Pepe Escobar |
15/5/2011, Pepe Escobar, Al-Jazeera, Qatar
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
No início do mês passado, o presidente do Cazaquistão Nursultan Nazarbayev venceu mais uma eleição ao estilo Kim Jong-il, com 95% dos votos. Não houve qualquer debate pré-eleitoral, porque – é sério, sem ironia – os três outros candidatos desejavam que Nursultan fosse eleito.
O presidente do Cazaquistão, quer fazer do seu país um "tigre asiático", mas desde que os tigres não são nativos do Cazaquistão, ele promete, ao invés, transformar o seu país no "leopardo da neve" da Ásia Central [GALLO / Getty] |
Nazarbayev, 70, está no poder no Cazaquistão desde que o país foi fundado, em 1991, depois do colapso da União Soviética.
Para começar, Snow Leopard [Leopardo da Neve] não é algum novo sistema operacional da Apple: é como se autodesignava o sistema de Nazarbayev, na operação de vender o Cazaquistão para o resto do mundo. A ideia era que o país se tornasse mais um tigre asiático. Não há tigres no Cazaquistão, mas ainda sobram alguns leopardos da neve. Então, Nazarbayev prometeu que, “à altura de 2030, o Cazaquistão será o Leopardo da Neve da Ásia Central”.
Agora, confrontado com a Grande Revolta Árabe de 2011, Nazarbayev disse que o Leopardo da Neve precisa, sobretudo, de “estabilidade”. Tradução: leopardos da neve não precisam conhecer o perfume do jasmim. E o leopardo supremo lá está, reeleito, e espera morrer no trono.
Gás, ouro e... leopardos
O Cazaquistão é a maior economia da Ásia Central, com vários superlativos estratégicos: é a 9ª maior nação do mundo, com quase 7.000 quilômetros de fronteira, ao norte, com a Rússia; ligada à China pelo leste e ao Már Cáspio pelo oeste; muito petróleo, muito gás, muito ouro, manganês e urânio.
O único problema é problema tipo Arábia Saudita: poucos humanos na área, só 16 milhões de habitantes, menos de seis por quilômetro quadrado.
O Cazaquistão tinha de ser ator chave no Grande Jogo que se disputa na Eurásia, a maior parte do tempo sobre um complexo tabuleiro de xadrez de aço, um óleo-gasoduto, o óleo-gasodutostão – fator absolutamente crucial para a energia futura da Ásia, especialmente para China e Índia, tanto quanto para a Europa.
Como o Oriente Médio, a Ásia Central é ultraestratégica para Washington e para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) – que já está profundamente implantada no Afeganistão.
E enquanto não se sentir qualquer perfume de jasmim nas usinas do Cazaquistão e do Turcomenistão, os estrategistas do Pentágono não sentirão qualquer necessidade de mandar para lá os seus coturnos de combate.
Em boa parte como no Oriente Médio, os líderes locais como Nazarbayev, como Islam Karimov do Uzbequistão e como o presidente do Turcomenistão, o nome de presidente mais espetacular que jamais houve – Gurbanguly Berdymukhammedov –, sempre repetem o mottoda “estabilidade”, para implantar em casa uma mensagem perenemente familiar aos cidadãos: “ou nós, ou a al-Qaeda” – onde “al-Qaeda” significa uma rede frouxa de grupos islamistas/jihadistas, o mais famoso dos quais é o Movimento Islâmico do Uzbequistão [ing. Islamic Movement of Uzbekistan (IMU), ligado aos Talibã.
Mas, por mais que o Leopardo da Neve número 1 – e o Pentágono – sintam-se seguros, não há qualquer razão histórica que impeça que o perfume de jasmim que exala do Norte da África migre para as estepes da Ásia Central. Os elementos chaves estão todos ali – da desigualdade social ao alto desemprego entre os jovens, da corrupção estratosférica aos filhos do presidente que saqueiam o Tesouro.
Cazaquistão e Azerbaijão (no Cáucaso) são, de fato, primos dos estados árabes que vivem de rendas do petróleo. O Tadjiquistão e o Quirguistão, por sua vez, dependem fortemente do trabalho de imigrantes, especialmente, da Rússia, e de um fluxo constante de dinheiro enviado por emigrados – como a Tunísia, o Egito e o Iêmen.
Todos os “-stões” da Ásia Central sofrem a ferroada da crise financeira global, além da ferroada global dos preços dos alimentos, que estão na estratosfera, aumento de preços provocado, principalmente, por especulação. Mais de 40% dos habitantes da Ásia Central vivem abaixo da linha de pobreza.
O Quirguistão – a Suíça da Ásia Central, mais pelas paisagens que pelo padrão de vida – já passou por uma revolução colorida e pelo respectivo pós, com o presidente Bakiyev apeado do poder ano passado e muita turbulência, outra vez, em Osh, no vale Ferghana, com centenas de mortos e mais de 300 mil expulsos de onde viviam.
