Pepe Escobar |
23/11/2011, Pepe
Escobar, Asia Times Online
The Roving Eye
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
A pergunta de um
trilhão de dólares no “Inverno Árabe” é quem piscará primeiro no roteiro do
Ocidente para esgueirar-se até Teerã via Damasco.
Quando examina o
tabuleiro regional e o conjunto formidável de forças que se alinham contra eles,
o Líder Supremo Aiatolá Ali Khamenei e a ditadura militar do mulariato em Teerã
vêem simultaneamente Washington, a superpotência; os estados-membros e
bombardeadores malucos da Organização do Tratado do Atlântico Norte, OTAN;
Israel; todas as monarquias absolutas sunitas árabes; e até a maioria sunita da
Turquia secular.
E a República
Islâmica só pode contar, a seu favor, com Moscou. Não é tão pouco quanto possa
parecer.
A Síria é
indiscutível aliada chave do Irã no mundo árabe – e Rússia, junto com China, são
seus aliados geopolíticos chaves. A China, até agora, continua a repetir que
solução para a Síria, seja qual for, terá de ser negociada.
A única base russa
no Mediterrâneo está no porto sírio de Tartus. Não por acaso, a Rússia instalou
seu sistema S-300 de defesa – dos melhores sistemas de mísseis terra-ar de todas
as altitudes que há no mundo, comparável ao sistema Patriot dos EUA – em Tartus. E o sistema
será atualizado, em breve, para o S-400, ainda mais sofisticado.
Do ponto de vista
de Moscou – e também do ponto de vista de Teerã –, mudança de regime em Damasco
é caso de não-não. Significaria expulsão de virtualmente todos os navios russos
e iranianos, do Mediterrâneo.
Mas o ocidente
está-se movimentando pelas laterais. Diplomatas em Bruxelas confirmaram ao
jornal Asia Times Online que os ex-“rebeldes” líbios – hoje
empenhados em inventar algum governo com um mínimo de credibilidade – já deram
sinal verde para que a OTAN construa uma vasta base militar na Cyrenaica.
A OTAN não tem
poder de decisão nesses assuntos. Quem decide é o patrão – o Pentágono –,
interessado em reforçar o Africom, em
coordenação com a OTAN. Estima-se que nada menos que 20 mil pares de coturnos
serão desembarcados em solo líbio – 12 mil dos quais, no mínimo, coturnos
europeus. Serão responsáveis pela “segurança interna” da Líbia, mas lá ficarão
também de prontidão, para futuras campanhas militares que visem – e que outros
alvos haveria? – Síria e Irã.
Derrubar aqueles
xiitas
Dado que a mais
recente “coalizão de vontades” – a qual, por falar nisso, é repetição do modelo
líbio – está contra o regime de Bashar al-Assad na Síria, ela representa também
um guerra de cristãos/sunitas contra xiitas, sejam da minoria alawita na Síria
ou das maiorias xiitas no Irã, Iraque e Líbano.
Tudo isso é parte
e item da “oportunidade estratégica” identificada pelo poderoso lobby israelense em Washington: se atacarmos o elo
Damasco-Teerã, aplicaremos golpe mortal ao Hezbollah no Líbano. Isso, crêem os
ideólogos, pode agora ser vendido à opinião pública sob a máscara da ex
Primavera Árabe – agora já “Inverno Árabe” depois da metamorfose, antes “Verão
Árabe”, e já completamente contrarrevolução árabe.
Do ponto de vista
de Teerã, o que está acontecendo na Síria é cobertura “humanitária” para uma
complexa operação antixiita e anti-Irã.
O mapa do caminho
já está claro. Um fraco, dividido, não representativo Conselho Nacional Sírio –
ao estilo líbio – já está criado. E já há uma guerrilha (“insurgência”) sunita,
pesadamente armada, operando dos dois lados da fronteira entre Líbano e Turquia.
As sanções já pesam duramente sobre a classe média síria. Incansável campanha
internacional de propaganda de demonização do regime de Assad também já está em
campo. E abundam ações de guerra ‘psicológica’, para estimular deserções do
exército sírio (que não estão funcionando).
