James Petras |
por
James Petras [*]
A relação entre as tecnologias da
informação, e mais precisamente a internet, com a política é uma questão central
para os movimentos sociais contemporâneos. Tal como outros avanços tecnológicos
no passado, as tecnologias da informação (TI) servem um duplo propósito: por um
lado contribuem para acelerar os movimentos de capitais (sobretudo de capitais
financeiros), facilitando uma globalização imperialista. Por outro, a internet
fornece importantes fontes alternativas de análise, assim como uma forma fácil
de comunicação, que pode servir para a mobilização dos movimentos populares.
A indústria das tecnologias da
informação criou uma nova classe de multimilionários, que se estende de Silicon Valey na California até
Bangalore na India. Estes desempenham um papel central na expansão do
colonialismo econômico através do controle monopolista que exercem sobre as mais
diversas esferas de difusão da informação e do entretenimento.
Parafraseando Marx: “a internet
tornou-se o ópio do povo”. Novos e velhos, empregados e desempregados, todos
eles passam horas passivamente contemplando espetáculos, pornografia,
videojogos, consumindo online e até acedendo a “notícias”, isolados dos
restantes cidadãos e trabalhadores.
Em muitas ocasiões, a
superabundância de “notícias” na internet, absorve tempo e energia, desviando os
“observadores” da reflexão e da ação propriamente dita. Assim como a escassa e
tendenciosa informação dos meios de comunicação de massas distorce a consciência
popular, o excesso de mensagens na internet pode imobilizar a ação dos cidadãos.
A internet, propositadamente ou
não, “privatizou\particularizou” a vida política. Muitos ativistas potenciais
foram levados a acreditar que o envio de manifestos a outros cidadãos é um ato
político, esquecendo-se que apenas a ação pública, incluindo a confrontação com
os seus adversários no espaço público, nos centros das cidades assim como no
campo, é a base da transformação política.
As tecnologias da
informação e o capital financeiro
Recordemos que o ímpeto original
que presidiu ao crescimento das tecnologias da informação partiu das
necessidades das grandes instituições financeiras, bancos de investimento e dos
especuladores, que pretendiam mover bilhões de dólares, de um país para o outro,
de uma empresa para outra, de uma mercadoria para outra, com um simples toque de
dedos.
A Internet foi a tecnologia motora
do crescimento da globalização ao serviço do capital.
As tecnologias da Informação
desempenharam um papel central na precipitação das duas crises financeiras da
última década (2001-2002; 2008-2009). A bolha das ações de empresas ligadas às
tecnologias da informação em 2001 foi o resultado da promoção e da
sobrevalorização das empresas de software, desligadas da economia real. O
crash financeiro global de 2008-2009,
que se extende até hoje, foi consequência de pacotes computadorizados de ativos
fraudulentos e de empréstimos imobiliários sub-financiados. As “virtudes” da
internet, a velocidade com que transmite informação, revelaram-se, no contexto
da especulação capitalista, um fator determinante da pior crise do capitalismo
desde a Grande Depressão dos anos 30.
A democratização
da Internet
A internet tornou-se acessível às
massas enquanto mercado aberto à exploração comercial, alargando-se
posteriormente a usos sociais e políticos, e, mais importante ainda: tornou-se
um meio fundamental para informar o grande público da exploração e pilhagem que
os bancos multinacionais impunham aos mais variados países e aos seus
habitantes. A internet ajudou também a expor as mentiras que subjazem às guerras
imperialistas dos Estados Unidos e da União Europeia no Médio-Oriente e no Sul
da Ásia.
A internet tranformou-se assim num
terreno contestado, numa nova forma de luta de classes, que engloba movimentos
pró-democracia e de libertação nacional. Os maiores movimentos e os seus
líderes, desde os guerrilheiros no Afeganistão aos ativistas pró-democracia no
Egito, passando pelo movimento estudantil chileno e pelo movimento pela
habitação popular na Turquia, todos eles contam com a internet para informar o
mundo das suas lutas, dos seus programas, da repressão estatal de que são alvos,
bem como das suas vitórias. A internet liga as diferentes lutas muito para lá
das fronteiras nacionais – é uma ferramenta central para a construção de um novo
internacionalismo que faça face à globalização capitalista e às suas guerras
imperialistas.
Parafraseando Lenine poderiamos
dizer que o socialismo do século XXI pode resumir-se na formula: “os sovietes
mais a internet = socialismo participativo”.
A internet e a
política de classe
É bom recordar que as tecnologias
computadorizadas de informação não são “neutras” – o seu impacto político
depende dos utilizadores e ativistas que determinam quem, e que interesses de
classe, é que servem.
