terça-feira, 31 de janeiro de 2012

O talento persa enlouquece Israel


31/1/2012, *MK Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

A expressão popular “Me segurem!”, que os israelenses usam muito, é útil quando, numa briga de rua, você pede que os amigos o segurem e impeçam que você dê uns sopapos no grandão que o desafia e que tem boa chances de, se quiser, pôr você a nocaute. 

Israel aprendeu a manobrar a expressão “Me segurem!” com perfeito timing. O timing é importante, porque, a menos que você grite “Me segurem!” a tempo, você estará à frente do grandão, sem opção de fuga; e ameaçado de ser visto como arrogante, que finge que é o que não é e que pode o que não pode. 

Mais uma vez, Israel está requentando a “ameaça” de que estaria à beira de atacar o Irã. Al-Jazeera publicou um interessante artigo de MJ Rosenberg, conhecido comentarista judeu-norte-americano, que oferece o histórico de muitas ameaças israelenses desse tipo, na história recente [1]. Claro que nenhuma das ameaças recentes foi cumprida. Por quê? É simples: o establishment militar e de segurança israelense é constituído de seres racionais, que conhecem bem as próprias potências e fragilidades e que não se deixarão arrastar por políticos ensandecidos. 

Assim sendo, por que Israel insiste em fazer, dessas ameaças verbais ocas, meio de vida? De fato, as ameaças não são completamente ocas: têm excelente lógica e objetivo claro. Israel está enviando sua mensagem aos políticos em Washington: “Façam mais alguma coisa, além do que estão fazendo no front iraniano”. Também nesse caso, o timing é importante. Nada horroriza mais Israel que a possibilidade de se reiniciarem negociações sobre a questão nuclear iraniana. O espectro de recomeçarem as negociações “5+1” e de avançarem provoca pânico em Israel. Portanto, Israel trabalha dedicadamente para boicotar qualquer via política/diplomática. Israel sabe que, mais cedo ou mais tarde, se se seguir a via diplomática, os passos lógicos seguintes porão frente a frente os diplomatas iranianos e norte-americanos. 

Então, Israel recomeçou, aos gritos de “Me segurem!”. Vale a pena ler o despacho (hilário) da Associated Press [2], sobre o desespero que cresce entre os israelenses. Mas o grito de guerra dos israelenses já começa a ecoar em Washington. O pessoal no Capitólio que recebe generosa contribuição do lobby israelense já está exigindo mais ação contra o Irã. Parece que já se estuda outro conjunto de sanções a serem impostas pelos EUA  [3] ao Irã. 

O governo dos EUA tem um problema a resolver. E tem também de prestar atenção ao que diz o influente canal Fox News: que o Irã pode vir a ser o coringa que decidirá as eleições presidenciais de 2012 [4]. O presidente Barack Obama sabe que a eleição será disputa apertada – a menos que os Republicanos indiquem Newt Gingrich para fazer-se de idiota na campanha, em comparação ao qual o atual presidente parece candidato infinitamente melhor.  

O desafio para Obama é conseguir surfar a onda da histeria de guerra que Israel tenta inflar; e extrair daquela histeria o maior número possível de votos conservadores durante a campanha; mas sem ter de atacar o Irã (ação para a qual, como Obama sabe melhor que qualquer um no planeta, os EUA não têm nem motivação nem capacidade). 

Do ponto de vista de Obama, o melhor dos mundos seria poder ordenar ataque militar limitado contra o Irã (como fez Bill Clinton, que disparou velhos mísseis contra Kandahar, mantendo-se bem longe, em distância segura). Mas essa não é opção hoje, a menos que houvesse total, absoluta, completa garantia, 100% garantido, que Teerã não retaliará. Essa garantia, evidentemente, não existe. 

Felizmente, Obama conta com os préstimos de um político experimentado: seu secretário de Defesa Leon Panetta. Panetta entrou logo em ação [5]. Desdisse tudo o que dissera antes e passou a dizer que o Irã tem capacidade para construir uma bomba no prazo de um ano, se resolver ter bomba; que se isso acontecer, e se a inteligência dos EUA apresentar provas de que o Irã persiste em seu programa nuclear, ele, nesse caso, não descartaria nenhuma opção, para impedir o avanço do Irã. Muito bem posto! Nesses termos, o Irã não precisa preocupar-se demais. E, ao mesmo tempo, Panetta consegue não desmentir nem contradizer Israel... apesar de ter lançado boa água fria na histeria israelense contra o Irã.

