terça-feira, 12 de abril de 2011

A grande revolta árabe reinventa-se de mil modos!

Pepe Escobar

12/4/2011, Pepe Escobar, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Ele voltooooooou! Cada vez que o clérigo/político nacionalista xiita iraquiano Muqtada al-Sadr [1] ressurge como gênio saído de uma garrafa numa nuvem de fumaça, o establishment dos EUA treme como vara verde, e a mídia-empresa corporativa corre a requentar a retórica de sempre “radical, anti-americano, amigo-do-Irã, clérigo-do-inferno”.
Muqtada al-Sadr
O regime de Saddam Hussein acabou há oito anos, completados sábado passado. Os xiitas Sadristas e muitos sunitas consideram 9 de abril o “Dia da Desgraça”, não pelo fim de Saddam, mas porque nesse dia Washington anexou o Iraque. 

O Iraque é aquele país árabe que vive sob “no-fly zone” há uma década – e nesse tempo toda a infraestrutura e toda a vida social do país foram arrasadas pelo Pentágono (os neoconservadores de Washington sonharam reconstruir tudo, mas ainda não acertaram o preço).

Pois aconteceu que os Sadristas, semana passada, mandaram um cartão para os “libertadores”: ou vocês saem da nossa terra, como combinado, no final do ano, e saem por bem, ou recomeçará o pesadelo dos pesadelos para o Pentágono: estaremos em um, dois, três, mil lugares ao mesmo tempo, nosso Exército Mahdi, e sua guerrilha incansável.

O cartão de Muqtada – ele próprio continua a estudar teologia na cidade santa de Qom, no Irã – foi entregue por seu porta-voz, Salah al-Obaidi, acompanhado por uma multidão de um milhão de pessoas em Bagdá. Veio gente de todo o sul do Iraque e da província de Diyala no leste (menos gente do que haveria, se a segurança não tivesse bloqueado ruas e pontes que levam ao local da concentração, próximo de uma base militar dos EUA.)

A mensagem chegou exatamente no momento planejado, um dia depois de o chefe do Pentágono Robert Gates ter visitado o norte do Iraque, para convencer o governo de Nuri al-Maliki a, bem, ora... a deixar que os EUA continuem a ocupar o país por tempo indeterminado. O Departamento de Estado dos EUA já anunciara que quer manter lá um exército de mercenários, talvez milhares de burocratas, na maior embaixada dos EUA do planeta. Os mercenários protegerão os burocratas. É o excepcionalismo norte-americano.

Nas palavras de Muqtada, “Nossa primeira tarefa será promover a escalada da atividade militar de resistência e reativar o Exército Mahdi, o que será feito em próxima declaração a ser divulgada em breve (...) Em seguida, promoveremos a escalada da resistência pacífica, com manifestações de rua e mobilização de massas”. 

Quer dizer: se os EUA não saírem do Iraque até o final do ano, Muqtada converterá Bagdá numa praça Tahrir gigante – e sem falar dos comandos que tingirão de vermelho a Zona Verde e farão os “mercenários” parecer assaltantes de estrada. A Grande Revolta Árabe de 2011 reinventa-se de mil modos!

Carreira da pura, alguém se interessa?

Quem, há anos, apostou que os EUA não conseguiriam prorrogar a validade do Acordo sobre o Estado das Forças [ing. Status of Forces Agreement (SOFA) [2]] que os EUA assinaram com o Iraque, já deve ser, hoje, dono de banco de investimentos em Wall Street.

O SOFA para o Iraque foi assinado pelo ex-presidente George W Bush em novembro de 2008. Segundo o texto, todos os militares dos EUA, mais o pessoal civil, devem estar fora do Iraque dia 31/12/ 2011, à meia noite. Se os EUA não honrarem o acordo, estarão tecnicamente em guerra contra o Iraque – com soldados postos ilegalmente em território estrangeiro sem consentimento do Congresso dos EUA.

