Ramzy Baroud |
23-25/12/2011, Ramzy
Baroud,
Counterpunch
Traduzido pelo
pessoal da Vila
Vudu
Alguém
deveria informar aos produtores e distribuidores de noticiário, que os cerca de
4.500 soldados norte-americanos mortos na guerra do Iraque não são as únicas
vítimas a lamentar. Morreram também centenas de milhares de iraquianos,
resultado da tresloucada invasão norte-americana, e muitos mais foram feridos
e/ou mutilados para sempre.
Não
fosse a ação alucinada do ex-presidente George W Bush e seu bando de
neoconservadores, é alta a probabilidade de que essas vítimas da guerra do
Iraque ainda estivessem vivas hoje. O Iraque foi destruído várias, várias vezes,
por uma mistura bizarra de ambição evangélica, mania de fazer-se ver como
‘mocinho’ de filme de caubói e desejo patológico de “garantir a segurança de
Israel”.
Matéria
curta, exibida pela rede WTKR, afiliada da rede CBS de televisão em Vírgina,
citada em matéria do Los Angeles
Times Online dia 16 de dezembro,
mostrava uma bandeira dos EUA sendo hasteada numa pequena base militar em Bagdá.
Na cerimônia, o secretário de Defesa Leon E. Panetta reiterou os sacrifícios dos
EUA e tentou apresentar sob a luz de alguma racionalidade uma das guerras mais
destrutivas, na memória recente do mundo. Vários outros noticiários também
declararam terminada a guerra do Iraque, embora alguns manifestassem dúvidas
sobre se os iraquianos – apresentados como historicamente, se não geneticamente,
violentos – conseguirão administrar a própria vida, agora que os EUA davam por
encerrada sua intervenção “humanitária”.
Numa
revisão rápida dos fatos: Estimativa publicada em The Lancet informou que, entre março de 2003 e junho de
2006, 601.027 iraquianos sofreram morte violenta. Levantamento feito por Opinion Research Business, fixou em 1,03
milhão o número de mortos na guerra do Iraque, de março de 2003 a agosto de 2007.
WikiLeaks publicou declaração em que se lia que “dentre os quase 400 mil
documentos secretos dos EUA sobre a guerra do Iraque que divulgamos, vários
documentos comprovam que os EUA sabem que morreram pelo menos 15 mil iraquianos
a mais do que antes supunham”. Isso, além das centenas de milhares de iraquianos
mortos ao longo da década de sítio que os EUA impuseram ao Iraque, e as centenas
de milhares que foram mortos durante a primeira guerra do Iraque, entre
1990-91.
À
parte os números, a imprensa-empresa em todo o mundo está hoje dedicada a
reescrever os parâmetros da discussão, numa operação de omissão, apagamento e o
mais escancarado racismo.
Tome-se, por exemplo, o artigo de Loren Thompson na
revista Forbes. Thompson entende
que a guerra foi erro – não por causa das mentiras, da imoralidade ou da
ilegalidade – mas, exclusivamente, pelos muitos erros cometidos envolvendo
recursos, indecisão, falta de objetividade, ou por causa do sectarismo dos
iraquianos, ou por causa da inconsistência das decisões militares e outras
causas desse tipo. Apesar desses erros “nossas intenções eram boas” – garante
Thompson [1].
Para
evitar que alguém o tomasse por “esquerdista imbecil antiguerra” – que é como a
imprensa-empresa de direita apresenta qualquer um que se oponha por qualquer
motivo às guerras dos EUA – Thomson faz um comentário
interessante:
“O
que os políticos e a maioria dos eleitores nos EUA já sabem hoje é que o Iraque,
em primeiro lugar, nem deveria ser país; tentar fazer a democracia funcionar lá
sempre foi, mesmo, missão sem futuro”.
Esse
tipo de intransigência, de falta de decência democrática (destruir um país
soberano e, para justificar a destruição, negar-lhe o direito de algum dia ter
existido) – eco perfeito do que Israel diz sobre o que faz na Palestina – é
traço sempre presente em todos os veículos da grande imprensa-empresa nos EUA,
dessa vez nas representações que oferecem da Guerra do
Iraque.