Simultaneamente, o Pentágono despachou mais navios de guerra para o Golfo Persa. O maior risco dessa encenação é que de repente, sem que nenhum dos hábeis protagonistas desejem, surja uma faísca que pode, em pouco tempo, desencadear conflagração apocalíptica.     

Não é descabido o medo dos israelenses, de serem condenados a viver em planeta deserto, dada a alta competência dos iranianos no front diplomático. O Irã é mestre consumado das artes da diplomacia e confia nos próprios talentos para servir, na máxima amplidão, aos interesses centrais do país. A saga pós-Iraque depois de 2003 é exemplo brilhante. 

Como bem se poderia prever, o Irã já começou a extrair importantes dividendos políticos da visita que os inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) fazem a Teerã. A equipe inclui dois inspetores de armas cuidadosamente selecionados os quais, muito provavelmente, já saíram de Viena com ordens de não voltar de Teerã sem alguma coisa que prove que a bomba existe. 

Pois os iranianos sugeriram que os inspetores prolonguem a visita, prevista para três dias, até depois de 30/1, [6] para que os inspetores possam visitar mais instalações nucleares no Irã e conversar o quanto queiram com cientistas iranianos, até que se convençam de que não existe programa iraniano para construir bombas atômicas.



Notas dos tradutores
[1] 30/1/2012, Al-Jazeera, em Iran: Iraq redux
[3] 30/1/2012, Associated Press (via GOOGLE) em US lawmakers to take up new Iran sanctions” 
[4] 30/1/2012, Fox News, em Iran may be wild card in 2012 election
[5] 30/1/2012, Radio Free Europe - Radio Liberty em Panetta Says Iran Could Develop Nuclear Weapon Within A Year
[6] 30/1/2012, Newsday, em Iranian: Nuke inspectors can stay longer


*MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

Ilustração Blog do Charque

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

ELAOPA 2011 – Encontro Latino Americano de Organizações Populares Autônomas


Elaborado por Passa Palavra TV  
Enviado por  Taiguara Belo de Oliveira

A série ELAOPA 2011 busca fazer um registro das principais questões que estiveram presentes e foram debatidas no IX Encontro Latino Americano de Organizações Populares Autônomas, realizado em janeiro do ano passado, em Jarinú – SP. Nesta primeira parte, o vídeo enfatiza algumas das dificuldades que antecedem a realização de um encontro deste tipo, expõe o tema que balizou as discussões e apresenta brevemente o local que acolheu e forneceu estrutura para o evento.

Parte 1 - Apresentação

ELAOPA - Parte I from Passa Palavra on Vimeo.


Parte 2 - Iniciativas de Poder Popular

A segunda parte do vídeo sobre o IX Encontro Latino Americano de Organizações Populares Autônomas traz depoimentos sobre experiências e desafios do trabalho de base que diversos grupos estão tentando realizar atualmente.

ELAOPA - Parte II from Passa Palavra on Vimeo.


Parte 3 – Cultura e Comunicação Popular

Nesta terceira e última parte da série ELAOPA 2011, são apresentadas algumas das iniciativas de produção cultural e simbólica que coletivos e organizações autônomas têm experimentado na prática, com o intuito de promover os princípios coletivistas das lutas sociais, bem como suas próprias formas de comunicação e representação

ELAOPA - Parte III from Passa Palavra on Vimeo.


Pepe Escobar: “O que o CCG quer da Síria?”




30/1/2012, Pepe Escobar, Asia Times Online ,
The Roving Eye blog
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu



A Liga Árabe já tem pronto o rascunho de uma nova resolução do Conselho de Segurança da ONU, para “resolver” a saga síria. [1] Talvez consiga enganar a opinião pública mundial e fazê-la crer que se trata de solução árabe altruísta para um problema árabe. Nada disso. 

Para começar, é rascunho de resolução redigida pelo CCGOTAN – a entidade simbiótica nascida da união de petromonarquias selecionadas do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) com países selecionados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Hoje, depois do “sucesso” do golpe que mudou o regime na Líbia, o CCGOTAN já bem poderia ser apresentado como o eixo que une os poodles  europeus do Pentágono às seis monarquias que compõem o Conselho de Cooperação do Golfo, também chamado Clube Contrarrevolucionário do Golfo (CCG). 