Relatório de pesquisador baseado no Qatar para o International Institute for Strategic
Studies (IISS) [1] chega bem perto
de admitir que o autodesignado “Exército Síria Livre” [ing. Free Syria Army] nada é além de um
bando de islamistas linha-dura, uns poucos desertores do exército genuíno e a
maioria são “irmãos” super radicais da Fraternidade Muçulmana pagos e armados
por EUA, Israel, monarquias do Golfo e Turquia. Nada há de “pró-democracia”
nesse pessoal – como a imprensa-empresa ocidental e a mídia de propriedade dos
sunitas não se cansam de repetir que haveria.
Quanto ao Conselho
Nacional Sírio, sediado em Washington e Londres e salpicado como sempre de
vários exilados sinistros, o seu
programa de governo promete governar a Síria tão militarmente como sempre foi o
governo sírio – variação da junta militar que governa o Egito – especialista em
bombardear cidadãos que protestem. O que obriga a pensar que a única solução
sensível é o povo sírio derrubar o estado policial do regime Assad, e pôr-se
veementemente contra o sinistro Conselho Nacional Sírio.
O
modelo de ditador desse temporada
E há,
como sempre, o ocidente desorientado e mal informado, que acredita que a Liga
Árabe – agora nada além de fantoche da política exterior dos EUA – estaria
alinhada a alguma das aspirações democráticas do povo sírio. O blogueiro As'ad
Abu Khalil (“The Angry Arab News
Service” ) acerta quando diz que,
depois da queda do presidente Hosni Mubarak no Egito, “a Liga Árabe é hoje uma
extensão do Conselho de Cooperação do Golfo [CCG]”.
Esse CCG é, de
fato, o Clube Contrarrevolucionário do Golfo. Seu esporte preferido é
privilegiar ditadores “modelo” – a começar por eles mesmos, mas incluindo Ali
Abdullah Saleh no Iêmen e os reizinhos da Jordânia e do Marrocos, que serão
anexados ao CCG porque, por mais que adorassem estar no Golfo Persa, não estão
(geograficamente falando). Por outro lado, o CCG odeia ditadores “errados” –
como o já detonado Muammar Gaddafi e Assad, os quais, não por acaso, estão
associados a repúblicas seculares.
A Casa de Saud, a
Jordânia e o ascendente Qatar estão mais do que confortabilíssimos, fazendo o
jogo de EUA e Israel. A Casa de Saud – cão alfa do CCG – invadiu o Bahrain com
1.500 soldados para esmagar protestos pró-democracia em tudo semelhantes aos do
Egito e Síria. A Casa de Saud ajudou a dinastia sunita al-Khalifa, que reina no
Bahrain, a disseminar a tortura contra os xiitas, que são 70% da população; os
bahrainis confirmam que todos os torturados sempre eram forçados a confessar
laços diretos com Teerã, “o mal”.
No Egito, a Casa
de Saud apoiou Mubarak até depois de deposto. Hoje apoia – até agora com mais de
US$4 bilhões de dólares – uma junta militar que, basicamente, quer manter o
poder, sem qualquer tipo de fiscalização ou transparência, sob fachada
“democrática”.
A Casa de Saud de
modo algum poderia conviver com qualquer tipo de democracia egípcia bem
sucedida. Quem acredite que a Casa de Saud algum dia defendeu ou defenderá
direitos humanos e democracia no Oriente Médio deve autointernar-se no manicômio
mais próximo.
A Liga Árabe –
também uma extensão da Casa de Saud – deu carta branca à OTAN para bombardear
estado-membro. Suspendeu a Síria dia 12 de novembro – o mesmo que fez com a
Líbia, dia 22 de fevereiro –, porque, diferente do que aconteceu no caso da
Líbia, as ordens que EUA e países europeus deram ao Conselho de Segurança da ONU
foram devidamente vetadas por Rússia e China.