Por falar nisso, o próprio Nazarbayev já trata de assumir o controle hegemônico das revoluções coloridas da Ásia Central e respectivas contrarrevoluções: disse que alguns “-stões” não funcionavam direito porque os líderes eram fracos. Mas o Cazaquistão, esse sim, tinha “presidente poderoso”.
Em termos de repressão política, o Uzbequistão e o Turcomenistão – sempre denunciados pela Anistia Internacional – fazem o que podem para superar o Cazaquistão. Para os que ainda tenham dúvidas, telegramas publicados por WikiLeaks descrevem o Uzbequistão como um pesadelo de corrupção, trabalhos forçados e tortura.
O xis da questão é a necessidade de garantir “segurança” para o Afeganistão (para as bases militares, para as complexas rotas de suprimento). Isso e a necessidade absoluta de garantir segurança para os cada vez mais complexos negócios de petróleo e gás devoram qualquer possibilidade de o ocidente apoiar protestos pró-democracia nessas áreas.
E o vento não levou...
Nazarbayev, filho mais velho de um pastor de cabras, ex-metalúrgico, ex-primeiro-secretário do Partido Comunista do Cazaquistão, pode vangloriar-se de pastorear hoje a mais impressionante história de sucesso de todas as ex-repúblicas soviéticas a leste do Mar Cáspio.
Muitos protestaram quando, em 1997, ele mudou a capital do Cazaquistão, de Almaty, cidade carregada de história, para Astana, exposta aos vendavais mais inclementes das estepes – que é hoje a segunda capital mais fria do mundo, menos fria, só, que Ulan Bator, capital da Mongólia.
Mas se você pode refestelar-se na neve no deserto de Dubai, você agora pode também refestelar-se entre as palmeiras da tépida Khan Shatyr – a maior tenda jamais erguida no planeta, com design de Sir Norman Foster, um paraíso de plástico translúcido, que recobre uma base do tamanho de 14 campos de futebol.
O Leopardo da Neve, claro, está muito além de tendas pós-modernas, Trata-se de China versus os EUA no Novo Grande Jogo.
As gigantes chinesas do petróleo controlam hoje 22% do petróleo produzido no Cazaquistão. A China compra praticamente todos os campos de extração que apareçam. Não chega a ser cenário apocalíptico, se comparado ao que os EUA apostam na indústria do petróleo: 24%. A China, afinal, já construiu um oleoduto até Xinjiang, e agora está construindo um gasoduto. O medo, entre os cazaques, por a China ter-se assenhoreado de grande parte de seu país é hoje, ali, um fato da vida.
Mas o Leopardo da Neve em-chefe não está preocupado com fazer o sucessor: o negócio continuará na família. Ele sonha, hoje, com criar uma união centro-asiática. Tenta ressuscitar a velha ideia soviética de desviar o curso de grandes rios siberianos para o Cazaquistão, para assim melhorar “o suprimento de água para toda a Ásia Central” e, em teoria, unir todas as ex-repúblicas que vivem às turras.
Nada disso garante que os recorrentes ventos da liberdade arrefeçam. Egito e Síria aí estão, para provar. Quando se derrubam as muralhas do medo, até os leopardos naufragam em mar de jasmim.
Agora, confrontado com a Grande Revolta Árabe de 2011, Nazarbayev disse que o Leopardo da Neve precisa, sobretudo, de “estabilidade”. Tradução: leopardos da neve não precisam conhecer o perfume do jasmim. E o leopardo supremo lá está, reeleito, e espera morrer no trono.
Gás, ouro e... leopardos
O Cazaquistão é a maior economia da Ásia Central, com vários superlativos estratégicos: é a 9ª maior nação do mundo, com quase 7.000 quilômetros de fronteira, ao norte, com a Rússia; ligada à China pelo leste e ao Már Cáspio pelo oeste; muito petróleo, muito gás, muito ouro, manganês e urânio.
O único problema é problema tipo Arábia Saudita: poucos humanos na área, só 16 milhões de habitantes, menos de seis por quilômetro quadrado.
O Cazaquistão tinha de ser ator chave no Grande Jogo que se disputa na Eurásia, a maior parte do tempo sobre um complexo tabuleiro de xadrez de aço, um óleo-gasoduto, o óleo-gasodutostão – fator absolutamente crucial para a energia futura da Ásia, especialmente para China e Índia, tanto quanto para a Europa.
Como o Oriente Médio, a Ásia Central é ultraestratégica para Washington e para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) – que já está profundamente implantada no Afeganistão.
E enquanto não se sentir qualquer perfume de jasmim nas usinas do Cazaquistão e do Turcomenistão, os estrategistas do Pentágono não sentirão qualquer necessidade de mandar para lá os seus coturnos de combate.
Em boa parte como no Oriente Médio, os líderes locais como Nazarbayev, como Islam Karimov do Uzbequistão e como o presidente do Turcomenistão, o nome de presidente mais espetacular que jamais houve – Gurbanguly Berdymukhammedov –, sempre repetem o mottoda “estabilidade”, para implantar em casa uma mensagem perenemente familiar aos cidadãos: “ou nós, ou a al-Qaeda” – onde “al-Qaeda” significa uma rede frouxa de grupos islamistas/jihadistas, o mais famoso dos quais é o Movimento Islâmico do Uzbequistão [ing. Islamic Movement of Uzbekistan (IMU), ligado aos Talibã.
