quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Al-Qaeda aposta no caos

Syed Saleem Shahzad

28/1/2011, Syed Saleem Shahzad, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu 
Syed Saleem Shahzad é editor-chefe da sucursal de Asia Times Online no Paquistão

ISLAMABAD. Dia 17 de janeiro, o primeiro-ministro Mohammed Ghannouchi anunciou um governo temporário de unidade nacional na Tunísia, depois de derrubada a ditadura de Zine el-Abidine Ben Ali, mas a chamada "revolução do jasmim" ainda não conseguiu livrar o país do legado do ex-presidente; resultado disso, prosseguem as grandes manifestações de rua. 

Ainda na 3ª-feira não havia qualquer sinal de solução e prosseguia o impasse entre os manifestantes e as autoridades, depois de, na véspera, ter sido adiada uma reapresentação do governo de transição – do qual participam vários ex-ministros de Ben Ali. Milhares de manifestantes continuam acampados nas ruas. 

Os eventos na Tunísia, com a derrubada de governante impopular, inspiraram muita gente em vários outros países. Grandes grupos de manifestantes tomaram as ruas na Argélia e também no Egito, considerado país líder do mundo árabe, em eventos que têm sido vistos como as mais violentas agitações de rua em três décadas do governo apoiado pelos EUA, de Hosni Mubarak. 

Como na Tunísia, também nesses países não há papel específico previsto para forças de oposição política. 

O quadro levou os ideólogos e estrategistas da al-Qaeda a segurar suas cartas. Além de algumas poucas declarações, não planejam nenhuma intervenção imediata. Estão apostando em que os levantes populares levarão a caos cada vez maior – considerado contexto interessante pela al-Qaeda –, ao mesmo tempo em que, no momento, não há qualquer força política popular capaz de propor liderança alternativa ao governo interino. 

Al Qaeda - Logo
Assim sendo, a al-Qaeda esperará para ver, contando com que o caos tenha potência suficiente para diluir o aparelho do Estado, até que se criem novas condições para que o grupo se possa estabelecer mais firmemente, como fez na Somália, no Iraque e no Afeganistão. 

“No momento, não há qualquer necessidade de a al-Qaeda intervir”, disse a Asia Times Online um dos principais estrategistas da al-Qaeda no sul da Ásia, que pediu para não ser identificado. 

“Nas atuais circunstâncias, não há papel para a Al-Qaeda. A situação é ainda muito preliminar, sem qualquer definição à vista. Nesse momento, a agitação de rua espalha-se pelo mundo árabe, mas nada há à frente, além de um grande vácuo. Não há qualquer tipo de ideia ou liderança política para dar direção a esses movimentos. 

“Assim sendo, a al-Qaeda deixará que prossiga a agitação popular, sem assumir qualquer papel nessa fase. O papel da Al-Qaeda começará na fase seguinte, quando a agitação de rua estiver mais forte e o sistema de governo entrar em colapso nesses países. Será a hora de a Al-Qaeda apresentar seus planos e introduzir suas estratégias” – disse a mesma fonte. 

A agitação no Egito, com seus 80 milhões de habitantes, pôs de sobreaviso todo o planeta. O Egito é o mais importante aliado dos EUA na região, e lar de alguns dos mais radicais e ultrarradicais grupos da resistência islâmica. Os protestos de hoje tanto podem conduzir à democratização, quanto podem jogar o país nos braços dos radicais. 

Depois do confronto entre a polícia e milhares de manifestantes nas ruas do Cairo na 3ª-feira, houve ligeira diminuição nas tensões, depois que o ministro do Interior declarou que “não serão permitidas aglomerações, passeatas ou comícios, nem qualquer tipo de movimento de provocação ou protesto”.

Até aqui, há quase 1.000 presos em todo o Egito e as manifestações já são consideradas as maiores, em décadas. As pessoas protestam contra a lastimável situação econômica no país e exigem a renúncia de Mubarak. Gamal Mubarak, filho do presidente e seu herdeiro potencial, e a família já fugiu para o Reino Unido, como noticiou hoje o jornal Akhbar al-Arab. 

Rashid al-Ghannusi, líder islâmico tunisiano no exílio está preparando a volta ao país. Para tranquilizar o público internacional e dourar a pílula, declarou que seguiria o modelo do primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan, introduzindo um Islã moderado. 

O líder islâmico do Sudão, Dr. Hassan Turabi, foi preso depois de ameaçar o governo com revolta semelhante à da Tunísia. Grupos islâmicos ocuparam também as ruas da Jordânia e prometem novos protestos para os próximos dias. 

Mas a questão central é se as forças de oposição, sejam seculares ou islâmicas saberão converter os protestos populares em processo efetivo de mudança. Houve casos de manifestações de rua contra governos muçulmanos pró-EUA durante a invasão do Afeganistão pelos norte-americanos em 2001 e no Iraque em 2003, mas as mobilizações esvaziaram-se gradualmente e não catalisaram qualquer mudança. 

As forças políticas no mundo árabe, existam nos corredores do poder ou em grupos de oposição, vivem o idêntico dilema de não terem qualquer discurso direto com a população comum; assim, não conseguem oferecer qualquer tipo de liderança aos movimentos populares. 

O mesmo se aplica às organizações da Fraternidade Muçulmana no Oriente Médio, os maiores grupos de oposição em toda a Região. A Fraternidade foi fundada em 1928, no Egito. 

 
 Com novo líder, Mohammed Badie [na foto, ao centro], a "Fraternidade Muçulmana" 
declara sua vocação de partido político e alia-se a outros grupos.

 Desde os anos 1960s, os partidos da Fraternidade Muçulmana lutam, basicamente, para sobreviver, dificuldades que se seguiram ao período em que muitos de seus comandantes foram executados, e a Fraternidade dividiu-se em facções. Os grupos perderam contato com as massas, às quais jamais falaram de melhor democracia ou luta por melhores condições de vida e bem-estar. 

Um segmento do partido envolveu-se em ações terroristas, mergulhou na clandestinidade e rompeu completamente qualquer contato com a população civil. Os principais comandantes do partido refugiaram-se na Arábia Saudita, em estados do Golfo ou na Europa e EUA. Suas políticas visam quase exclusivamente a acalmar os patrocinadores. O melhor exemplo disso é o Conselho Internacional da Fraternidade Muçulmana [ing. International Council of Muslim Brotherhood]. 

O Conselho tem representação de 51% no partido da Fraternidade Muçulmana no Egito (organização-mãe) e de 24% em todos os demais partidos da Fraternidade Muçulmana. Tem também representação de 25% na Fraternidade Muçulmana dos Estados do Golfo, que é o menos ativo de todos os partidos da Fraternidade, considerado voz dos xeques que canalizam quantidades gigantescas de dinheiro para os cofres dos partidos da Fraternidade Muçulmana. Esse braço assegura que os desejos dos dirigentes dos estados do Golfo sejam sempre levados em conta no planejamento de todas as políticas da Fraternidade Muçulmana em todo o mundo árabe. 

As agitações de rua no Egito podem vir a revelar-se uma oportunidade para que as organizações da Fraternidade renasçam, mesmo que a al-Qaeda também esteja à espreita, para extrair algum proveito do caos.

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