24/10/2010, Glenn Greenwald, Salon - The Nixonian henchmen of today: at the NYT
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Depois que Daniel Ellsberg vazou os “Pentagon Papers” e expôs as mentiras, a brutalidade a desumanidade do que os EUA fizeram na Guerra do Vietnã, o presidente Nixon e Henry Kissinger tramaram, infames, para destruir sua credibilidade. Como se lê no resumo ricamente documentado daqueles eventos, divulgado por History Commons em: Context of 'May 1969: FBI Wiretaps Nixon Aides, Reporters at Kissinger’s Behest'
O presidente Nixon autoriza a criação de uma “unidade especial de investigação”, mais tarde apelidada de “Encanadores”, para conter e vedar todos os vazamentos pela mídia. O primeiro alvo é Daniel Ellsberg, que vazou os “Pentagon Papers” para a imprensa (ver 13/6/1971); a equipe invadiu e saqueou o consultório do psiquiatra de Ellsberg, Dr. Lewis Fielding, na esperança de obter informação que a Casa Branca pudesse usar na campanha de difamação contra Ellsberg, para minar sua credibilidade (...).
John Ehrlichman, assessor de Nixon, comunica aos chefes dos “Encanadores” Egil Krogh e David Young (ver 20/7/1971) as instruções de Nixon sobre o autor dos vazamentos dos “Pentagon Papers” Daniel Ellsberg (ver Final de junho-julho/1971) (...). Em poucos dias, Keogh e Young entregam a Ehrlichman memorando detalhado dos resultados das investigações sobre Ellsberg e uma dúzia de amigos de Ellsberg, parentes e colegas (...).
Essa semana, WikiLeaks divulgou mais de 400 mil documentos secretos da Guerra do Iraque detalhando os horrores do assassinato em massa de civis, a cumplicidade dos EUA na disseminação da tortura no Iraque, a ocultação sistemática, pelo governo, do número de mortos, e o massacre de civis, por soldados dos EUA, sobre os quais o próprio Daniel Ellsberg disse, nos termos do que o New York Times publicou em: WikiLeaks Founder Gets Support in Rebuking U.S. on Whistle-Blowers: “muitas das mortes de civis devem ser contadas como assassinatos”.
Como seria fácil de prever que aconteceria e já está acontecendo, exatamente como no caso de Ellsberg, está em curso hoje um grande esforço, coordenado, para destruir a figura do fundador de WikiLeaks, Julian Assange, e para apresentá-lo como doente mental – tudo, com o objetivo de distrair as atenções das terríveis revelações que se leem em WikiLeaks, e para minar a capacidade da organização de Assange para continuar a expor os segredos mais sujos e os erros do governo dos EUA no Iraque. De diferente, hoje, que a campanha de difamação, hoje, não está sendo liderada por funcionários do governo, mas por membros da ‘grande’ mídia comercial. Como Tim Shorrock escreveu hoje no Twitter: “Quando Dan Ellsberg vazou os Papéis do Pentágono, os quadrilheiros de Nixon tentaram destruir sua reputação. Hoje, c/Wikileaks & Assange, quem faz o serviço sujo é a imprensa comercial”.
Ontem, Assange abandonou uma entrevista que dava à CNN e que ele supunha que discutiria o significado das revelações sobre a Guerra do Iraque, porque o ‘jornalista’ da CNN só lhe perguntava sobre boatos e futricas sobre sua vida privada, sem nenhuma pergunta sobre os documentos vazados. No Nation, Greg Mitchell assim resume a entrevista: “Assange para a CNN: ‘Você quer falar sobre 104 mil mortos, ou sobre minha vida privada?’ A resposta da CNN não poderia ter sido mais clara: a segunda opção, sem dúvida.”
Mas o ponto mais baixo da campanha de difamação leva a marca de John Burns, do The New York Times, que assina artigo repulsivo (WikiLeaks Founder on the Run, Trailed by Notoriety) sobre Assange – carregado com todos os boatos mais sórdidos, mais imundos sobre ele – que foi (e continua lá, agora, em ) publicado com destaque no NYT, disputando atenção e espaço com o noticiário sobre os documentos vazados, e em alguns momentos, recebendo mais atenção do que as notícias. Vê-se, no link acima, da página de hoje do NYT, com a matéria sobre a vida pessoal de Assange em destaque.
Não surpreende que Burns faça hoje o papel que, em 1971, coube a Henry Kissinger e John Ehrichman. É verdade que Burns foi excepcional correspondente de guerra no Iraque, mas isso não implica que o jornalista algum dia tenha-se posicionado contra a guerra do Iraque ou os desmandos dos EUA no Iraque. Seus relatos sempre foram de glorificação dos EUA. Por isso, aliás, até os neocons que detestam o NYT muitas vezes o elogiam (como elogiam também Michael Gordon, parceiro de Judy Miller) (...).
