Patrick Cockburn |
24/7/2011, Patrick Cockburn, The Independent
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Ataques aéreos são a principal arma com que as potências ocidentais contam para controlar o Oriente Médio e o sul da Ásia, sem ter de pôr soldados em terra, onde as mesmas potências podem sofrer graves baixas, além de humanas, também políticas. Grã-Bretanha, França e EUA só têm poder aéreo para fazer guerra contra a Líbia, que se arrasta há quatro meses. Os EUA também estão ampliando a ofensiva aérea no Iêmen, onde a CIA deve começar a operar à distância os aviões-robôs drones, com soldados em terra; e prosseguem os ataques de aviões-robôs também no noroeste do Paquistão. Também no Iraque, de onde se espera que os EUA se retirem em breve, a população da cidade de Amarah, semana passada, foi aterrorizada por ataques de jatos bombardeiros.
Aviões da OTAN bombardeiam o complexo residencial de Gaddafi em Trípoli (jun/11). Os ataques aéreos da “aliança” tem se tornado cada vez mais ineficazes |
O emprego de forças aéreas como policiais coloniais na Região tem história longa e sangrenta, e sempre, no longo prazo, mostrou-se ineficaz. O piloto da OTAN, que bombardeou Ain Zara ao sul de Trípoli no início desse mês com certeza jamais ouvir contar que seu ataque aconteceu quase exatamente 100 anos depois de a mesma cidade ter sido atingida por duas bombas lançadas de um avião italiano, em 1911.
O ataque aéreo italiano foi o primeiro da história, lançado pouco depois de a Itália ter invadido e que depois viria a ser a Líbia, durante um dos muitos conflitos com o Império Otomano. O primeiro voo de reconhecimento militar tomou uma rota próxima de Benghazi em outubro de 1911 e dia 1º de outubro o subtenente Giulio Gavotti tornou-se o primeiro aviador a despejar bombas. Voou baixo sobre um campo turco em Ain Zara e ali despejou quatro granadas de 4,5lb que levava numa sacola de couro no cockpit. Os turcos protestaram que as bombas de Gavotti atingiram um hospital e feriram vários civis.
Os prós e contras já poderiam ter sido constatados, ali. Não que os ataques aéreos sejam sempre fúteis. Eu estava em Bagdá durante o bombardeio dos jatos norte-americanos em 1991 e depois, novamente, durante a operação “Raposa do Deserto” em 1998. Acocorado num canto do meu quarto de hotel, vendo as colunas de fogo surgirem pela cidade e a patética reação do fogo antiaéreo, foi experiência limite. Por outro lado, encurralado num abrigo a oeste de Beirute durante as guerras civis, foi ainda pior, em certo sentido, porque durou mais tempo e tudo era menos previsível. Em Bagdá, eu supunha que os norte-americanos soubessem contra que alvos atiravam, se por mais não fosse, por razões de “Relações Públicas”. Mas minha confiança logo acabou, quando mataram cerca de 400 civis num abrigo em Amariya.
Por mais assustador que seja sentir-se alvo de bombardeio aéreo, as forças aéreas sempre superestimam a própria importância. Jamais são precisos como alegam ser; a eficácia de ataques aéreos depende integralmente de informações de inteligência. Bombardear dá mais certo como arma para aterrorizar civis; como arma de punição generalizada. Contra soldados bem preparados, como os guerrilheiros do Hezbollah, os bombardeios aéreos sempre funcionaram mal.
A desastrosa aventura de Israel no Líbano poderia bem entrar para a história como a mais espantosamente ineficaz guerra aérea de todos os tempos, não fosse o dia em que França e Grã-Bretanha resolveram aliar-se àquelas milícias entusiásticas, mas sem qualquer treinamento, para derrubar o coronel Muammar Gaddafi.
