domingo, 10 de abril de 2011

Robert Fisk: Cuidado, quando os poderosos metem-se a escrever livros

Robert Fisk

9/4/2011, The Independent, UK ,- Robert Fisk
Traduzido e comentado pelo Coletivo da Vila Vudu
(por decisão do Mina do Compúter)

NOTA DOS TRADUTORES: O trabalho de traduzir não é trabalho simples. Quer dizer: traduzir é simples; decidir o que traduzir, isso, sim, é f*. 

O artigo abaixo, por exemplo, só foi traduzido porque o Coletivo Vila Vudu aprovou, por dois votos a favor, oito contra, mais o voto do dono do computador, que entendeu que, sim, o artigo seria traduzido. Reproduzimos aqui esse voto do Minerva (é o dono do computador, Minervino, também conhecido como o Mina do compúter), voto que, esse, sim, é verdadeira pérola de sabedoria des-jornalística guerrilheira à nossa moda:

“O artigo é um manifesto de praticamente todos os preconceitos ocidentais contra Gaddafi. Se se considerasse só isso, o artigo receberia nota M-de-Merda e voltaria prá lata do lixo da imprensa-que-há. Por outro lado, onde mais, na imprensa M (de merda) que há no Brasil, alguém leria, com os próprios olhos, que Gaddafi escreve, sobre “cidades” exatamente o que nós pensamos, aqui na Vila Vudu? E que Gaddafi pensa, sobre matar a terra, exatamente o que pensam todos os filhos da Pachamama?!

Então, decido: traduzimos, sim, o artigo-manifesto de praticamente todos os preconceitos contra Gaddafi, que Fisk publicou hoje sem se envergonhar (e até muuuuito orgulhoso), como se vê, dos próprios preconceitos e entendendo-os como “ilustradíssimos” e “iluminadíssimos” e “certíssimos”, o tonto.

E registramos o alerta, para todos: não é por o cara ser inglês, ser tratado como estrela em Paraty e ser endeusado como jornalista universal por outros jornalistas, nem é, sequer, por o tonto ter escrito aquele livrão (“cuidado com os poderosos que se metem a escrever livros” [risos, risos, porque o ato falho do Fisk, esse, sim, é muuuuuito engraçado!]), que se deve crer em tudo que o cara escreva. Todos os jornalistas acreditam sinceramente nos preconceitos que são pagos para manter vivos. O problema hoje é que os fascistas são sinceros, por um lado. Por outro lado, o problema hoje é que o mundo tá cheio de democratas sinceros e perfeitamente idiotas. 

Também registramos o alerta geral: não só Fisk, mas vários outros jornalistas cujos artigos seguidamente traduzimos, Juan Cole, por exemplo, de “Informed Comment” – com EUA em guerra na Líbia (guerra nova, que ainda não foi rejeitada nas ruas, porque ainda nem é oficial, ora essa, e, além do mais, é a primeira guerra de Obama, esse Odorico Paraguaçu do politicamente correto! E nem gravata o cara vestiu! Tava pensando o quê, o mulato inzoneiro? Que os brucutus nativos apareceriam de tanga?! Não fosse perfeito idiota, falaria de Machado de Assis. Falô de quem? De Paulo Coelho! Poka vergonha, isso sim. Por que não apareceu de sunga, à beira da piscina, declarando guerra à Líbia pelo celular?!) estão totalmente inebriados de fervor patriótico metido a ético e foram contaminados pela praga sarkozista de “libertar árabes”. Todo o cuidado é pouco. 

Quanto a “falar como louco”, fala de louco foi, isso sim, o discurso de Obama no Municipal do Rio de Janeiro. Fala de doida varrida é, isso sim, a fala da secretária Hilária, sempre.

Nesses termos, decido: Traduza-se a porra de artigo dessa porra de Fisk. Informa um pouco sobre Gaddafi e informa muuuuuuuuuito sobre o tal de Fisk. A luta sempre continua. Traduzam, pelo menos, até onde o estômago agüentar. Ninguém prometeu que seria um pic-nic. Parem já coessas frescuras.”

Então traduzimos. Aí vai:
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O Líbano é lugar ótimo para observar os tiques linguísticos dos – esperemos que continuem a cair – ditadores da região.

E devo a Alexandre Najjar ter apontado, na seção literária do L'Orient Le Jour (publicado em francês) os estranhos paralelos entre romances e contos scritos por Gaddafi e algumas de suas mais recentes manifestações. Saddam escreveu o execrável Zabiba and the King. O velho general sírio Mustapha Tlass escreveu cerca de 40 livros, alguns bem perto de serem antissemitas, além de uma série de poemas cuja leitura provoca terrível embaraço, dedicados a Gina Lollobrigida. Os caras escrevem livros. 

Mas nos anos 1990s, Gaddafi – e nem falemos agora do abominável Livro Verde – saiu-se com séries de contos, mais tarde traduzidos para o francês. Reunidos num único volume, ganharam o título – preparem-se, pessoal! – de Escape to Hell, Death, the City, the Village, the Land, the Suicide of the Cosmonaut, the “Backward” People, and Others Stories. Autor: Muammar Gaddafi.

