16/7/2011, M K Bhadrakumar, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Os Talibã divulgaram declaração com explicações sobre a execução em Kandahar, sul do Afeganistão, de Ahmad Wali Karzai, o mais jovem dos meio-irmãos do presidente Hamid Karzai.
A declaração foi divulgada na 5ª-feira – no mesmo dia em que um suicida-bomba interrompeu uma cerimônia fúnebre, em Kandahar, em memória de Ahmad Wali, matando três pessoas, entre as quais Maulawi Ekmatullah, chefe da ulema shura (conselho provincial religioso) local.
O funeral, realizado na 3ª-feira, ao qual compareceu o presidente Karzai, transcorreu sem incidentes. Mas os Talibã atacaram a cerimônia realizada dois dias depois, na qual se reuniram os que viajaram de locais remotos e não chegaram a tempo para o funeral.
Chama a atenção, na declaração dos Talibã, que não há qualquer referência direta ao presidente afegão. Toda a declaração está focada em Ahmad Wali. Os Talibã quiseram dar meios às elites afegãs para que elas mesmas deduzissem os motivos pelos quais condenaram e executaram Maulawi Ekmatullah, 49 anos, chefe do conselho provincial religioso.
Sem meias palavras, os Talibã dizem que Ahmad Wali foi executado porque trabalhava para a CIA-EUA. É interessante que, simultaneamente, todo o mundo continue a repetir que Ahmad Wali seria modelo arquetípico de “senhor-da-guerra”, com muitos especialistas dedicados a elucubrar sobre o fenômeno do “senhor-da-guerrismo” [orig. warlordism] no Afeganistão. Ninguém precisa insistir em tergiversações. Os Talibã já disseram o que realmente determinou a execução: o fato de Wali colaborar com a CIA. Nenhum outro aspecto da vida ou das atividades de Ahmad tem qualquer importância para eles.
Os Talibã declararam que Ahmad Wali foi “rei preposto do regime no sul do Afeganistão”, dado que comandava o conselho provincial. E que “era o principal homem de confiança” das forças de coalizão comandadas pelos EUA que ocupam o Afeganistão.
Ahmad Wali colaborou com “americanos, canadenses e britânicos” nas campanhas que conduziram tentando obter o controle do sudoeste do Afeganistão – não apenas em Kandahar. (O governador da província de Helmand, Gulab Mangal, foi atingido no distrito de Maiwand, por bomba de fabricação caseira, na 3ª-feira, quando viajava para Kandahar para participar do funeral de Ahmad Wali.)
Ahmad Wali ultrapassou muito evidentemente a “linha vermelha”, quando colaborou também na “avançada” [orig. surge] dos soldados do general David Petraeus. Os Talibã disseram que “[Ahmad Wali] desempenhou papel chave na disseminação da rede de inteligência dos invasores ocidentais e facilitou o avanço deles no sudoeste do Afeganistão”.
Chama a atenção que a execução tenha sido decidida porque “Ainda hoje [Ahmad Wali] recebe alto salário pago pela CIA” – não por seus pecados passados. É o mais próximo que os Talibã decidiram chegar de “declarar” que entenderam que, agora que Petraeus foi promovido a diretor da CIA, o poder de Ahmad Wali para causar danos aos interesses dos Talibã aumentaria muito. Pode-se dizer que Ahmad Wali pagou com a vida o preço político do sucesso que Petraeus reivindica para si e para sua política de “avançada” no sudoeste do Afeganistão.
Obviamente, com a execução do “rei preposto do regime”, os Talibã visam a “zerar” os ganhos do “surge” e impedir outros movimentos de Petraeus – que disse que o locus das operações militares está mudando para o leste, onde os EUA dependerão mais de inteligência e menos de soldados em campo.
A declaração dos Talibã claramente identifica Ahmad Wali com os excessos das operações militares na região sudoeste. Detalham o tipo de atrocidades perpetradas pelas forças ocidentais e acrescentam: “Não há dúvidas de que Ahmad Wali Karzai foi cúmplice em todos esses crimes, como primeiro responsável pela província [Kandahar]. (...). Agora, recebeu o castigo que merecia.”
Interessante também que, por mais que o presidente Karzai insista que, com ele, acabaram-se os crimes de guerra cometidos pelos EUA, o Talibã pensa de outro modo. Depois de historiar os crimes de Ahmad Wali que levaram à execução, a declaração dos Talibã investe numa mensagem política dirigida às elites afegãs – “Os afegãos que colaboram com as forças invasoras, desrespeitando a religião, o país e valores tradicionais afegãos, que aprendam a lição (...). Todos devem reconsiderar o que fazem e o modo como agem”. Porque a nação afegã não mais “tolerará” qualquer colaboração com forças estrangeiras de ocupação, sequer a aceitação da ocupação.
