15/1/2011, Al-Jazeera, Qatar
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu
Marwan Bishara é editor de política de Al-Jazeera.
Protestos populares desde meados de dezembro derrubaram Zine El Abidine Ben Ali, que governava a Tunísia há 23 anos. O ex-presidente deixou o país e exilou-se na Jordânia.
(1) As mudanças dramáticas que acabam de acontecer na Tunísia surpreenderam a maioria. Como você explica o sucesso, a ocasião e a velocidade daquelas mudanças?
A resposta mais simples e talvez mais acurada à sua pergunta veio há quase um século de um poeta tunisiano Abu Al-Qasem Al-Shabi (Schebbi), em seu Defenders of the Homeland, verso que se tornou o mais popular da poesia árabe e está no hino nacional da Tunísia: “Quando um povo decide viver, o destino se rende, e (...) rompem-se as cadeias da escravidão”.
Diferente do levante na vizinha Argélia, que teve vida curta e outros recentes protestos socioeconômicos em outros países árabes, o levante popular na Tunísia recebeu apoio imediato de todos os grupos da oposição, dos islâmicos aos comunistas, e dos sindicatos, que ajudaram a levar o movimento para outras partes do país, inclusive até o norte, tão influente.
Além disso, o alto grau de tensão que se acumulou depois de décadas de ditadura, sobretudo nos últimos 23 anos de governo de Ben Ali, que comandava um Estado policial, levou a situação a explodir no instante em que se abriu a caixa, nos primeiros dias de protestos contra o desemprego.
(2) Como se explica que um regime opressor e impopular não seja alvo de críticas da comunidade internacional?
A chamada comunidade internacional mantém-se tradicionalmente calada contra práticas e abusos totalitários dos seus Estados membros e aliados, exceto nos casos em que alguns países e poderes ocidentais invocam questões de opressão política praticada por um ou outro governo, utilizando essas questões como ferramentas de política exterior, ou para mostrar-se ao mundo, como produto de consumo, travestida em campeão da luta por direitos humanos.
Assim, quando regimes opressores, como o que havia na Tunísia, cooperam com os Estados ocidentais em questões econômicas ou estratégicas, os abusos e crimes que cometam são em geral ignorados.
Esse é o fator que melhor explica o silêncio dos líderes ocidentais, ou a confusão inicial de alguns sobre o “levante” tunisiano, como também explica o imediato apoio que deram ao “levante” da oposição no Irã, depois das eleições de 2009. Pode chamá-lo de “fator hipocrisia”.
(3) Mas o que a Tunísia tem a oferecer às potências ocidentais?
O presidente recém deposto da Tunísia foi aliado útil dos EUA e de líderes europeus na guerra contra o terrorismo e contra o extremismo islâmico.
Como inúmeros grupos de direitos humanos noticiaram repetidas vezes, aquele governo sempre usou o apoio que recebia do ocidente, como arma para atacar toda e qualquer oposição interna, mesmo que pacífica.
Em 2004, durante visita de Ben Ali à Casa Branca, pouco antes de a Tunísia hospedar uma reunião de cúpula da Liga Árabe, George Bush, então presidente, elogiou Ben Ali como seu aliado na guerra ao terror e elogiou as reformas que fizera no campo da “liberdade de imprensa” e para a realização de “eleições livres e disputadas”.
E quando alguns funcionários de países europeus criticavam os atentados aos direitos humanos na Tunísia, quase todos, simultaneamente, elogiavam o desempenho econômico do país.
A França é o principal parceiro comercial da Tunísia, e o quarto maior investidor estrangeiro no país; e 80% do comércio exterior da Tunísia é com a União Europeia.
Parece evidente que a abertura descontrolada da economia neoliberal aos investimentos ocidentais é fator de peso, que explica a deterioração da situação econômica na Tunísia e em outros países árabes.
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