Mas, por mais que o Leopardo da Neve número 1 – e o Pentágono – sintam-se seguros, não há qualquer razão histórica que impeça que o perfume de jasmim que exala do Norte da África migre para as estepes da Ásia Central. Os elementos chaves estão todos ali – da desigualdade social ao alto desemprego entre os jovens, da corrupção estratosférica aos filhos do presidente que saqueiam o Tesouro.
Cazaquistão e Azerbaijão (no Cáucaso) são, de fato, primos dos estados árabes que vivem de rendas do petróleo. O Tadjiquistão e o Quirguistão, por sua vez, dependem fortemente do trabalho de imigrantes, especialmente, da Rússia, e de um fluxo constante de dinheiro enviado por emigrados – como a Tunísia, o Egito e o Iêmen.
Todos os “-stões” da Ásia Central sofrem a ferroada da crise financeira global, além da ferroada global dos preços dos alimentos, que estão na estratosfera, aumento de preços provocado, principalmente, por especulação. Mais de 40% dos habitantes da Ásia Central vivem abaixo da linha de pobreza.
O Quirguistão – a Suíça da Ásia Central, mais pelas paisagens que pelo padrão de vida – já passou por uma revolução colorida e pelo respectivo pós, com o presidente Bakiyev apeado do poder ano passado e muita turbulência, outra vez, em Osh, no vale Ferghana, com centenas de mortos e mais de 300 mil expulsos de onde viviam.
Por falar nisso, o próprio Nazarbayev já trata de assumir o controle hegemônico das revoluções coloridas da Ásia Central e respectivas contrarrevoluções: disse que alguns “-stões” não funcionavam direito porque os líderes eram fracos. Mas o Cazaquistão, esse sim, tinha “presidente poderoso”.
Em termos de repressão política, o Uzbequistão e o Turcomenistão – sempre denunciados pela Anistia Internacional – fazem o que podem para superar o Cazaquistão. Para os que ainda tenham dúvidas, telegramas publicados por WikiLeaks descrevem o Uzbequistão como um pesadelo de corrupção, trabalhos forçados e tortura.
O xis da questão é a necessidade de garantir “segurança” para o Afeganistão (para as bases militares, para as complexas rotas de suprimento). Isso e a necessidade absoluta de garantir segurança para os cada vez mais complexos negócios de petróleo e gás devoram qualquer possibilidade de o ocidente apoiar protestos pró-democracia nessas áreas.
E o vento não levou...
Nazarbayev, filho mais velho de um pastor de cabras, ex-metalúrgico, ex-primeiro-secretário do Partido Comunista do Cazaquistão, pode vangloriar-se de pastorear hoje a mais impressionante história de sucesso de todas as ex-repúblicas soviéticas a leste do Mar Cáspio.
Muitos protestaram quando, em 1997, ele mudou a capital do Cazaquistão, de Almaty, cidade carregada de história, para Astana, exposta aos vendavais mais inclementes das estepes – que é hoje a segunda capital mais fria do mundo, menos fria, só, que Ulan Bator, capital da Mongólia.
Mas se você pode refestelar-se na neve no deserto de Dubai, você agora pode também refestelar-se entre as palmeiras da tépida Khan Shatyr – a maior tenda jamais erguida no planeta, com design de Sir Norman Foster, um paraíso de plástico translúcido, que recobre uma base do tamanho de 14 campos de futebol.
O Leopardo da Neve, claro, está muito além de tendas pós-modernas, Trata-se de China versus os EUA no Novo Grande Jogo.
As gigantes chinesas do petróleo controlam hoje 22% do petróleo produzido no Cazaquistão. A China compra praticamente todos os campos de extração que apareçam. Não chega a ser cenário apocalíptico, se comparado ao que os EUA apostam na indústria do petróleo: 24%. A China, afinal, já construiu um oleoduto até Xinjiang, e agora está construindo um gasoduto. O medo, entre os cazaques, por a China ter-se assenhoreado de grande parte de seu país é hoje, ali, um fato da vida.
Mas o Leopardo da Neve em-chefe não está preocupado com fazer o sucessor: o negócio continuará na família. Ele sonha, hoje, com criar uma união centro-asiática. Tenta ressuscitar a velha ideia soviética de desviar o curso de grandes rios siberianos para o Cazaquistão, para assim melhorar “o suprimento de água para toda a Ásia Central” e, em teoria, unir todas as ex-repúblicas que vivem às turras.
Nada disso garante que os recorrentes ventos da liberdade arrefeçam. Egito e Síria aí estão, para provar. Quando se derrubam as muralhas do medo, até os leopardos naufragam em mar de jasmim.
O que o presidente Nazerbayev talvez não saiba é que o tigre já existiu sim no Cazaquistão, mas foi extinto de lá em 1948.
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