Em artigo no
Los Angeles Times de
15/12, David S. Cloud e David Zucchino reconhecem, embora atrasados, que
iraquianos foram mortos. Mas citam o menor número de mortos que encontraram (do
website Iraqi Body Count), e recorreram a
generalizações tão vagas, que acabam por culpar os iraquianos por todas as
violências: “Sem os EUA, caberá aos iraquianos controlar a violência endêmica
naquele país”. [2]
Sim,
“endêmica” – uma endemia de violência: violência que seria “natural ou
característica de povo ou local específicos”, como diz o dicionário. Se os
iraquianos são naturalmente violentos, violentos por causa de sua cultura, de
sua religião, ou mesmo que fossem geneticamente violentos... por que o número de
mortos cresceu tanto, no Iraque, a partir de março de 2003, data da invasão
norte-americana? Quem tomou a decisão de ir à guerra, tornando a violência
“endêmica” no Iraque? Com certeza, não foram os
iraquianos.
Tampouco
foram os iraquianos os culpados por ressemear sementes dos conflitos sectários.
Estimular a violência sectária também foi estratégia para redefinir o papel dos
militares no Iraque: pararam de ter de encontrar armas de destruição em massa
(que jamais existiram) e puseram-se a combater o terrorismo e, simultaneamente,
jogavam gasolina no fogo da violência sectária.
Em
termos militares crus, é possível que a guerra do Iraque esteja acabada, mas no
que tenha a ver com o povo do Iraque, a guerra continua. O “experimento”,
iniciado há nove anos com bombardeio para gerar “choque e pavor”, reaparecerá
nas futuras políticas dos EUA. Toda a região foi convertida em espinha dorsal de
um Império norte-americano que enfrenta a decadência.
Em seu
influente livro A Doutrina
do Choque - a Ascensão do Capitalismo
de Desastre,
Naomi Klein mostrou como a guerra do Iraque foi concebida como modelo para todo
o Oriente Médio. Foi um teste, cujo sucesso influenciaria a geopolítica de toda
a região. No capítulo intitulado “Apagar o Iraque: À procura de um modelo para o
Oriente Médio”, Klein expõe a tentativa de destruir e em seguida ressuscitar o
país, de modo a que passasse a caber melhor na forma que mais interessava aos
que provocaram a destruição. A autora conclui assim a Parte 5 do livro: “De
fato, no final, a guerra do Iraque criou um modelo econômico: o modelo da guerra
e da reconstrução privatizadas – modelo que rapidamente se tornou produto de
exportação.”
Em artigo para
FoxNews Online, sob o título “Iraque: vitória ou derrota?”, Oliver
North não perde tempo com tentar mostrar-se isento, nem com manifestar qualquer
simpatia aos iraquianos. “Quem venceu a guerra?” – pergunta ele. “Essa é fácil:
os soldados, marinheiros, pilotos, policiais e
Marines dos EUA e o povo
dos EUA, cujos filhos e filhas serviram no Iraque”.
[3]
Foi
esse tipo de patriotismo irracionalista, esse fanatismo de torcedor de futebol,
que tornou a guerra possível. E continuará a facilitar guerras futuras, que
serão apresentadas ao “público interno” e, daí, ao mundo, como mais vitórias
falsas.
Quanto
aos milhões de norte-americanos (e muitas outras pessoas, nos EUA e em todo o
mundo), gente que valentemente, corajosamente, se opôs à guerra, continua a
opor-se.
Se
os EUA contam com reconquistar um átomo de credibilidade em todo o mundo, que
parem de pensar a guerra como mera oportunidade estratégica. A guerra é brutal e
desumana. É caríssima, em vários planos de valor e em vários sentidos. E suas
consequências terríveis persistem ao longo de várias gerações – como o futuro do
Iraque comprovará, sem dúvida e muito infelizmente.
Notas dos tradutores
[2] 15/12/2011, Los Angeles
Times, “Final
U.S. troops roll out of
Iraq ” (em inglês).
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