia em 3/6/2014 (foto: Kevin Lamarque) |
Mais uma vez, a terminologia é chave: não
apenas estamos falando de uma doce “tranquilização” à vista desses “novos
desafios de segurança”, mas, sobretudo, acima de tudo, mais que tudo, houve uma
promessa religiosa, de fé, enunciada por Obama em pessoa, de que a segurança do
leste europeu é “sacrossanta”.
A Casa Branca tomou o cuidado de destacar
que todo esse “sacrossanto” esforço para inventar guerras e mais guerras na
Europa absolutamente não implica deslocamento, retração ou qualquer tipo de
redução do muito falado “pivoteamento” para a Ásia.
Não se precisa nem de meio nanossegundo
para ver que a nova postura de excepcionalismo & esteroides não passa de
merda estúpida – que é o que é. Essas
“medidas concebidas para intimidar a Rússia” são também um Plano B semicozido,
considerando que o Plano A – repetidas
provocações, tentando empurrar a Rússia para
“invadir” a Ucrânia – falhou
miseravelmente.
Com a húbris imperial dos EUA tão
perversamente ativada, o duplifalar
da imprensa-empresa vira uma Sala de Espelhos que só reflete o próprio
duplifalar. Mesmo ante o bombardeio diário que Kiev
promove contra civis no Leste da Ucrânia, Obama insiste que a Rússia está tentando
desestabilizar a Ucrânia; assim
sendo... inevitavelmente haverá mais “castigos”, tipo “sanções”.
Não procure lógica no
que chamei, há poucas semanas, antes do advento da merda estúpida, de
“escola de diplomacia de delinquentes juvenis; diplomacia do “não gosto de você; não falo com você; estou de mal de
você; tomara que você morra”.
A contraparte da merda estúpida foi O
Imperador a ordenar aos seus vassalos europeus que ajam juntos, que parem coessa conversa mole de crise econômica,
que destinem muito mais dinheiro para comprar da OTAN mais proteção. Se parece coisa saída diretamente do manual dos
Goodfellas de Scorsese, é porque é o que é. Só o nervoso poodle polonês e alguns outros europeus do leste – e
nenhuma das nações da União Europeia – destinam à defesa no mínimo 2% dos
respectivos PIBs. Washington está
exigindo, em altos brados, um naco maior de carne – e ouro.
E em seguida, imediatamente depois, o
secretário-geral (está em final de mandato) da OTAN, o vácuo, tolo, mentalmente
raso Dane Anders “Fogh of War” Rasmussen,
elogiou
a sabedoria d’O Imperador.
O Talibã armado com Kalashnikov derrotou a OTAN no Afeganistão |
Vale sempre lembrar que a todo-poderosa OTAN levou chute no traseiro coletivo que ostentava
no Afeganistão, posta a correr de lá por gerações de verdadeiros combatentes de
montanha e deserto armados com Kalashnikov. Mesmo assim
a OTAN está assumindo que o novo presidente
afegão – a ser eleito no final da próxima semana – assinará disciplinadamente
um Tratado do Estado das Forças [orig. Status of Forces Agreement (SOFA)] que permitirá permanência “residual”
perene de soldados da OTAN por lá, acordo a ser sacramentado na próxima reunião
de cúpula da OTAN em setembro.
O que a doutrina do “Não façam nenhuma
merda estúpida” revela é, até aqui, que o acordo de parceria OTAN-Rússia de 1997 – que
determina que não haveria tropas e bases “substanciais e permanentes” no Leste
da Europa – está praticamente morto.
A doutrina também revela que os únicos
“tranquilizados” pela nova iniciativa de segurança será um bando de
euroburocratas/plutocratas em Bruxelas – que lucrarão com a próxima chuva de
notas verdes saídas das prensas de imprimir dinheiro do Tio Sam. Basta seguir o dinheiro pirado das armas, para
ver de que lado está soprando a merda estúpida imperial.
Bem, bem... Pelo menos os adultos estão
reunidos – em outra sala, para discutir merda realmente séria. Na Normandia, na
6ª-feira, Putin reúne-se com a chanceler alemã Angela Merkel. É grande avanço, se se pensa em 70 anos
atrás.
[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista,
brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em
inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é
também analista de política de blogs e sites como: Tom Dispatch, Information
Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/ articulista
das redes Russia Today, The Real News Network Televison e
Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo
Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Globalistan:
How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
− Red
Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
− Obama
Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
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