quarta-feira, 2 de março de 2011

Desembaraçar o novelo - EDITORIAL - Brasil de Fato 418

Alípio Freire

EDITORIAL - Brasil de Fato 418 - 1º de março de 2011
Escrito e enviado por Alípio Freire

Quando olhamos à nossa volta, nos deparamos com milhares de questões a serem resolvidas no curto ou até curtíssimo prazo. Elas parecem emergir dos poros das paredes, dos concretos, do asfalto e calçadas, do chão de terra batida, das paredes de adobe e do sapé, das naves que cruzam os ares – que muitas vezes não são aviões de carreira ou mansas e inócuas enteléquias produzidas por alguns e adestradas por outros (em prejuízo do trabalho dos primeiros), nas academias.

E, de repente, os militantes esbaforidos correm para todos os lados, engajando-se num intenso ativismo, abraçando uma imensa quantidade de causas e tarefas, das quais, muitas vezes, saem de mãos vazias – potencializando apenas cansaço e algum desânimo. Apenas o “nível ideológico” e/ou os “estímulos ideológicos” não são, nunca foram, e nunca serão suficientes para garantir indefinidamente o pique da militância.

É fundamental, além da identificação do inimigo principal a ser combatido (o que antecede tudo), a capacidade de estabelecermos prioridades, objetivos e metas claros. Ou seja, é necessária uma política clara e que não emane apenas de princípios gerais, ou de leis tendenciais nem sempre universalizáveis, entoadas como palavras-de-ordem. Nesse quadro, também as denúncias pouco ajudam – no máximo, produzem efeitos catárticos, o prazer da liberação de altas doses de adrenalina, seguido de prostração. Pranto. Riso. Orgasmo.

Para os movimentos populares reivindicatórios, essa dispersão pode parecer  mais fácil de combater e ser contornada, pela reiteração do específico. No entanto, isto também não é verdade. Ainda aí, as novas conjunturas exigem discussões de caminhos consoantes com cada nova realidade política, com cada novo alinhamento e correlação de forças que se inaugure, para a conquista de suas reivindicações.

Conseguimos um razoável entendimento das diversas conjunturas, e até soubemos eleger prioridades, permitindo que nos movimentássemos com alguma desenvoltura ao longo dos anos, apesar da falta de uma análise de classes consistente da nossa sociedade – carência que carregamos há mais de três décadas.

No entanto, hoje, falta-nos clareza até mesmo sobre a conjuntura (nacional e internacional) em que estamos enfiados até o pescoço: a dispersão da militância é o retrato mais fiel da nossa dispersão de idéias e propostas políticas, da nossa incapacidade de estabelecer prioridades, de apontar um Norte, sobretudo quando os partidos políticos do espectro da esquerda mergulham a cada dia mais, profunda e exclusivamente, na disputa institucional.

Vivemos e agimos como se estivéssemos frente a um grande novelo totalmente embaraçado, cuja ponta – que nos permitiria reorganizar a linha – houvesse desaparecido, sem que houvéssemos nos dado conta, e não nos incomodasse essa situação, uma vez que nos ocupamos com trechos diversos do emaranhado: ALCA; democratização da comunicação; transposição do São Francisco; anistia e punição dos responsáveis pelos crimes da ditadura; a luta pelo passe-livre; as agitações e mudanças no Norte da África e Oriente Médio; reforma agrária; MERCOSUL; a questão indígena; enchentes nas cidades; o caso Cesare Battisti; o problema do solo urbano e da habitação; as estripulias e contorcionismo político do prefeito Gilberto Kassab; o imposto sindical; os desastres ambientais; as disputas de aparelho em torno da ministra Ana de Hollanda, da Cultura; direitos humanos; etc. etc. etc., tudo ao mesmo tempo, tudo igualmente urgente e importante – e, onde e quando tudo é igualmente importante, nada é de fato importante.

Ou seja, estamos incapazes de definir coletivamente um eixo em torno do qual gravitem todas essas lutas (e outras), onde elas ao mesmo tempo desaguem e se alimentem; emprestem e, sobretudo, ganhem um sentido maior, abandonando o caráter fragmentado que vêm assumindo, e passem a constituir um só corpo, uma só força.