Não começou assim. Quando os aviões da OTAN atacaram pela primeira vez, foi apenas para impedir que os tanques de Gaddafi avançassem pela estrada, de Ajdabiya rumo à Benghazi dos ‘rebeldes’. Esses ataques foram efetivos. Mas o objetivo foi repentinamente alterado, e a coisa converteu-se em guerra sem prazo para terminar para derrubar Gaddafi; a OTAN, então, passou a dar apoio aéreo aos “rebeldes”. Muito parecido com o que fizeram as forças imperiais francesas na África Ocidental, é espantoso que essa aberta intervenção estrangeira contra país soberano ainda não tenha sido adequadamente criticada na Grã-Bretanha.
Os “rebeldes” sempre foram muito mais fracos do que seus patrocinadores da OTAN divulgaram. Claro que quem queira pode reconhecê-los como legítimo governo da Líbia, mas não é o que pensam os líbios. O grupo internacional Crisis Group, em geral sempre bem informado, diz que um item chave “na capacidade de Gaddafi para permanecer em seu posto sem oponentes no oeste da Líbia é o número ínfimo de defecções, até agora, entre as principais tribos que, tradicionalmente, são aliadas do regime”. A verdade é que uma OTAN dividida escolheu um dos lados de uma guerra civil na Líbia – exatamente como fizera antes no Afeganistão; e como EUA e Grã-Bretanha fizeram no Iraque.
Em ataques aéreos a primeira semana é, quase sempre, a melhor. Ao final de uma primeira semana de ataques bem planejados e bem executados, os alvos mais expostos do inimigo já devem estar destruídos; nesse momento, o inimigo já aprendeu a esconder-se, dispersou as forças e evita expor-se como alvo. No caso da Líbia, as tropas pró-Gaddafi começaram a usar caminhões velhos com uma metralhadora pesada, pela retaguarda dos rebeldes. A OTAN atingiu várias vezes os próprios aliados, com efeitos devastadores.
Até agora não houve na Líbia ataque aéreo da OTAN com morte de grande número de civis. Depois que isso aconteceu pela primeira vez no abrigo de Amariya em Bagdá em 1991, a seleção de alvos passou a ter de ser confirmada pelo próprio comandante do exército, Colin Powell; e não houve outros ataques aéreos contra a capital. Os generais da Força Aérea costumam elogiar a precisão de suas armas maravilhosas, capazes de atingir alvos pontuais minúsculos. Mas só muito raramente explicam que essa ‘precisão’ depende de informação de inteligência também muito precisa.
Essas informações de inteligência são, quase sempre, confusas. Eu estava em Herat, no oeste do Afeganistão em 2009, quando jatos norte-americanos mataram 147 pessoas em três vilas ao sul. As bombas pulverizaram as casas de tijolos de barro e destroçaram os moradores, cujos cadáveres foram recolhidos aos pedaços. Naquelas vilas, em território “profundo” dos Talibã, alguns veículos norte-americanos e afegãos haviam sido emboscados; assustados e sem saber o que fazer, os soldados requisitaram apoio aéreo. Aos gritos de “Morte aos EUA” e “Morte ao Governo”, sobreviventes enfurecidos recolheram numa caçamba os restos dos mortos e, com a caçamba atrelada a um trator, levaram os cadáveres até o gabinete do governador em Farah.
A resposta do secretário de Defesa dos EUA, Robert Gates, àqueles eventos, foi dizer que os Talibã haviam invadido as vilas, jogando granadas. Mentiras desse tipo podem ter algum efeito interno, nos EUA, mas enfureceram ainda mais os afegãos, que, diariamente, viam pela televisão as crateras abertas pelas explosões. A campanha aérea na Líbia terminará em desastre semelhante? Já é pequena a tolerância nos EUA e na Grã-Bretanha em relação à guerra na Líbia. E qualquer notícia de morte em massa de civis pode gerar indignação pública em toda a Europa e nos EUA.
Desde quando, há 100 anos, quando o subtenente Gavotti jogou aquela granadas pala janela do cockpit, os governos ocidentais têm-se deixado seduzir pela ideia de que podem vencer guerras só com aviões – hoje, os aviões-robôs drones tripulados à distância. Parece ser guerra barata, que não compromete soldados nem os expõe a riscos em campo.
Tarde demais descobre-se, como já se vê hoje na Líbia, que só muito excepcionalmente se vencem guerras, pelo ar.
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