Alfredo Pereira dos Santos |
Alfredo Pereira Santos
Queria eu estar jogando as minhas partidinhas de xadrez ou lendo alguns dos tantos livros que ainda não li e que gostaria de ler antes de partir desta para melhor. Queria dedicar mais tempo à minhas rosas. Mas não dá, não posso ficar parado diante da avalanche de mediocridade e estupidez que assola o Brasil e o mundo. Faço como o passarinho que leva uma gota de água no bico para apagar o incêndio na floresta e que, diante dos que o ridicularizam, por achar que uma simples gotinha de nada serviria diante de tão grande incêndio, se defendeu dizendo: “Pelo menos eu estou fazendo a minha parte”.
É muito difícil avaliar o mal que o neoliberalismo, associado aos grandes grupos de comunicação, fizeram ao Brasil e ao mundo. Esses grupos costumam falar num suposto “fundamentalismo islâmico”, mas, naturalmente, jamais irão fazer um mea culpa e admitir a generosa acolhida que deram ao “fundamentalismo neoliberal”, numa tentativa de conduzir, como gado tangido, leitores e telespectadores incautos, para a trilha do “pensamento único”. Para justificar as suas práticas apelaram para as teorias as mais estapafúrdias, como a do “fim da História” e a do “estado mínimo”.
Os mais antigos hão de se lembrar dos generosos espaços que o ex-deputado e senador Roberto Campos, que serviu como ministro, sem nenhum constrangimento, à ditadura militar de 1964, obteve nos jornais O GLOBO, do Rio de Janeiro, e O ESTADO DE SÃO PAULO.
No campo da cultura de massa o estrago não foi menor, o que se evidencia pelo apelo ao mais puro e simples irracionalismo, expresso nos surtos místicos, na expansão do neopentecostalismo, na decadência da música e do cinema.
O cinema norte-americano, por exemplo, que nos deu obras de cineastas como Stanley Kubrick, John Ford e Frank Capra, entre outros, passou a nos brincar com “obras primas” como RAMBO, EXTERMINADOR DO FUTURO, MAD MAX, entre outras produções com uma mensagem subliminar bem adequada aos propósitos do stablishment, já que os protagonistas em geral estavam tentando nos convencer que o mal estava nas sublevações do Terceiro Mundo, em gente de olhos rasgados ou nas populações internas submetidas à miséria e ao desemprego estrutural e, não raro, evolvidas na criminalidade, e que a violência contra elas seria o melhor remédio.
Naturalmente que só abestalhados poderiam incorporar tal discurso mas o próprio sistema se encarregou de produzi-los. Era um homem novo adaptado aos novos tempos, com uma consciência anestesiada, insensível à violência.
O desmonte das estruturas do Estado de Bem Estar Social em alguns países gerou uma sub-cultura própria, expressa em movimentos como punk, skinhead e hoolligans, que se propagaram inclusive para países periféricos como o nosso. Não são poucos os que entre nós já registraram a banalização da violência, o comércio sexual e a glorificação de comportamentos criminosos. A praga se espalha.
A música norte-americana nos deu intérpretes como Frank Sinatra e Nat King Cole e compositores como Cole Porter e Jerome Kern. A música brasileira nos deu também grandes intérpretes, como Francisco Alves, Sílvio Caldas e Orlando Silva e compositores como Noel Rosa, Chico Buarque, Dorival Caymmi, Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Hoje o que temos são patologias sonoras, machistas, barulhentas, irracionais e prejudiciais à inteligência. Ressalvadas as raras e honrosas exceções.
Essas coisas são impostas, repetitivamente, à população no mais puro estilo Goebbels.
O que fazer? Discursos? Os nativos africanos descritos por MacLuhan no “A Galáxia de Gutemberg” só viram a galinha no fundo do cenário e o discurso sobre higiene que lhes foi passado entrou por um ouvido e saiu pelo outro. Um cidadão conseguiu permissão para ver com o seu filho pequeno um filme onde tinha cenas de um casal aos beijos e abraços e cenas de corridas de automóveis. Ao pedir, mais tarde, a opinião do filho sobre o filme, constatou o que havia imaginado: só ficaram registradas as imagens dos automóveis correndo. O casal pouca ou nenhuma atenção mereceu, não foi objeto de comentário.
Assim são as crianças. E assim eram aqueles nativos africanos descritos pelo MacLuhan. Só vêem e escutam o que querem ou podem ver ou escutar. A socióloga Bárbara Freitag, no seu livro “Sociedade & Consciência”, afirma, depois de estudar o assunto, que setenta por cento do povo brasileiro está na faixa mental de crianças de sete a dez anos de idade. Dessa constatação ela extrai algumas diretrizes que deveriam ser adotadas pelas autoridades educacionais, o que seria muito longo para apresentar nesse texto, que já está maior do que eu pretendia fazê-lo. Cito, contudo, à guisa de encerramento, algumas palavras da Freitag:
“Não pode ser do interesse de nenhuma sociedade livre e democrática manter grandes parcelas de sua população no nível mental de crianças de 7 a 10 anos. Isto porque tais populações – de acordo com o quadro descrito – seriam incapazes de abstrair-se de seu próprio ponto de vista e encarar a perspectiva dos outros, não seriam capazes de comunicar-se com os outros em termos de uma verdadeira troca de informações, idéias ou projetos de vida, pois estariam convictos que as informações, idéias, projetos por eles formulados seriam os projetos de todos. Não teriam elas a capacidade de julgar situações de forma autônoma, deixando-se orientar pela autoridade dos outros, mais velhos, mais fortes, mais astutos ou mais carismáticos. Seriam ainda incapazes de pensar sua condição de vida e a dos outros de forma diferente da concretizada, estando cognitivamente impossibilitados de transcender o status quo”.
Agora, para encerrar mesmo, eu penso que o stablishment neoliberal , bem como os seus seguidores do Segundo e do Terceiro Mundo, provocaram um incêndio de proporções talvez não por eles imaginado e que eles não podem apagar. Imbecilizar ou infantilizar vastas camadas da população mundial (nos Estados Unidos um professor escreveu um livro intitulado The Dumbest Generation, referindo-se à juventude daquele país) para atingir os seus propósitos é arriscado. O tiro pode sair pela culatra. Eu penso que está saindo, pois esse retorno à barbárie significa que estamos perdendo um terreno duramente conquistado.
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