Caso não atentarmos para isto, e se nenhum outro assunto momentoso conseguir ser pautado pela grande mídia comercial, corremos o sério risco de passarmos um ano “morto” e, somente em 2012, desaguarmos todos, mergulharmos de cabeça e atrelarmos atabalhoadamente todo o nosso fazer e toda a nossa discussão, ao que vier ser pautado pelas eleições municipais. Aliás, isto não seria problema, se tivéssemos essa clareza, se fizéssemos essa escolha, e nos preparássemos desde hoje com alternativas e projetos (com estratégia e táticas) nesse sentido. Do contrário, iremos a reboque do que nos oferecerem.

Outra importante pauta, capaz de ser um fio condutor e unificador, é a discussão da Reforma Política – com a qual podemos ter muito a ganhar ou muito a perder, dependendo de termos propostas e políticas capazes de garanti-las. É grave a pouca repercussão que o assunto tem entre a militância.

Depois, não dará para correr atrás dos prejuízos.
Não se chora o leite derramado.

2 comentários:

  1. Sobre o texto "Desembaraçar o Novelo" e a questão da Reforma Política.

    Um minuto de sua atenção:

    Reforma política, afinal, do que se trata?

    Excluindo-se as questões relacionadas com a organização dos partidos, no meu entendimento, será preciso desvelar, de uma vez por todas, quem é e quem será autoridade para organizar eleições.

    Veja:

    A competência para "comandar as eleições" é estabelecida por lei, nos termos do artigo 118 e 121. Há um vácuo. analisada a Constituição, verifica-se que esta esbalece todas as competências, exceto as competências dos Tribunais Eleitorais.

    Resultado: Os processos eleitorais são determinados por lei, coordenados, processados, decididos e extintos pelo Judiciário. Pior, o Legislativo entrega a feitura das leis ao Judiciário, sob o argumento de que "desconhecem a escritura legal"? Neste caso, para quê um legislativo?

    Ora, o Judiciário é o único poder que não é eleito pelo povo. Pergunta-se: Como um sistema judicial não eleito pelo povo pode, sozinho, determinar, decidir, organizar ou extinguir o direito chamado soberano do voto? E das liberdades individuais?

    Se a competência do Judiciário é estabelecida por lei, caberia ao Legislativo, nesta re-forma política, estabelecer, de uma vez por todas, por lei, uma Comissão Eleitoral desvinculada do sistema judicial, cuja justificativa ética é o fato desse sistema não possuir qualquer relação com o povo, ou seja, com sua soberania.

    Por outro lado, verifique o avanço do sistema judicial na administração pública. Por exemplo: é responsabilidade do estado a reabilitação de detentos ou de um juiz de execução? O STF, por exemplo (e o caso Batisti é apenas uma amostra, é o carcereiro). Aonde está escrito que o sistema judicial é competente para executar sentença, ou seja: com que direito o judiciário mantém as chaves das prisões sob sua guarda? Não existe lei, o que existe é apenas um costume: o brasileiro aceita as manipulações legais sem contestação. No caso da manutenção em prisões, ou seja, no abandono dos presos aos humores dos carcereiros medievais, sem fundamento legal ou lógico, nenhum jurista se manifesta.

    Do mesmo modo, a questão da competência do judiciário para conduzir as eleições. Não está escrito em nenhuma lei, não é princípio constitucional, portanto, a legislação que mantiver o judiciário no comando do processo eleitoral será sempre uma fraude e uma provocação aos sapiens.

    Porquê os políticos corruptos estão soltos? Quanto tem custado ao país os acordos de políticos e judiciário, por ação e omissão e pior, o judiciário, não presta contas de seus gastos tampouco seus "membros" estão obrigados a apresentar relação de bens.

    Não seria este novelo o principal a ser desembaraçado? A Venezuela o fez, a Bolívia também.

    E uma única reunião poderíamos apresentar um Projeto de Lei sobre a Reforma Política e iniciar uma discussão nacional. Afinal, o povo tem direito a apresentar emendas à Constituição e, portanto, participar do processo chamado legislativo. Se não for agora, quando será?

    É um convite e uma resposta ao artigo.

    Abraços da Vera Vassouras

    ResponderExcluir
  2. Caro Alípio,
    Concordo com sua proposta de que a militância passe a se interessar mais pela reforma política.
    Mas ousaria propor que ela deixasse de lado a passividade com que assiste à nova escalada da taxa Selic, e a consequente transferência brutal de recursos aos "rentiers", e se mobilizasse para acabar com esse cassino vergonhoso.

    ResponderExcluir

Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.