Para justificar-se e justificar o discurso simplório e os mitos erros de avaliação sobre o Iraque que cometeram ele e seus colegas de mídia, Burns escreveu há dois meses – e dessa vez, mentiu, além de errar – que “poucos, praticamente ninguém, anteviu a extensão da violência que brotaria lá ou a convulsão política que aconteceria no Iraque, nos EUA e por toda parte” e que “não podíamos saber, então, embora talvez devêssemos ter adivinhado, a escala do conflito que aquela invasão desencadearia.”
A guerra do Iraque é a guerra de John Burns, e, pelo crime de ter mostrado a verdadeira face daquela guerra, Julian Assange tem de ser destruído, seu caráter enlameado, sua saúde mental convertida em peste que ameaça a sociedade. Burns – e seu co-redator Ravi Somaiya – entregam-se pervertidamente à execução da tarefa (...)
Richard Nixon e seus “Encanadores” jamais se arriscariam a entregar a jornalistas a tarefa de dedicadamente destruir a reputação de vazadores de informação secreta, suas fontes sempre tão atentamente preservadas por jornalistas. (...) Pelo que se vê hoje, ante centenas de milhares de documentos que expõem crimes e abusos os mais revoltantes – esquadrões da morte e tortura generalizada e massacre de civis, como rotina de uma guerra que Burton elogiou ao longo de anos, e que seu jornal fez, mais do que qualquer outro, o trabalho de viabilizar e tornar inevitável – John Burns e seus editores do NYT decidiram que a questão mais premente e jornalística, de todos os documentos vazados, seria: “Mas quem, afinal, é esse Julian Assange?”
“Comportamento errático e autoritário”. “Mania de grandeza”. “Autoritarismo”. “Uma vendetta contra os EUA”. “Não está em seu juízo perfeito.” Burns já nem precisa invadir o consultório de algum psiquiatra, para decidir que Assange seria “doente mental”, perigoso subversivo em guerra contra os EUA, associado a outros subversivos e... num instante... fazem, o jornal e o jornalista, o trabalho que, antes, exigiu mobilização de todo o governo Nixon!
É claro que, mesmo para um sociopata limítrofe, como Burns, a culpa que sente por ter pregado, propagandeado e viabilizado (além de muito a ter elogiado!) uma guerra que gerou a quantidade espantosa de desgraça e sofrimento humano que se vê nos documentos vazados deve ser terrível, insuportável. A tentação de destruir o portador de verdades terríveis sempre é muito forte. Mas não importa o quanto façam Burns e o New York Times, para destruir e enlamear Assange, nada conseguirá arrefecer a culpa (nem diminuir a [ir]responsabilidade) do jornalista e do jornal. (...)
Os traços de personalidade de Julian Assange nada têm a ver com as revelações que seu trabalho trouxe a público. Nada acrescentam aos documentos, à autenticidade dos documentos – que absolutamente não se discute, e está confirmada até pela reação do governo dos EUA e do Pentágono. Dar atenção aos aspectos de jornalismo de futricas, sobre a vida pessoal de Assange só tem o efeito – e o único objetivo – de distrair a atenção dos leitores, para que não vejam a verdade que há naqueles documentos sobre aquela guerra e o papel dos EUA, além, é claro, de tentar minar ‘preventivamente’ a credibilidade de WikiLeaks, tentando impedir que mais pessoas encaminhem àquela página documentos secretos a que tenham acesso, para que sejam divulgados ao grande público.
O The New York Times, a CNN e inúmeros outros veículos da mídia comercial têm sido rápidos a oferecer-se para fazer esse tipo de serviço sujo. Servir aos interesses de um ou outro governo, aliar-se a um ou outro grupo, ao Estado ou contra o Estado, ao Exército ou a um ou outro general, e atacar, simultaneamente, os jornalistas que não façam como eles e não escrevam exatamente o que eles escrevem. Esses veículos da mídia comercial existem para fazer exatamente isso. Por isso são “jornais e jornalistas do establishment”.
Além do mais, a última coisa que esses jornais e jornalistas querem é que mais norte-americanos se apercebam do horror que foi o ataque ao Iraque, dados os muitos e muitos anos que aqueles jornais e jornalistas consumiram no trabalho de construir a necessidade da invasão do Iraque e o papel central que tiveram naquela invasão. Pelo mesmo motivo, os jornalistas do establishment também se opuseram, praticamente todos eles, a qualquer investigação sobre os crimes do governo Bush que ignoraram e não denunciaram (quando não elogiaram).
E, ao servir como versão 2010 dos Encanadores da Casa Branca – atuando como cães de guarda contra os inimigos do Pentágono – esses jornais e jornalistas sem dúvida atraem para eles mesmos quantidades astronômicas de boa vontade dos que estão no poder, o único objetivo que realmente mobiliza esses jornalistas e esses jornais.
É, sim, significativo e revelador que os John Ehrlichmans e Henry Kissingers de hoje estejam encastelados nas grandes empresas comerciais de jornalismo.
Graças a eles, a Casa Branca pode dar folga aos seus próprios especialistas em difamação e detonadores de reputações.