6/9/2014, [*] Darío Pignotti, Correio do Brasil
Enviado pelo pessoal da Vila Vudu
Samuel Pinheiro Guimarães |
Até agora, a única vez que escutei Marina falar de independência, era independência do Banco Central.
(risos).
Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, na entrevista
Os
estrategistas dos Estados Unidos seguramente estão de acordo com as diretrizes
da política externa defendida pela candidata Marina Silva. Se ela for eleita,
será a vitória de um modelo diplomático similar ao que tivemos nos anos 90.
A declaração
acima é do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, ex-secretário-geral do
Itamaraty no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Em entrevista à agência
brasileira de notícias Carta Maior,
o diplomata questiona a ex-colega de governo. Junto do ex-chanceler Celso
Amorim e do assessor Marco Aurélio Garcia, Pinheiro Guimarães integrou o grupo
responsável por planejar a “diplomacia com sotaque” nas relações Sul-Sul
aplicada entre 2003 e 2010.
Premissas
que
(...) tiveram continuidade a partir de 2011
durante o mandato da presidenta Dilma Rousseff, que adotou medidas muito
corretas sobre o MERCOSUL e contra a Inteligência norte-americana no escândalo
da NSA, e resistiu às pressões para a compra de aviões de guerra
norte-americanos, afirmou Pinheiro Guimarães.
No programa
de governo apresentado uma semana atrás por Marina, foram formuladas propostas
em alguns casos antagônicas às dos governos de Dilma e Lula, além de formular
críticas enredadas ao que define como uma diplomacia “ideologizada” e
“partidarizada” durante as três gestões petistas.
●
Embaixador, estamos diante do risco de serem restaurados princípios
diplomáticos que dominaram a segunda metade dos anos 90?
Embaixador
Samuel Pinheiro Guimarães – Considero que a candidata Marina Silva
encarne a anulação do progresso conquistado nestes 12 anos. Ela e os setores
que representa buscam outro modelo de inserção internacional. Um pensamento que
se traduz no propósito de enfraquecer o Mercosul com o pretexto de torná- lo
aberto ao mundo.
● Será o fim
de qualquer aspiração de uma diplomacia independente?
Embaixador
Samuel Pinheiro Guimarães: Até agora, a única vez que escutei Marina falar de
independência foi para mencionar a independência do Banco Central (risos).
● Washington
aposta em Marina ou Aécio?
Embaixador
Samuel Pinheiro Guimarães: Não estou em Washington para dizer o que pensam. Agora, há
interesses dos Estados Unidos que foram prejudicados durante os governos de
Lula e Dilma e, é claro, que o candidato de que mais gostavam era o Aécio.
A Embaixada norte-americana adotou um perfil muito discreto
nas eleições, mas isso não deve se confundir com o fato de estarem alheios ao
que acontece. Quando o Aécio fica fora do jogo, os Estados Unidos se inclinam
para a Marina, por pragmatismo e porque ela representa o oposto ao PT. Além
disso, é alguém sem quadros próprios e, segundo dizem, tem bons contatos nos
Estados Unidos, e que demonstrou estar aberta para desmontar o Estado, reduzir
sua capacidade e autonomia internacional. Interessa aos Estados Unidos que o MERCOSUL
sejam desmontado e que projetos da era tucana sejam retomados, não nos
enganemos: nestas eleições, está em jogo a retomada do processo privatizador,
parcial ou total, da Petrobras, do Banco do Brasil e do BNDES.
● Como a
Marina implementaria esse desmantelamento do MERCOSUL?
Embaixador
Samuel Pinheiro Guimarães: Avalio que possa começar com a eliminação da cláusula que
obriga os países do MERCOSUL a negociar conjuntamente acordos de livre comércio
com outros blocos. Este ponto, que até agora não conseguiram derrubar, é uma
cláusula que vem desde o Tratado de Assunção (assinado em 1991, na formação
do MERCOSUL).
● E depois
de terminada esta limitação, o que aconteceria?
Embaixador
Samuel Pinheiro Guimarães: Uma vez eliminada essa cláusula, o caminho estará aberto
para a assinatura de acordos do Brasil com a União Europeia, sem a participação
dos outros quatro integrantes do MERCOSUL. Mas se a cláusula continuar em pé,
seria igualmente perigoso um pacto entre todo o MERCOSUL e a União Europeia. E
essa negociação, que já se iniciou mas avança lentamente, provavelmente será
acelerada durante o governo de Marina.
Quais consequências um acordo com a UE traria?
Embaixador
Samuel Pinheiro Guimarães: Muitas, uma delas é a redução considerável das tarifas (de
importações) industriais europeias afetando nossas fábricas. Defendo faz tempo
que esta aproximação, que agrada os economistas da Marina, é o passo inicial
rumo ao fim do MERCOSUL.
Vou resumir assim: a assinatura de um acordo entre os dois
blocos significará uma extraordinária vantagem para empresas europeias que
poderão exportar para cá sem que cobremos taxas, enquanto não haverá grandes
benefícios para os exportadores sul- americanos.
E acrescento que se este acordo acontecer, afetará outra
instituição fundamental do MERCOSUL, que é a Tarifa Externa Comum, fixada para
terceiros países. Se isto acontece, a união aduaneira é pulverizada, qualidade
central do MERCOSUL. E uma vez que chegarmos à hipotética assinatura do pacto
de livre comércio com os europeus, os Estados Unidos reaparecerão.