Bem-vindos a uma
“nova” Liga Árabe na qual, se você não se ajoelha ante o altar do CCG, você é
automaticamente condenado a “mudança de regime”.
Mas ajoelhar-se e
cultuar o CCG não se compara a ajoelha e cultuar o Pentágono e a OTAN. Jordânia
e Marrocos são membros do Diálogo Mediterrâneo da OTAN; e o Qatar e os Emirados
Árabes Unidos são membros da Iniciativa de Cooperação de Istambul da OTAN. Além
disso, Jordânia e Emirados Árabes Unidos são as duas nações árabes que fornecem
soldados para a OTAN no Afeganistão.
Ivo Daalder,
embaixador do governo Obama à OTAN, já ordenou que a Líbia seja incluída no
Diálogo Mediterrâneo, com Marrocos, Jordânia, Egito, Tunísia, Argélia,
Mauritânia e Israel. E, no início de novembro, deu ao Conselho do Atlântico a
receita completa para atacar a Síria: uma “urgente necessidade” (por exemplo,
criar a impressão de que Assad massacrará os civis de Homs); um “relatório
regional” (que virá à velocidade da luz, do CCG/Liga Árabe); e um mandado da ONU
(Rússia e China já disseram que não, não haverá mandado da ONU).
Eis, portanto, o
que se pode esperar dessa “coalizão de vontades”: muita violência e ataques de
agentes secretos atribuídos ao regime Assad; apoio imediato do CCG/Liga Árabe à
democracia; e, provavelmente, ataque unilateral (porque, dessa vez, não haverá
Conselho de Segurança da ONU que autorize a intervenção).
O sonho do Grande
Oriente Médio
Não surpreende que
mentes lúcidas em Damasco, perscrutando o futuro nas folhas de chá, tenham
decidido agir. Damasco enviou mensageiros secretos para sondar o estado de ânimo
de Washington. O preço de Damasco ser deixada em paz: cortar todos os laços com
Teerã. O regime Assad ficou com o problema de descobrir o que lhe seria dado em
troca.
Os alawitas, menos
de 12% da população e toda a elite dirigente, não abandonarão o regime Assad.
Cristãos e druzos só podem esperar o pior de uma nova ordem muito possivelmente
dominada pela Fraternidade Muçulmana mais linha dura. Vale o mesmo pra um
vizinho crucialmente importante: o governo de Nuri al-Maliki em Bagdá.
A Rússia sabe que,
se o modelo atualmente implantado na Líbia for reproduzido na Síria – e com o
Líbano, hoje, já sob bloqueio de
facto pela OTAN –, o Mediterrâneo
será aquele sonho afinal concretizado, “um lago da OTAN”, que é o mesmo que
dizer que o Mediterrâneo estará sob total controle pelos EUA.
Moscou também sabe
que, no Grande Oriente Médio concebido pelos EUA – da Mauritânia ao Cazaquistão
– os únicos países que não estão ligados à OTAN por miríades de “parcerias” são,
além da Síria: o Líbano, a Eritréia, o Sudão e o Irã.
Quanto ao
Pentágono, o nome do jogo é “reposicionamento”. Porque, se você sai do Iraque,
você tem de ir para outro ponto qualquer no “arco de instabilidade”, de
preferência no Golfo. Já há 40 mil soldados dos EUA no Golfo, 23 mil dos quais
no Kuwait. Um exército secreto ‘extra’, para o Pentágono e a CIA, está sendo
treinado pela ex-Blackwater, já “reposicionada” como Xe, nos Emirados Árabes
Unidos. Está nascendo uma OTAN do Golfo. Talvez... OTANCCG, ou CCGOTAN?
Quando os
neoconservadores dos EUA governavam o universo – há apenas poucos anos – o motto era “Homens de verdade vão para Teerã”. É
hora de melhorar isso. A coisa hoje está mais para “homens de verdade vão para
Teerã via Damasco, mas só se tiverem colhões para encarar Moscou”.
Nota dos
tradutores
[1]“Revolutionary
road: Among the Syrian opposition” [Via
revolucionária: dentro da oposição síria].
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