Por Patrick Cockburn, Counterpunch
bombistas. Foto de The U.S. Army, FlickR
Poucos dias depois de os EUA terem anunciado a retirada da sua última brigada de combate do Iraque, o ramo local da al-Qaida desencadeou uma demonstração de força, matando ou ferindo 300 pessoas em ataques em todo o país.
Os seus bombistas suicidas chocaram veículos cobertos de explosivos contra esquadras de polícia ou comboios militares, desde Mossul, no Norte, a Bassorá, no Sul.
A continuidade da feroz violência no Iraque, onde há mais pessoas a morrer por bombas ou balas do que no Afeganistão, leva a questionar a sua estabilidade, quando as forças dos EUA finalmente retirarem, no final do ano que vem.
Políticos americanos, soldados e membros de institutos de estudos (think tanks) recomendam que as tropas americanas fiquem mais tempo, apesar de, mesmo quando estavam com o contingente máximo, as tropas dos EUA claramente não conseguiram impedir a acção dos bombistas.
A infeliz verdade pode ser que o Iraque tenha já atingido uma sinistra forma de estabilidade, onde persiste um alto nível de violência e um estado semi-desfuncional. Por má que seja a presente situação no país, pode não haver motivos suficientes para mudar.
Politicamente, o Iraque pode se parecer crescentemente ao Líbano, com cada comunidade étnica ou sectária competindo por uma parcela do poder e dos recursos. Mas se o Iraque está a tornar-se como o Líbano, é um Líbano com dinheiro. Por mais desfuncional que a máquina do estado possa ser, ainda tem 60 mil milhões de dólares de rendimento anual do petróleo para gastar, na sua maioria em salários das forças de segurança e da burocracia civil. Um ex-ministro iraquiano diz que o momento em que viu a nova elite política iraquiana “num estado de pânico real, foi quando o preço do petróleo caiu abaixo dos 50 dólares por barril, há um par de anos”.
São os rendimentos do petróleo que evitam que o Iraque se divida e que fazem a diferença em relação ao Afeganistão, onde o governo é dependente das doações externas. Xiitas, sunitas e curdos podem não gostar uns dos outros, mas não podem viver sem uma parte do dinheiro do petróleo ou dos empregos que ele financia. Um terço da população de 27 milhões do Iraque depende de rações distribuídas pelo Estado para evitar a desnutrição. Mesmo os muito autónomos curdos dependem dos 4-5 mil milhões de dólares de Bagdad para financiar o seu governo. Para além do petróleo, e da máquina estatal que ele paga, pouco mais há a manter unido o Iraque. O panorama político é definido pelas divisões sectárias e étnicas. As lealdades comunais determinaram quase totalmente o resultado das eleições parlamentares de 7 de Março deste ano, como acontecera nas eleições anteriores de 2005. Há poucos sinais de que isto possa mudar.
Nada de muito surpreendente. Curdos, xiitas e sunitas têm memória de terem sido massacrados. Cerca de 180 mil curdos foram chacinados durante a campanha Anfal, de Saddam Hussein, no final de 1980; dezenas de milhares de xiitas foram mortos quando a sua sublevação foi esmagada pelo exército iraquiano em 1991; os sunitas foram as principais vítimas da guerra civil sectária de 2006-7, quando, na pior fase, se encontravam 3.000 cadáveres nas ruas de Bagdad por mês.
O legado destes massacres é que cada uma das três principais comunidades do Iraque comporta-se como se fosse um país separado. O sistema político foi concebido para encorajar a partilha de poder entre as três comunidades. Na prática, a falta de vontade de fazer concessões tornou-se numa receita para o impasse político permanente.
A reacção natural dos políticos iraquianos quando confrontados com uma crise de relações com outra comunidade iraquiana é a de evitar compromissos e procurar aliados estrangeiros. É isto que tona tão difícil re-criar o Iraque como um estado genuinamente independente. Os iraquianos frequentemente se decepcionam por causa disto.
Os sunitas, que acreditam ser não-sectários, simplesmente classificam os líderes xiitas como quase-iranianos. Os líderes xiitas recebem os sunitas como seus irmãos, mas depois tentam excluir os que denunciam como baathistas. Os curdos permanecem profundamente desconfiados da possibilidade de os árabes sunitas e xiitas se unirem para acabar com a quase independência do Curdistão.
O Iraque conseguiu uma espécie de estabilidade no meio destas tensões. Xiitas e sunitas podem não gostar uns dos outros, mas há três xiitas para cada sunita. A guerra civil teve vencedores e vencidos e foram os xiitas que emergiram como vencedores. São eles e os curdos que controlam o estado e não vão abrir mão disso. Devido a todas as diferenças entre curdos e árabes em relação ao controlo do Norte do Iraque, os curdos têm muito a perder para deixar esta questão deslizar para uma guerra.
O próximo governo iraquiano, cuja formação tem sido sucessivamente adiada devido às divisões dentro do campo xiita em relação ao primeiro-ministro Nouri al-Maliki, vai ser provavelmente muito parecido ao actual. Será dominado por xiitas e curdos, com algumas concessões simbólicas aos sunitas. Os sunitas podem não estar contentes, mas é duvidoso que tenham força para começar outra insurreição.
Para o bem ou para o mal, o actual sistema político iraquiano está solidificado. As forças externas que o desestabilizaram estão a tornar-se menos poderosas. O exército dos EUA está a retirar. Apresentam isto como uma fonte de instabilidade, mas na prática a presença de um exército terrestre americano no Iraque desde 2003 tem sido profundamente desestabilizadora para o conjunto. Tanto o Irão quanto a Síria levaram a sério o discurso do presidente George W. Bush sobre o “Eixo do mal”, que denunciou os seus governos e deixou claro que os EUA nunca pacificariam o Iraque.
Os iranianos conseguiram grande parte dos seus objectivos, que são o domínio dos seus correligionários xiitas no Iraque e a partida das forças americanas. Um desfecho como este não é inesperado. A partir do momento em que o presidente Bush e Tony Blair decidiram derrubar Saddam Hussein, era provável que o seu regime predominantemente sunita fosse ser substituído por um outro dominado pelos xiitas, e que a influência iraniana no Iraque fosse primordial, comparada com outros estados estrangeiros. Durante sete anos, Washington lutou em vão para evitar este resultado quase inevitável. O novo Iraque pode não ser um lugar muito agradável, mas provavelmente veio para ficar.
Patrick Cockburn é o autor de "Muqtada: Muqtada Al-Sadr, the Shia Revival, and the Struggle for Iraq." (Muqtada: Muqtada Al-Sadr, o ressurgimento xiita, e a luta pelo Iraque).
Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net