A internet serviu para mobilizar
milhares de trabalhadores na China contra os exploradores corporativistas, na
Índia mobilizou milhares de camponeses contra os especuladores latifundiários.
Por outro lado, a OTAN utilizou sistemas de guerra fortemente computorizados
para bombardear e destruir a Líbia independente. Os Estados-Unidos também
utilizaram “drones” para enviar mísseis para matar civis no Paquistão e no
Iêmen; ora esta técnica é controlada por uma inteligência computadorizada. A
localização da guerrilha colombiana e os bombardeios aéreos utilizam a mesma
tecnologia computadorizada. Em suma, as tecnologias da informação podem ter um
duplo uso: podem ser utilizadas para a libertação dos povos, mas também podem
servir os ataques imperialistas contra-revolucionários.
O neoliberalismo e
o espaço público
A discussão acerca do “espaço
público” assume frequentemente que “público” é sinônimo de uma maior intervenção
estatal em prol do bem-estar da maioria: de uma maior regulação do capitalismo e
de uma crescente proteção ao meio-ambiente. Por outras palavras aos atores
“públicos” benignos opor-se-iam às forças privadas exploradoras dos mercados.
Num contexto de proliferação da
ideologia e das políticas neoliberais, muitos autores progressistas escrevem
sobre “o declínio da esfera pública”. Esta perspectiva negligencia o fato de a
“esfera pública” ter vindo a ganhar uma importância crescente na sociedade, na
política e na economia, beneficiando sempre o grande capital; mais concretamente
o capital financeiro e os investidores estrangeiros. A “esfera pública”, neste
caso o estado, é muito mais intrusiva na sociedade civil como força repressiva
num momento em que as políticas neoliberais aumentam as desigualdades. Graças à
intensificação e ao aprofundamento das crises financeiras, a esfera pública (o
estado) assumiu um papel fundamental no resgate dos bancos falidos.
Devido aos enormes déficits
fiscais provocados pela fuga aos impostos do capital, às despesas com as guerras
coloniais e aos subsídios públicos às grandes empresas, a esfera pública (o
estado) impõe uma austeridade de classe, cortanto despesas sociais e
prejudicando os funcionários públicos, os reformados e os trabalhadores
assalariados das empresas privadas.
A esfera pública reduziu o seu papel no setor produtivo da economia. No entanto, o setor militar cresceu com a expansão das guerras coloniais e imperialistas.
A esfera pública reduziu o seu papel no setor produtivo da economia. No entanto, o setor militar cresceu com a expansão das guerras coloniais e imperialistas.
A questão fundamental que subjaz a
qualquer discussão acerca da esfera pública e da oposição social não é a do seu
crescimento ou declínio, mas antes a dos interesses de classe que definem o
papel dessa esfera pública.
No contexto do neoliberalismo, a
esfera pública está orientada para a utilização do tesouro público no resgate
dos bancos, para o militarismo e para uma larga intervenção policial estatal.
Uma esfera pública dirigida pela “oposição social” (trabalhadores, agricultores,
profissionais, empregados) alargaria o campo de ação da esfera publica no que
toca à saúde, à educação, às pensões, ao ambiente e ao emprego.
O conceito de “esfera pública” tem
duas faces (como Jano): uma olha para o capital e para o setor militar; a outra
para a oposição laboral/social. A internet está também subordinada a esta
dualidade: por um lado, facilita grandes movimentos do capital e rápidas
intervenções militares imperialistas; por outro, fornece à oposição social um
fluxo de informação rápido que permite a sua mobilização. A questão fundamental
é a de saber que tipo de informação é transmitida, a que atores políticos ela é
transmitida e que interesse social serve?
A Internet e a
oposição social: a ameaça da repressão estatal
Para a oposição social, a internet
é antes de mais uma fonte vital de informação alternativa crítica, capaz de
educar e mobilizar os dirigentes progressistas, os profissionais, os
sindicalistas e os líderes camponeses, os militantes e os ativistas. A internet
é uma alternativa aos meios de comunicação capitalistas e à sua propaganda, uma
fonte de notícias e informações que transmite manifestos e informa os activistas
acerca dos locais das intervenções públicas. Graças a este papel progressista
como instrumento da oposição social, a internet está sujeita a uma forte
vigilância por parte do aparelho repressivo policial e estatal.
Nos Estados Unidos, por exemplo,
mais de 800 mil funcionários são utilizados pela policia de “Segurança Interna”
para espiar milhares de milhões de emails, faxes e chamadas telefônicas de
milhões de cidadãos americanos.
