30/10/2010, *Pepe Escobar, Asia Times Online - Osama has (not) left the building
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Pelo duvidoso privilégio de sustentar o establishment de inteligência dos EUA – 16 agências e a correspondente sopa de letrinhas de siglas – para a missão de não encontrar Osama bin Laden e o número 2 da Al-Qaeda Ayman al-Zawahiri, os contribuintes norte-americanos têm agora de encarar uma conta de aterrorizantes 500 bilhões de dólares (ainda aumentando). Apesar disso, as perguntas óbvias continuam a ressoar de Seattle a Selma e da Suíça à Suazilândia. Onde está Osama? Que fim levou al-Zawahiri? E o mulá Omar, o Supremo, que escapa na garupa de motocicletas talibãs?
Para começar, por que a inteligência dos EUA não pergunta ao ministério das Relações Exteriores da França? O pessoal lá jura sobre suas gravatas Dior que Osama está vivo – e ouve-se sua autêntica voz de mestre da Jihad em fita gravada divulgada pela rede al-Jazeera, semana passada. Na gravação, Osama não economiza palavras para alertar a França que a Torre Eiffel pode enfrentar turbulências diferentes das normais nos próximos dias (a torre já foi evacuada duas vezes, nos últimos tempos).
Osama – ou a alma penada que se faz passar por ele – disse: “Se vocês continuam a nos tiranizar e acham que têm pleno direito de proibir mulheres livres de usarem a burqa, por que não temos, nós, o direito de expulsar de nossas terras os seus exércitos de ocupação, arrastando-os pelo pescoço?” Ansiosa, Paris levou extremamente a sério a analogia.
Janela com vista
Então, já que não há dúvidas de que muita gente acha que Osama parece estar vivo e em bom estado de saúde, e que concluiu com sucesso a migração da tecnologia de fitas cassete TDK para os MP3 (a menos que circunspectos diplomatas franceses tenham mentido; e a menos que se apaguem do arquivo as gargalhadas que se ouvem cada vez que dúzias e dúzias de “analistas de inteligência” dos EUA afirmam e reafirmam que jamais divulgaram fitas falsas de Obama)... a parte que interessa é saber onde fica seu humilde tugúrio.
Ou, então... Por que não recorrer à formidável Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e àquele mais extraordinariamente sofisticado conjunto de armas e equipamentos e tecnologias de guerra do planeta – e, de fato, nem se entende por que estão sendo tão espetacularmente derrotados no Afeganistão. Porque estão, sim, perdendo a guerra, nesse exato instante em que conversamos. (O legendário Mikhail Gorbachev, que sabe bastante sobre perder uma ou duas guerras no Hindu Kush, – acaba de cunhar fórmula sincopada e clara: “É impossível vencer no Afeganistão. Obama tem de providenciar a retirada. Por mais difícil que seja.”)
O caso é que oficiais da OTAN acabam de deixar vazar para a mídia comercial global que “Osama está escondido em algum ponto do nordeste do Paquistão”. Oh! Ah! É mesmo? Estará em Miram Shah, na fronteira com a província Paktika? Ou estará em Parachinar, perto de Nangarhar (exatamente para onde Osama e al-Zawahiri fugiram, escapados de Tora Bora em dezembro de 2001)? Ou talvez esteja em Chitral, perto de Kunar? Ou... Ah! Pode também estar na estrada Karakoram, junto à fronteira com a China?
[Espera, espera. Nenhuma resposta pelo rádio.] Os rapazes da OTAN não sabem – como tampouco parecem conhecer a complexa geografia daquelas montanhas e as rivalidades tribais da parte sul do Hindu Kush. Os rapazes da OTAN, parece, estão repetindo o que dizem aquelas filas de chamados “analistas de inteligência” dos EUA, que juram, todos, do alto do ar condicionado de seus “think tanks”, que Osama ainda controla o “comando estratégico” da al-Qaeda, de uma base instalada “em local não sabido, no Paquistão”. O Paquistão é do tamanho de duas Californias. Tente encontrar uma agulha maluca no palheiro do [deserto] Mojave.
Os rapazes da OTAN também juram que o mulá Omar esconde-se, sempre trocando de esconderijo, entre Quetta, capital do Baloquistão, e Karachi. Ora, ora... Talvez se desloque de ônibus (pelo “corujão” do deserto) ou camuflado em caravana de burros. Não interessa. Ninguém o encontrará por aí. Mas... e, talvez, se tentassem a suíte presidencial do Hotel Serena, em Quetta?
É possível que o aparato da inteligência do Paquistão saiba alguma coisa. “Não sabemos de nada!” – grita o embaixador do Paquistão à ONU, Hussain Haqqani, “A causa pela qual a OTAN nada declara oficialmente é que a OTAN não tem qualquer base para declarar coisa alguma”.
Nesse caso... a inteligência do Paquistão, ou alguns agentes que operam dentro da inteligência do Paquistão, saberão de algo. Nesse caso, a CIA também saberia. Como disse o embaixador Haqqani: “Se alguém supõe que o Paquistão teria algum interesse em proteger bin Laden , é porque andou fumando o que não deveria fumar”.
