domingo, 8 de maio de 2011

A verdadeira agenda por trás da notícia da “Der Spiegel” de que a Grécia pensa sair do euro

por Yanis Varoufakis [*]

A notícia da revista Spiegel de que “Atenas considera retirar-se da eurozona não é exatamente falsa – apenas econômica com a verdade.

Sim, poucas semanas ou meses atrás o governo grego encomendou (como devia) vários estudos secretos das repercussões de vários cenários envolvendo diferentes formas de reestruturação da dívida, incluindo um cenário desesperado com a hipótese de uma improvável saída da eurozona. A questão real é: por que a Der Spiegel optou por isolar este cenário e centrar-se sobre ele muito embora os seus jornalistas soubessem muito bem que a Grécia nunca proporá uma saída real do euro?

É minha opinião meditada que a Der Spiegel, após consulta prévia com certos círculos dentro do governo alemão (em particular o Ministério das Finanças), estava a tentar enviar uma mensagem – não à chanceler alemã como também ao primeiro-ministro grego. Qual é esta mensagem? Que há coisas muito piores do que uma reestruturação da dívida, sendo a pior um desmantelamento passo-a-passo do euro que principiará quando um país como a Grécia é forçado a uma situação impossível. E que continuar a viver em negação, e espalhar mentiras flagrantes acerca da sustentabilidade do rumo atual, não será mais tolerado.

Negação

Vamos começar com a citação do dia da versão Internet da Der Spiegel:

Os problemas econômicos da Grécia são maciços, com protestos quase diários contra o governo. Agora o primeiro-ministro George Papandreu aparentemente sente que não tem outra opção: SPIEGEL ONLINE obteve informação de fontes do governo alemão conhecedoras da situação em Atenas indicando que o governo Papandreu está considerando o abandono do euro e a reintrodução da sua própria divisa.

Alarmada pelas intenções de Atenas, a Comissão Europeia convocou uma reunião de crise no Luxemburgo na sexta-feira à noite. A reunião está tendo lugar no Château de Senningen, um local utilizado pelo governo do Luxemburgo para reuniões oficiais. Além da possível saída da Grécia da união monetária, uma reestruturação rápida da dívida do país também faz parte da agenda.

Que o governo grego esteja considerando uma saída heróica da eurozona é falso: se bem que a saída é um dos muitos cenários que estudou, ele nunca foi um dos que contemplasse seguir. Contudo, o governo grego pode negar a notícia da Spiegel até o dia de São Nunca, mas ninguém acreditará. É o preço que se paga por não ter prestado atenção à moral da [fábula] O rapaz que gritava lobo. Pior ainda, ao acusar, bastante implausivelmente, a Der Spiegel de passar manteiga no pão dos especuladores, o grego está sacrificando, em vão, os últimos restos de credibilidade que tem. Triste, muito triste. Pois todo mundo sabe que a Der Spiegel tem peixes muito maiores para fritar do que prestar-se aos jogos dos especuladores. Na verdade, a Der Spiegel faz parte da rede institucional da autoridade e poder político da Alemanha. Assim, porque haveria tal instituição de ser econômica com a verdade desta maneira e neste momento?

A mensagem

O artigo da Spiegel foi pretendido como um tiro que disparasse campainhas de alarme muito retardadas. Tencionava criar uma pequena tempestade de pânico como meio de recordar à sra. Merkel que a crise até agora é semelhante a um chá da tarde em comparação com o que se seguirá se ela continuar a viver de mentiras.

Quem enviou esta mensagem? A Der Spiegel nunca agiria por si mesma, sem coordenação com poderosos círculos políticos alemães. Minhas fontes contam-me que estes círculos estão localizados principalmente dentro do Ministério das Finanças e, em menor medida, em um ou dois dos maiores bancos da Alemanha. Em associação com a Der Spiegel eles têm enviado mensagens enfadonhas com linhas semelhantes há algum tempo, nomeadamente que a dívida grega não é sustentável sob a presente composição política (ver relato do FT Alphaville daquela série de mensagens enviadas utilizando a Der Spiegel como seu principal transmissor).

Tendo perdido a paciência, uma vez que os seus sinais foram amplamente ignorados, pessoas do Ministério das Finanças alemão decidiram recorrer às armas grandes com o sinal de ontem. Eles tomaram uma verdade parcial (de que o primeiro-ministro grego examinou os custos potenciais de uma saída grega do euro), ampliaram-na ao omitir a menção a todos os outros cenários que foram considerados e, pronto, foi desencadeada uma pequena tempestade sobre a liderança da Europa. Tudo o que fizeram, então, foi observar o pânico espalhar o seu milagre. Qual milagre? Concentrar as mentes da sra. Merkel, do sr. Papandreu e de ministros variados na importância de viver, pelo menos dessa vez, com verdade.

Mais precisamente, a mensagem enviada pelo artigo incendiário da Der Spiegel era que a política de novos empréstimos caros a estados insolventes, combinada com austeridade selvagem num tempo de recessão profunda, não funciona e não funcionará. Que chegou o tempo da reestruturação da dívida para periferia sob tensão da eurozona, assim como o tempo para uma resolução racional da crise bancária da Europa.

Para conduzir ao seu argumento, os círculos dentro da Alemanha que perceberam que a Spiegel publicou este artigo vivamente esclarecedor, em benefício da sra. Merkel e do sr. Papandreu, perceberam, também, que há algo muito, muito pior do que uma reestruturação da dívida: o começo de uma eliminação sucessiva de países da eurozona que provocará níveis impressionantes de especulação nos mercados monetários quanto ao que vem a seguir e quando.

Ao causar um moderado pânico prematuro nesta linha, enviaram mensagem reiterada de que o tempo das mentiras está ultrapassado, de que mais liquidez para estados insolventes e bancos em bancarrota tornarão as coisas piores, de que é tempo de ter-se na Europa o debate que devíamos ter tido há mais de um ano.

A ideia central

Um ano atrás a Grécia estava falida e foi induzida a um programa estilo FMI cujo rigor foi agravado pela condição do país como membro de uma união monetária que explicitamente excluía, por definição, a desvalorização (e todos os efeitos estabilizadores automáticos decorrentes). As múltiplas crises que se verificaram dentro do setor estatal, da economia real e do setor bancário foram “obstruídas” com o lançamento de mais empréstimos caros dentro destes setores insolventes.

O artigo da Spiegel marca um ponto de viragem: Alguns poderosos decisores políticos alemães parecem não mais estar dispostos a continuar nesse beco sem saída. Sem dúvida escolheram um meio estranho de declarar a sua decisão. Contudo, apesar da maneira covarde como tornaram pública a sua nova convicção, um novo capítulo está a começar para a Europa. Ele não será necessariamente bem escrito ou nos fará felizes ao lê-lo. Mas pelo menos abre a perspectiva de uma fuga a uma mentira sombria que proporcionou miséria em massa e que é a garantia de submergir a ideia de uma Europa Unida num mar de discórdia, xenofobia e rancor generalizado.



[*] Professor de Teoria Econômica e Diretor do Departamento de Política Econômica da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de Atenas. Seus livros incluem: The Global Minotaur: The True Origins of the Financial Crisis and the Future of the World Economy (Zed Books, 2011); (com S. Hargreaves-Heap) Game Theory: A Critical Text (Routledge, 2004); Foundations of Economics: A Beginner's Companion (Routledge, 1998); e Rational Conflict (Blackwell Publishers, 1991).

Esta tradução foi extraída de: Resistir 

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