Bem, eu avisei. E se vocês acham que o Livro Verde seja obra de lunático, os contos são incríveis. A certa altura, Gaddafi diz aos leitores: “Venham, pois, assistir ao colapso do cristianismo, quando o povo dá-se conta de que sempre lhe mentiram, os que diziam que Cristo foi crucificado por seus pecados (...). Movidos por essa crença, os estados cristãos massacraram milhões, em todo o mundo. E, sempre, já estavam antecipadamente perdoados!” Gaddafi decidiu que a crucificação de Cristo seria mentira histórica. [isso, quem diz é Fisk. Não se sabe o que Gaddafi decidiu (NTs)].

Mas, depois, melhora. Em “A Cidade e a Vila”, o bom coronel sataniza a cidade e diz que seu povo volte às raízes. “A cidade é um inferno, não é lugar onde alguém possa ser feliz. A cidade é o túmulo de qualquer vida social (...) uma prisão que destrói quem nela viva (...)” – mais ou menos o que os soldados de Gaddafi fazem hoje em Misrata, Ajdabiya e em todo o leste da Líbia 

[É também exatamente o mesmo que os soldados dos EUA-OTAN fazem em metade do mundo, e os soldados de Israel fazem em Gaza etc. etc., o que Fisk, atentamente, não diz (NTs)]. 

“Deixem as cidades (...) Nas cidades, as pessoas não têm nome nem sobrenome, não há qualquer esperança de felicidade. O prenome é o número do apartamento. O número do celular.” E por aí. Viram só? Gaddafi não gosta de cidades. Por isso carrega a própria tenda tribal, onde dorme até hoje. “Não matem a terra”, diz ele. “Quem mata a terra, é como se se matasse ele mesmo.” 

Em “O Cosmonauta”, a coisa fica ainda mais esquisita, quando nosso autor imagina um encontro entre um viajante intergalático e um camponês, e em seguida se suicida, “porque não há trabalho para ele nesse mundo”. Como Alexandre Najjar aponta cruelmente, Gaddafi propõe questão “altamente filosófica”: quer saber se a morte é homem ou mulher. Discorre também sobre o pai do profeta José, sobre a peregrinação do Hajj e as orações das 6as-feiras e o comunismo. Sobre o comunismo conclui que não pode estar morto “porque ainda não nasceu” [nisso, Gaddafi acerta 100%, claro (NTs)]. A Revolução Russa foi cópia da Revolução Francesa de 1789. “Lênin e Stalin não passaram de discípulos de Robespierre e Danton”.

Mas, calma, esperem! Ainda há duas passagens que lançam uma nuvem negra sobre suas tentativas de matar a revolução de fevereiro na Líbia. “Não convertam seus filhos em ratos que andam de esgoto em esgoto, de hospício em hospício”. Ratos. Gaddafi chamou de ratos os insurgentes líbios, que, disse ele há alguns dias, seriam caçados de casa em casa, de beco em beco. Ao final dessa extraordinária peça de literatura, Gaddafi esbraveja que “soou a hora de agir” – exatamente o que repetiu no discurso de doido, em Trípoli, lendo passagens do Livro Verde.

Portanto, não digam que não avisei. A força é irresistível. “Amo as multidões como amo meu próprio pai”. As peças literárias são recheadas com citações do Corão. No jornal libanês An Nahar, um leitor atreve-se a comparar Gaddafi ao grande poeta libanês Khalil Gibran. 

Felizmente, outro poeta libanês, Charles Chehwan, escreveu resposta demolidora, na qual diz que “Gaddafi não passa de beduíno analfabeto obcecado com ecologia” [epa! Epa! EPA! E-P-A! Parece coluna da Dona Kora Dramer, luminar das letras pátrias no Brasil do Estadão! Parece o Bolsonaro! Epa! EPA! E mais EPA! Como assim, Sêo Fisk?! Beduíno analfabeto é IGUALZINHO a preto sujo! Tome vergonha, Sêo Fisk! Ma tome é vergonha, meeesmo, sô! (NTs)]. 

É preciso porém acrescentar uma nota de alerta. Temo que os árabes amem líderes vitoriosos [Mais EPA! EPA e EPA!! Por que “os árabes”?! Que “os árabes”, Sêo Fisk?! Que “os árabes”?! “Esse negócio aqui tá é feio, Minerva! Eu não traduzo mais essa merda. Mande outro. Eu vô vomitá. Bleagh! Bleargh!”] (Reação de um dos tradutores-escravos da Vila Vudu, obrigados a traduzir pela causa). 

Político muito conhecido escreveu-me por e-mail, essa semana: “Robert, estou gostando das brigadas de Gaddafi. Parecem mais fortes que o Afrika Korps” [1]. (...)



Nota de tradução:
[1] Deutsches Afrikakorps designa o conjunto das forças da Alemanha na Líbia durante a Campanha do Norte da África na Segunda Guerra Mundial. Foi formado a 19/2/1941, após o OKW (Comando das Forças Armadas da Alemanha Nazista) ter decidido enviar uma força expedicionária para ajudar o exército italiano, que tinha sido alvo da contra-ofensiva britânica, a Operação Compasso. A força expedicionária alemã, comandada por Erwin Rommel, no início consistia do 5º Regimento Panzer e de várias outras pequenas unidades. (O macabro símbolo do Africa Korps é a suástica pendurada numa palmeira líbia. Macabro, como macabra é a ideia de fazer piada desses preconceitos coloniais contra os árabes. Até quando?!).

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