●De que
maneira?
Embaixador
Samuel Pinheiro Guimarães: Os meios e os grupos de interesses brasileiros que se
sentirem representados pela Marina só falam de um acordo com a União Europeia
por oportunismo, pela boa imagem dos europeus, que seriam maravilhosos,
educados, que nos abririam as portas do primeiro mundo. Uma retórica para
ocultar que o acordo será prejudicial para nós. Quem quiser saber o que nos
espera com esse acordo que pergunte aos gregos e aos espanhóis como a velha
Europa é tratada.
● ENTREVISTADOR: Agora tudo isso nos leva ao começo
desta conversa, que são os Estados Unidos. Por quê? Porque uma vez assinado o
pacto UE-Mercosul, no outro dia, Washington vai querer igualdade de condições
comerciais que europeus conquistaram, exigindo de nós um acordo de livre
comércio. Os Estados Unidos nunca se esqueceram do espírito da ALCA (Área de
Livre Comércio das Américas).
No começo da
década passada, FHC puniu Pinheiro Guimarães por ter-se oposto publicamente à
assinatura da ALCA, que seria enterrada durante a Cúpula das Américas,
celebrada em novembro de 2005 no balneário argentino de Mar del Plata, graças a
uma frente formada pelos presidentes Lula, Néstor Kirchner, Hugo Chávez e Evo
Morales, apoiados por outros líderes sul-americanos diante de um atônito George
Walker Bush e de seu aliado, o mexicano Vicente Fox, ex-gerente da Coca Cola,
com um grande bigode.
● A tese da
ALCA pode ser recriada com outro nome. É possível que Marina, FHC e a
inteligência neoliberal reciclem o projeto?
Embaixador
Samuel Pinheiro Guimarães: Tudo me leva a pensar que o projeto norte-americano de
integração hemisférica comercial, de eliminação de barreiras, de sanção de um
sistema de leis que privilegiam suas multinacionais etc. continua em vigor. É
preciso prestar atenção na Aliança do Pacífico (México, Colômbia, Peru e
Chile).
Entendo que os Estados Unidos se preparem para retomar essa
proposta em caso de a Marina ganhar. Porque suas posições sobre política
externa refletem as aspirações se setores empresariais, de banqueiros e grandes
meios de comunicação que demonstraram certa saudade da dependência colonial.
● Com
Marina voltaremos ao passado anterior ao encontro de Mar del Plata?
Embaixador
Samuel Pinheiro Guimarães: A candidata parece estar muito aberta a essas ideias. Mas o
interessante é que ela não está sozinha.
No seu entorno, se expressa esse espírito anterior à reunião
de Mar del Plata. Eu me refiro ao professor André Lara Resende, ao professor
Eduardo Giannetti da Fonseca, à senhora Maria Alice Setúbal (Banco Itaú). Além
disso, me parece natural que depois do primeiro turno (5 de outubro de 2014) se
somem outras pessoas com pensamento similar e que hoje estão junto do candidato
Aécio. Estou falando o professor Armínio Fraga, do professor Pedro Malán.
● O senhor
acredita que, apesar da subida de Dilma, a Marina será a futura presidenta?
Embaixador
Samuel Pinheiro Guimarães: Não, pelo contrário, acredito que, apesar de toda esta
comoção, a presidenta Dilma será reeleita. Acredito que, ao longo destes dois
meses, as ideias da ex-senadora vão ficar em evidência.
● Neste
caso, quais seriam os objetivos de sua política externa em um segundo mandato?
Embaixador
Samuel Pinheiro Guimarães: Em primeiro lugar, deve-se mencionar que sua política
externa não teve diferenças com a de Lula, apesar de Dilma não ter o mesmo
estilo de fazer política externa. Trabalhou para reforçar os BRICS, impulsionou
o banco dos BRICS, foi firme a favor da entrada da Venezuela no MERCOSUL,
apesar de os Estados Unidos terem manifestado abertamente seu interesse em
substituir o governo venezuelano, postura que encontra eco na grande imprensa
brasileira, no FHC e nos dirigentes tucanos.
No segundo mandato, a presidenta deveria ter como objetivo
reduzir a vulnerabilidade externa do país, a dependência de capitais
especulativos para o pagamento da dívida e tudo isto cria um círculo vicioso
que aumenta as taxas de juros. É falso, é um mito que as taxas sobem para combater
a inflação.
● Ou seja,
as alianças diplomáticas devem continuar, mas são necessárias mudanças na estratégia
econômica internacional?
Embaixador
Samuel Pinheiro Guimarães: Sim, e está completo o comentário dizendo que em um segundo
governo a presidenta Dilma terá que trabalhar para diversificar nosso comércio
exterior, para reduzir nossa vulnerabilidade comercial devido ao crescimento
das exportações de produtos primários cujos preços não somos nós quem
decidimos. Quando digo diversificar penso em base para reforçar exportações
industriais porque o Brasil corre o risco de seguir rumo a uma especialização
regressiva na produção agropecuária e mineral, acompanhada de uma contração do
setor industrial, aliada a uma atrofia de sua capacidade tecnológica.
___________________
[*] Dario Pignotti é correspondente da Agência Carta Maior, doutor em
Comunicação e mestre em Relações Internacionais Colabora com o Le Monde Diplomatique, o Jornal Pagina12
da Argentina e a Agencia Italiana Noticias ANSA.
Twitter: @DarioPignotti
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.