Saber quão efetivo é o
policiamento diário de toneladas de informação é outra questão. Mas o fato é que
a internet não é uma “fonte livre e segura de informação, debate e discussão”.
Com efeito, quanto mais eficaz se torna a internet na mobilização de movimentos
sociais que se opõem ao estado imperialista e colonial, mais provável se torna
uma intervenção por parte da polícia e do estado com o pretexto de “combater o
terrorismo”.
A internet e a
luta contemporânea: uma relação revolucionária?
É tão importante reconhecer a
importância da internet enquanto detonador de determinados movimentos sociais
como relativizar a sua importância global.
A internet teve um papel
fundamental na divulgação e mobilização de “movimentos espontâneos”, como o dos
“indignados” espanhóis, na sua maioria jovens desempregados e sem filiação
partidária, ou na americana “Ocupação de Wall Street”. Noutros casos, como o das
massivas greves gerais em Itália, Portugal, na Grécia e em tantos outros sítios,
as confederação sindicais organizadas tiveram um papel central e a internet um
impacto apenas secundário.
Em países altamente repressivos,
como o Egito, a Tunísia e a China, a internet tem um papel fundamental na
divulgação de intervenções públicas e na organização de protestos de massas.
No entanto, a internet não levou a
qualquer revolução bem sucedida – ela pode informar, ser um local de debate, e
mesmo mobilizar, mas não pode oferecer a liderança e a organização necessárias a
uma ação política consistente e muito menos fornecer uma estratégia de tomada do
poder estatal. Comprova-se assim que a ilusão, alimentada por alguns gurus da
internet, de que a ação "computadorizada" pode substituir um partido político
disciplinado, é falsa: a internet pode facilitar o movimento, mas apenas uma
oposição social organizada lhe pode dar uma direção tática e estratégica capaz
de o manter vivo face à repressão do estado e de levá-lo a lutas bem sucedidas.
Ou seja, a internet não é um “fim
em si mesmo” – a postura autocongratulatória dos ideólogos da internet,
anunciando uma nova época de informação “revolucionária”, ignora o fato de que
OTAN, Israel e os seus aliados e clientes utilizam a internet para lançar vírus
e destruir economias, para programas de defesa anti-sabotagem e para promover
levantamentos étnico-religiosos. Israel enviou vírus danosos para travar o
programa nuclear pacífico do Irã; os Estados Unidos, a França e a Turquia
instigam, na Líbia e na Síria, uma oposição social capaz de servir os seus
interesses.
Em resumo, a internet tornou-se um
novo terreno de luta de classes e de luta antiimperialista. A internet é um meio
e não um fim. A internet é parte dessa esfera pública, cujos objetivos e
resultados são determinados pela estrutura de classe em que se integra.
Comentários
finais: “militantes de teclado” e intelectuais públicos
A oposição social é definida pela
intervenção pública: pela presença das coletividades nos comícios políticos,
pelos indivíduos que discursam em encontros públicos, por ativistas que se
manifestam em praças públicas, sindicalistas militantes que defrontam os
patrões, pessoas pobres que exigem aos governantes locais para morar e serviços
públicos...
Discursar ativamente num comício
público, formular ideias e programas, propor estratégias através da ação
política, constitui o papel de um intelectual público. Sentar-se a uma
secretária num escritório para, num esplêndido isolamento, enviar cinco
manifestos por minuto define um “militante de teclado”. Esta é uma forma de
pseudo-militância que separa as palavras dos atos. A “militância” de teclado é
um ato de inação verbal, de "ativismo" inconsequente, uma revolução mental de
faz-de-conta.
A comunicação via internet
torna-se um ato político quando se enquadra em movimentos sociais que desafiam o
poder. Necessariamente, isto envolve riscos para um intelectual público: desde
ataques policiais no espaço público até represálias econômicas na esfera
privada. Os “ativistas de teclado" não arriscam nada e pouco realizam. O
intelectual público faz a ligação entre o descontentamento dos indivíduos e o
ativismo social da coletividade. O professor universitário vem ao local de ação,
fala e regressa ao seu gabinete. O intelectual público fala e faz um compromisso
pedagógico de longo termo com a oposição social na esfera pública, tanto através
da internet como de frequentes encontros diários cara a cara.
20/Novembro/2011
[*] Intervenção
como convidado no “Symposium on Re-Publicness”, Patrocinado pela Chamber of Electrical Engineers. Ancara,
Turquia, 9-10/Dezembro/2011
O artigo original, em inglês, encontra-se em: “Social
Opposition in the Age of Internet: Desktop “Militants” and Public
Intellectuals”.
Tradução
de MQ.
Esta
tradução foi extraída de Resistir.
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