Bem, bem... Se andaram fumando, ninguém fumou fumo do Hindu Kush do bom – porque Haqqani continua a jurar que Washington e a OTAN não compartilham “inteligência alguma” com o Paquistão, sobre Osama, já faz tempo, uns poucos anos. Será por que – como no famoso ditado hollywoodiano – ninguém sabe, ninguém viu?
O homem invisível
Na vida real, a verdade é que uns poucos seletos membros dos serviços secretos do Paquistão sabem – porque seguem todos os passos de Osama desde o início dos anos 1980s. Mas não falam e jamais falarão. A evidência de que a CIA e as 16 agências e correspondente sopa de letrinhas de siglas da comunidade de inteligência nos EUA não sabem, isso, sim, diz muito, muito, sobre um establishment de “inteligência”, cujos um milhão de norte-americanos empregados têm, todos, credencial para acesso a documentos de segurança máxima. São um milhão de norte-americanos absolutamente sem serventia alguma, no que tenha a ver com reunir em campo informação de inteligência, entre a população, no sul do Hindu Kush.
Nesse caso, talvez, então, devessem consultar o Exército do Paquistão. O general Ashfaq Parvez Kiani – queridinho do Pentágono – esteve em Washington para a terceira rodada do que se conhece como “diálogo estratégico” com o Pentágono. Posso imaginar o almirante Mike Mullen, comandante do estado-maior das forças dos EUA, perguntando a Kiani, “Se o Waziristão Norte é o epicentro do terrorismo, onde al-Qaeda está amoitada, por que vocês não vão até lá com seus tanques flamejantes e os desentocam e mandam para nós?"
A base Chapman em Khost, no Afeganistão, do outro lado do Waziristão Norte, é operada pela CIA. Mas que ninguém espere que Chapman chegue às manchetes exibindo os escalpos (“procuram-se! Vivos ou mortos!”) da al-Qaeda. Há, sim, alguns jihadistas árabes da al-Qaeda aos quais os Haqqanis ofereceram asilo e abrigo – no máximo algumas poucas dúzias –, mas todos terão tempo de sobra para cair fora de Dodge, antes de a CIA aparecer, graças aos serviços daqueles selecionados agentes do serviço secreto paquistanês.
O que mais importa é que Kiani não tem tendências suicidárias. Ele sabe que os Haqqanis e miríade de grupos protegidos pelos Haqqanis são intimamente conectados aos Talibãs da província do Punjab. Se Kiani tentar qualquer tipo de ofensiva, choverá sobre o Paquistão, como retaliação, uma tempestade de ataques com homens-bombas. Ninguém, em sã consciência, duvida disso. Nem Kiani, é claro.
Essa retaliação, aliás, acontecerá de qualquer modo, porque, nesse cenário de “ninguém sabe e, se sabe, não fala”, a única arma que resta a Washington são os aviões-robôs não tripulados, para bombardear sem parar o Waziristão Norte até destruir tudo, até a última parede e o último ser vivo.
Sim, é verdade que o governo Barack Obama está também tentando desesperadamente achar uma via para sair do “AfPak”. Nessa operação, a chave é a Arábia Saudita. Não só o mulá Omar, mas vários outros líderes afegãos que se opõem visceralmente à ocupação, como Gulbuddin Hekmatyar e Abdul Rasul Sayyaf, mantêm relações muito estreitas com a Arábia Saudita. Washington agora depende da Arábia Saudita para convencê-los a sentar e conversar.
Nada garante que aconteça (e todos dizem que não estão conversando com seja lá quem for). E mesmo que conversem, nada garante que alguma conversação leve ao fim da guerra (que o Pentágono com certeza não deseja). Quanto ao exército e aos serviços de inteligência do Paquistão, o que realmente desejam é criar um governo satélite do Afeganistão, parte ainda da doutrina de “profundidade estratégiva”; e querem continuar a receber ajuda perpétuca de Washington. Nesse quadro, é essencial ser competente no jogo duplo – o que vale, sobretudo no caso de Osama e al-Zawahiri, a regra de ouro que garante uma eterna “guerra ao terror”, outro nome para a “longa guerra” como diz o Pentágono.
Eles jogam esconde-esconde. Somem e aparecem. Devem-se esperar muitos áudios e filmes de Osama, cada vez mais, de agora em diante. Talvez devam considerar criar seu podcast em iTunes.
Nada sugere, em termos de possibilidades reais, que Osama venha a ocupar as dependências das prisões do ex-vice-presidente Dick Cheney em futuro próximo.
Ainda não deixou o prédio e aprende, de Suspicious Minds, Elvis, 1970[1]: “Estamos os dois presos na mesma arapuca...”.
*Pepe Escobar é um reporter brasileiro e autor de Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War (Nimble Books, 2007) e Red Zone Blues: a snapshot of Baghdad during the surge. Seu mais novo livro é: Obama does Globalistan (Nimble Books, 2009).
Pode ser encontrado pelo e-mail:t pepeasia@yahoo.com .