O antagonismo entre ambiente e produção não interessa à população brasileira e nem ao país
A safra de grãos projetada para 2010, de cerca de 147 milhões de toneladas, será a maior da história do Brasil. O mesmo ocorrerá na produção de açúcar e etanol: a previsão é de uma safra recorde de mais de 700 milhões de toneladas de cana-de-açúcar. Os produtores rurais brasileiros deveriam estar orgulhosos, mas eles estão amedrontados.
O crescimento da produção de alimentos no Brasil só tem sido possível porque a imensa maioria dos agricultores, dos menores aos maiores, tinha permissão legal para plantar em determinadas áreas até 2001 e, repentinamente, passou a pertencer à categoria de infratores, verdadeiros criminosos ambientais.
A legislação ampliou um problema de difícil solução ao determinar, em julho de 2008, mais uma alteração por decreto do Código Florestal: os produtores que não averbarem as reservas legais estão passíveis de pesadas multas diárias. A aplicação rigorosa e estrita da atual legislação ambiental quebraria a agricultura e os agricultores brasileiros. Por esse motivo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, prorrogou a entrada em vigor desse decreto para julho de 2011. Daí a necessidade de fazer adaptações no atual Código Florestal, mesmo em ano eleitoral.
No Rio Grande do Sul, mais de 600 mil propriedades não possuem o estoque de terras necessário para cumprir a exigência e foram colhidas na ilegalidade. O mesmo ocorre no Paraná, em Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e em toda a Zona da Mata e Agreste nordestinos, na região Bragantina do Pará – praticamente em todo o Brasil. Algumas dessas propriedades foram desmatadas há séculos e não possuem matas significativas para preservar.
Na Amazônia, houve desmatamento por exigência oficial como condição para titulação do imóvel rural. O mesmo pequeno agricultor de Machadinho d ‘ Oeste, em Rondônia, que desmatou metade de seu lote de 40 hectares por exigência do Incra, agora se vê obrigado a reconstituir 80% de floresta com os recursos que não tem, e manter a família com 8 hectares de terra produtiva, tarefa ainda mais impossível. A legislação premia o latifúndio improdutivo.
Grande parte da irrigação existente no Nordeste, e em todo o Brasil, deveria cessar para cumprir a legislação ambiental. Tanto as instalações, estações de bombeamento e energia, canais como as áreas irrigadas dos projetos estão localizadas ao lado do rio São Francisco e de outros cursos d ‘ água em plena Área de Preservação Permanente (APP). O mesmo valeria para boa parte dos trajetos de transposição das águas do rio São Francisco que seguem eixos hidrográficos. Seriam construídos mas não poderiam ter utilização prática.
A produção de arroz nas várzeas do Rio Grande do Sul, São Paulo (vale do Paraíba) e Maranhão é ilegal e deveria cessar pelas normas atuais. O mesmo ocorre com a criação de búfalos, atividade tradicional nas várzeas do Maranhão, Amapá e na Ilha de Marajó. A cultura do feijão no Brasil está situada em áreas acidentadas de pequenos produtores que não têm como cumprir o dispositivo da Reserva Legal, a exemplo da região de Itararé e Itaberá, em São Paulo. Também deveria cessar. Escolheríamos entre o fim do feijão com arroz ou a alta do preço desses alimentos básicos, importando feijão da Colômbia e arroz da Ásia.
O tradicional café com leite também está ameaçado, uma vez que o café é cultivado em colinas e áreas de morro e relevo: quanto mais alto, melhor o café. É assim em São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Paraná. Esses produtores estão agora na ilegalidade, mesmo aqueles que ocupam essas áreas há dezenas de anos e, em muitos casos, há mais de um século. As mesmas exigências alcançam milhares de pequenos produtores de leite da serra da Mantiqueira, de Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo; do sertão e do agreste nordestinos; do vale do Paraíba e de todas as áreas de relevo onde existam pastagens nativas e implantadas. Essas terras inadequadas para a agricultura, à custa de muito engenho e trabalho, foram adaptadas pelo homem para produzirem uma proteína nobre, o leite, graças à transformação do pasto em alimento para seus bovinos e caprinos. Hoje, esses agricultores são multados, ameaçados e até presos por esse “crime”.
As mesmas exigências colocam na ilegalidade grande parte da pecuária de corte no Brasil, situada em áreas de relevo e nos cerrados e de pequenos ruminantes (ovinos e caprinos) no Nordeste, bem como a produção de suínos e aves no Sul do Brasil, cujas granjas e instalações estão localizadas em áreas de relevo, principalmente na região de Chapecó, em Santa Catarina. Para cumprir a legislação ambiental, praticamente toda a pecuária deveria ser removida do Pantanal, já que a região inteira é considerada uma APP.
Ao cavar um abismo entre a necessária proteção ao ambiente e o estímulo à produção rural, a legislação não logrou qualquer objetivo. A natureza continua exposta a danos evitáveis e a atividade produtiva imobilizada por um cipoal de normas impossível de ser cumprido.
O que propomos é a ampliação da proteção efetiva aos bens naturais, a recuperação das áreas essenciais ao cumprimento dessa finalidade e o reconhecimento do esforço produtivo nacional como bem insubstituível na busca do bem estar material e espiritual do nosso povo.
Decisiva é a incorporação dos estados e municípios na programação e formulação – dentro dos limites da lei nacional – das políticas ambientais, uma vez que é impossível executá-las e fiscalizá-las a partir de Brasília. O antagonismo entre ambiente e produção e o imobilismo diante dos problemas existentes não interessam à população nem ao Brasil.
Aldo Rebelo é deputado federal (PCdoB-SP), jornalista, escritor e relator do Código Florestal. Presidiu a Câmara dos Deputados 2005/2007 e foi ministro de Relações Institucionais do governo Lula