Não há absolutamente qualquer sinal de que esse acordo SOFA será prorrogado antes de vencer, embora o governo de Maliki, sob pressão total, sempre possa pedir que o governo de Obama prorrogue a ocupação do Iraque. Mas, para fazer isso, Maliki precisa do voto dos Sadristas – que são parte do governo. Por isso, a mensagem de Muqtada é, de fato, recado duríssimo, e aviso, a Maliki. 

Aliás, falando nisso, não se trata só dos 47 mil soldados dos EUA que permanecem ainda no Iraque. Trata-se também do fim do capítulo iraquiano do império de bases militares dos EUA (no mesmo sábado, houve manifestações gigantes próximas das bases dos EUA em Kirkuk, Dhi Qar e da base al-Asad, na província de Anbar).

Não surpreende que o alerta vermelho tenha disparado no governo Obama e no Pentágono. O vice-presidente Joe Biden telefonou imediatamente para Maliki, logo que Gates deixou o Iraque, para manter a pressão. Os deputados iraquianos, por sua vez, não se cansam de repetir que, seja o que for, terá de ser aprovado pelo parlamento. E Muhammad Salman, do partido sunita Iraqiya (muitos sunitas são nacionalistas que também querem ver os EUA pelas costas) já falam até de referendum popular contra a prorrogação do SOFA.

O próprio acordo SOFA deveria ter sido aprovado (ou não) por referendum, o que jamais aconteceu. Em resumo, os únicos atores que querem que os EUA permaneçam como força militar no Iraque, são os militares do Curdistão iraquiano – porque temem ser vencidos pelo poder superior dos árabes iraquianos.

Na essência, Washington está sem saber o que fazer, depois de a Casa de Saud ter jogado sozinha, em manifestação de força no Bahrain – favorecendo uma contrarrevolução violentíssima, impondo o pior ramo sunita intolerante/ repressivo/militarista contra os xiitas de todo o Golfo. Os xiitas do Golfo estão furiosos, como, também, os xiitas iraquianos. Mas ninguém pode inferir disso que aumentará a influência do Irã sobre todos esses xiitas. O governo Maliki é amigo do Irã – mas isso não implica que, sem os coturnos norte-americanos em terra iraquiana, Bagdá se converterá em protetorado do Irã.

Os xiitas iraquianos também acusam rotineiramente os ricos Wahhabis da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos de ter financiado a guerrilha sunita mais violenta durante a guerra civil no Iraque entre 2005 e 2007 (acusações que ouvi, ao vivo, naquela época, em Bagdá).

Mas o que mais preocupa Washington é o futuro da 5ª Frota dos EUA, no Bahrain. A julgar pela jogada de poder dos sauditas, nada sugere que a base vá mudar de ancoradouro. E mesmo que mude, ganha quem apostar que se mude para o Qatar ou para os Emirados Árabes, onde seria muito bem recebida.

Fato é que, apesar de todas as diferenças e confusões, a maioria dos iraquianos, sunitas e xiitas querem que os EUA façam as malas e partam, e que o último soldado esteja fora do Iraque dia 31/12/2011 à meia noite. No caso muito pouco provável de que Bagdá solicite segurança aérea (mas... contra quem? A Casa de Saud?), os EUA ainda poderão arranjar alguma coisa a partir da base de al-Udeid, no Qatar. 

O governo Maliki não pensa em suicídio. Esqueçam, pois qualquer prorrogação do acordo SOFA. É praticamente certo que dia 31/12/2011, o trágico capítulo iraquiano da construção de um império mundial de bases militares dos EUA estará, afinal, acabado.


Notas de tradução
[1] Para saber quem é, ver, por exemplo “Perfil”, da BBC, em ; e Hassan Nasrallah and Muqtada al-Sadr”, Patrick Vibert, Foreign Policy, Líbano.
[2] Os acordos sobre estado das forças [ing. Status Of Forces Agreement (SOFA)] são acordos entre país hospedeiro e país estrangeiro que tenha forças militares no país hospedeiro. Os acordos SOFA são em geral incluídos no conjunto de acordos de segurança que se assinam entre países, no caso de haver forças militares de um, em território do outro. Os acordos SOFA definem os direitos e privilégios do pessoal estrangeiro que trabalha em programas de segurança.

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