Pepe Escobar |
11/8/2011, Pepe Escobar, AToL
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Suponha que seja uma reunião de roteiro em Hollywood, e você tenha de expor sua ideia da história em no máximo dez palavras. O filme é sobre a Síria. Mais ou menos como o filme de Kathryn (Hurt Locker/Guerra ao Terror) Bigelow sobre Osama bin Laden, atualmente em fase de pesquisa, foi apresentado em termos de “os caras legais acertam a testa de Osama no Paquistão”, o épico sírio bem pode ser “sunitas e xiitas combatem por república árabe”.
Sim, mais uma vez se trata daquela ficção, o “crescente xiita”; de isolar o Irã; e dos preconceitos dos sunitas contra os xiitas.
A Casa sunita wahhabita linha-dura de Saud – em mais um descomunal show de hipocrisia, e fiel ao ódio que nutre contra repúblicas árabes seculares –, chamou o regime do partido Ba’ath controlado por Bashar al-Assad na Síria, de “uma máquina de matar”.
Sim, sim, o feroz aparelho de segurança de Assad não ajuda – já matou mais de 2.400 pessoas desde o início das manifestações em março. Mas vale lembrar que é muito mais gente do que as forças do coronel Muammar Gaddafi haviam matado na Líbia, quando apareceu a Resolução n. 1.973 da ONU, que liberou-geral as intervenções militares estrangeiras contra a Líbia.
Diógenes, o Cínico, responderia a essa dissonância de “de que lado está a ONU” lembrando que a Síria, diferente da Líbia, não repousa sobre riquíssimas reservas de petróleo e gás.
O regime de Assad reza por uma subseita dos xiitas alawitas. Isso, para a Casa de Saud, significa que todos os sunitas serão assassinados; e, para acrescentar o insulto à injúria, serão assassinados por regime aliado ao Irã xiita.
Daí adveio a condenação pelos sauditas, na qual foram seguidos por todos os fantoches que os sauditas mantêm no Conselho de Cooperação do Golfo [ing. Gulf Cooperation Council (GCC)], também conhecido como Clube Contrarrevolucionário do Golfo, e na desdentada Liga Árabe, também manipulada pelos sauditas. Além do mais, o dinheiro da Casa de Saud e do Golfo está financiando ativamente a corrente mais sem pegada dos protestos na Síria – a névoa interestelar radical salafita fundamentalista chamada “Fraternidade Muçulmana”.
Exatamente na contramão de qualquer ajuda, os manifestantes pró-democracia no Bahrain só receberam invasão e repressão sem limites, da Casa de Saud e do CCG.
E veio então a jogada turca
A posição da Turquia é muito mais nuançada. O partido governante, Justiça e Desenvolvimento (AKP), é predominantemente sunita. Tem de jogar para a plateia sunita regional. Mas o AKP sabe que pelo menos 20% dos turcos são xiitas, do ramo alevita; e que são muito simpáticos aos sírios allawitas.
Ahmet Davutoglu, ministro das Relações Exteriores da Turquia – autor da celebrada política de “zero problemas com nossos vizinhos regionais” – passou, essa semana, nada menos do que seis horas em reunião com Assad, cara a cara, em Damasco. Na conferência de imprensa mostrou-se enigmático, mas deixou implícito que o regime Assad pôr fim aos ataques contra manifestantes e aceitar as exigências da rua seria um “processo”. Assad respondeu que ele próprio já iniciara o “processo” – mas essas coisas são assim mesmo e, como eleições livres e limpas, exigem tempo.
Explicitamente, Davutoglu disse que “Como sempre sublinhamos, nosso principal critério é que o modelo do processo reflita exclusivamente o desejo do povo sírio”. No momento, o regime poderia responder que a maioria do povo sírio está apoiando o governo.
As palavras de Davutoglu também parecem implicar que não haverá razão alguma para que a Turquia intervenha na Síria, desde que Damasco seja razoável, pare de matar gente (Assad admitiu que houve “erros”) e introduza reformas. A impressão que se tem é que Davutoglu estaria contradizendo o primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan, para o qual, declaradamente, a Turquia teria de “resolver” o impasse sírio.
Seria o modo de Erdogan provar à Arábia Saudita e ao Qatar que o modelo turco é a fórmula ideal para o mundo árabe – pressupondo-se que os sauditas e qataris engolissem que Erdogan aparecesse como o Grande Libertador dos sunitas na Síria, financiando um avanço do exército turco sobre as forças de Assad. Hoje se vê muito mais claramente que há alguns dias, o quanto esse raciocínio é truncado.
O regime Assad fez as contas e viu que não cairá, desde que as manifestações não cheguem à capital Damasco e a Aleppo – quer dizer, desde que não atinjam as classes médias urbanas. O aparelho militar e de segurança sírio apoia firmemente Assad. Todas as minorias religiosas sírias somadas perfazem no mínimo 25% da população; e todas têm muito medo dos fundamentalistas sunitas. Os sunitas seculares, por sua vez, temem que uma mudança de regime leve ou a uma retomada islâmica, ou ao caos. Por tudo isso, é razoável afirmar que a maioria dos sírios, sim, apoiam firmemente o governo Assad – por mais incompetente e linha-dura que seja.
E o regime de Assad sabe que as condições não estão maduras para que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) consiga mover, contra a Síria, o mesmo tipo de campanha de bombardeamento massivo que moveu contra a Líbia. Não conseguirão, sequer, que a ONU vote alguma resolução nessa direção – como Rússia e China encarregaram-se de deixar bem claro.
A Europa está derretendo – e dificilmente concordará com novas doses de aventureirismo mal planejado. Principalmente depois do show de horrores com que aqueles tipos sinistros do Conselho de Transição em Benghazi brindaram o mundo, assassinando o próprio principal comandante militar, o que revelou a graves cisões tribais que há entre eles; e houve também o toque cômico, ridículo, de os britânicos reconhecerem o governo “rebelde”, no mesmo dia em que os “rebeldes” estavam matando e queimando o cadáver do próprio “comandante” deles.
Não há qualquer motivo para nova “intervenção humanitária” ocidental em nome do princípio da “responsabilidade de proteger”, porque não há qualquer crise humanitária na Síria; a Somália vive hoje a máxima crise humanitária pensável, em todo o mundo, o que já gerou temores de que Washington esteja considerando a possibilidade de “invadir” ou, no mínimo, de assumir o controle da – em termos estratégicos, crucialmente importante – Somália.
Por tudo isso, a ideia de o governo Barack Obama dos EUA dizer a Assad que faça as malas e “vá-se da Síria” já nasceu morta, desde o primeiro vagido. E se Assad ficar onde está? O que fará Washington? Fará chover sobre ele os aviões-robôs tripulados a distância, até destruir Assad, Damasco, Aleppo, grande parte da Síria... sob o pretexto de que teria “responsabilidade de proteger”?!
Sim, sim, o Pentágono sempre poderá tentar detonar Assad (etc.) com um drone último tipo, o Falcon Hypersonic Technology Vehicle-2, também pilotado a distância – a nova e mais avançada arma de guerra & joystick “para responder a ameaças em todo o globo”, como disse o Pentágono. Só que... EPA! Há um probleminha... O super protótipo do avião-robô super hipersônico neo-drone comandado à distância sumiu quando sobrevoava o Pacífico. Não há notícias dele.
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