A declaração é assustador aviso a todos os colaboradores: que não esperem encontrar refúgio nas zonas de segurança máxima, sob proteção dos exércitos ocidentais – por trás de “arame farpado, muralhas de concreto e sacos de areia” – porque o longo braço dos Talibã os alcançará onde estiverem.
Os Talibã, contudo, dizem que estão preparados para perdoar os que tenham colaborado com os EUA até agora – desde que “repensem, e desistam da subserviência aos invasores infiéis”. Quer dizer, “afegãos influentes, educados e experientes” ainda podem escolher, mesmo que não queiram unir-se aos Talibã nem trabalhar com os Talibã, desde que “abandonem definitivamente o caminho de apoiar os infiéis e retomem sua vida normal”.
Se, contudo, persistirem em seu “trabalho submisso”, nesse caso, “todos terão o destino do general Daoud e de Ahmad Wali Karzai”. (Chefe de política do norte do Afeganistão e comandante do 303 Pamir Corps, Mohammed Daoud, foi executado em ataque de suicida-bomba em Takhar, dia 29 de maio.)
É preciso considerar o processo de pensamento que subjaz à declaração dos Talibã. É declaração absolutamente política, sem qualquer vestígio da diatribe dogmática dos jihadis ao estilo da al-Qaeda contra o ocidente “decadente”. A declaração está decididamente focada na decisão dos Talibã de não mais admitir qualquer concessão, em nenhum caso, no que tenha a ver com a presença de exércitos ocidentais no Afeganistão.
Em resumo, Ahmad Wali foi executado porque era o principal afegão a serviço da CIA no Afeganistão. Chama à atenção, também, a referência a Daoud. Daoud foi proeminente “Panjshiri” que trabalhava em íntima associação com as forças da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) na região. Também foi “rei preposto”, por assim dizer, das forças alemãs que ocupam a região de Amu Darya.
Pode-se inferir que os Talibã tenham querido esclarecer, com essa referência, que a execução de Daoud nada teve a ver com ele ser importante personagem não pashtum associado ao falecido Ahmad Shah Massoud aliado da Aliança do Norte, da resistência anti-Talibã, no final dos anos 1990s.
A declaração é também claro aviso ao presidente Karzai e sua equipe, de que será erro fatal sucumbir à pressão dos EUA e permitir o estabelecimento de bases militares permanentes no Afeganistão, nos moldes do que Washington está tentando fazer no Iraque.
A declaração dos Talibã deixa bem claro que a Quetta shura (o alto conselho dos Talibã) poderia relevar todas as aberrações que há no perfil político de Ahmad Wali – seus métodos brutais como “senhor-da-guerra”, o envolvimento no tráfico de drogas, o sumiço de fundos do Banco Central – mas que de modo algum admitiria que continuasse a servir à CIA, como agente colaboracionista.
Não há dúvidas de que a execução de Ahmad Wali é golpe devastador contra Petraeus, também pessoalmente. Aconteceu na véspera da Petraeus deixar o Afeganistão como militar; e reduz a cacos a elaborada versão que o comandante dos EUA inventou como falsa coroa com a qual pretendeu coroar sua carreira militar. O “surge” foi reduzido a mais um episódio inconsequente na história da guerra do Afeganistão, nem sombra do “ponto de virada” decisivo que foi criado para ser.
Mais importante que tudo isso, é que, como diretor da CIA, Petraeus está agora ante do desafio de ter de trabalhar num “vácuo de inteligência” no sul do Afeganistão. Ahmad Wali era agente colaborador que, por assim dizer, não deixa substituto. De fato, sempre foi insubstituível. Tinha um dedo em cada pão assado na região de Kandahar, das rotinas de segurança das forças da coalizão, até os nascentes contatos entre os EUA e os Talibã.
Tudo considerado, o que mais chama a atenção na declaração dos Talibã é que consegue habilmente “legitimar” o presidente Karzai: em momento algum Karzai é incluído nos “crimes” de Ahmad Wali.
O fato de que os Talibã nada tenham feito durante a cerimônia dos funerais, na 3ª-feira, também é significativo. Os Talibã só divulgaram sua declaração dois dias depois do funeral. Sabem o que fazem. Afinal, executaram um chefe da tribo Popolzai.
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