Aquele rascunho de resolução avança um passo além do chamado plano de transição da Liga Árabe definido há uma semana. Fala-se agora de um “mapa político do caminho” que significa, essencialmente, fazer o presidente Bashar al-Assad renunciar e afastar-se, instalando-se no poder o atual vice-presidente, que fará a transição, com governo de união nacional e eleições livres e limpas sob supervisão internacional. 

Segundo o Ministro das Relações Exteriores do Qatar, Hamad bin Jassim al-Thani, “O presidente delegará ao seu primeiro vice-presidente o pleno poder para trabalhar com o governo de unidade nacional e cumprir a tarefa a ele atribuída no período de transição”. 

Soa muito civilizado – não fosse apenas fachada para disfarçar mudança de regime imposta pela ONU. Rápido exame do rascunho de resolução também revela que se fixa um prazo para que Assad caia fora; se não, que aguente as consequências, “nos contatos e consultas” com a Liga Árabe. 

A parte “árabe” da Liga Árabe é pura ficção; quem está no comando é a Liga do Golfo ou, na prática, o Clube Contrarrevolucionário do Golfo; em resumo, a Casa de Saud. Até o Qatar, aspirante a potência regional, só aparece como coadjuvante. E o resto são meros extras. 

Com o quê temos a Casa de Saud e seus asseclas do Golfo detalhando um mapa do caminho para mudar um regime; e as democracias parlamentares ocidentais obedecem sem reclamar. E temos também governos como o dos Emirados Árabes Unidos (EAU) e do Kuwait defendendo direitos humanos em terras árabes. Parece plano nascido de uma cabeça dadaísta à Tristan Tzara, surrealista à André Breton e com um toque de Monty Python. 

Enfiem no saco esse remix de Somália

Não surpreendentemente, o governo sírio rejeitou esse projeto de resolução, como “acintosa intervenção em assuntos internos da Síria” – segundo a agência noticiosa SANA. O embaixador sírio na ONU, Bashar Ja’afari, foi mais graficamente claro: “a Síria não é a Líbia; a Síria não é o Iraque; a Síria não será a Somália; a Síria não será estado fracassado.” 

A Rússia, do grupo BRICS – assim como a China, que já vetou projeto anterior de resolução, redigido pelo ocidente – já enterrou também a nova versão. Para começar, o ministro das Relações Exteriores da Rússia Sergey Lavrov não entendeu por que a Liga Árabe suspendeu sábado passado sua missão de monitoramento na Síria. Lavrov apoiaria, isso sim, que se enviassem para lá “maior número de observadores”. 

A Rússia – que bem aprendeu as lições de aprovar-se resolução da ONU sem prazo ou limites para a Líbia – tem seu próprio projeto de resolução, segundo o embaixador russo na ONU, Vitaly Churkin, que privilegia um “processo político a ser conduzido pela Síria”, não “resultado imposto pela Liga Árabe a um processo político que ainda não existe” nem, e ainda pior, “mudança de regime” à moda do que foi feito na Líbia. 

A Rússia – diferente do ocidente – atribui a violência hoje já disseminada na Síria tanto ao governo de Assad quanto aos “rebeldes”. A própria Liga do CCG já admitiu, de certo modo, que há shabbihah (mercenários armados) dos dois lados, os do lado “rebelde” ligados ao já desacreditado Exército Síria Livre. 

A bandeja de doces, toda para mim 

Apesar de não haver condições objetivas para que a OTAN bombardeie a Síria, o eixo geopolítico CCGOTAN + Israel não desistirá de seus objetivos, que continuará a perseguir sem descanso. 

Quanto a esses objetivos, são muitos e vastos: preservar o controle total sobre qualquer transição relacionada à Primavera Árabe (caso do Iêmen); impedir mudanças no status quo (caso da repressão preventiva na Arábia Saudita, Jordânia e Marrocos); repressão sem limites (acontece no Bahrain); e, de preferência, pôr a mão do bolo dos outros e comer (caso da Líbia). 

Mas a Síria é infinitamente mais complexa: por causa da conexão iraniana; porque os BRICS China e Rússia bloquearão qualquer mudança de regime; porque não houve deserções em quantidade significativa entre os militares sírios; e porque o regime de Assad tem longa experiência com velejar entre as turbulências da coexistência entre maioria sunita e minoria alawita. 

Isso implica que a Liga do CCG foi bem-sucedida no Iêmen – controlou a “transição” e conseguiu mandar o ditador Ali Abdulla Saleh para os EUA. E foi só relativamente bem-sucedida no Egito: a cabeça da serpente (Hosni Mubarak) levou uns tabefes, mas o corpo da serpente (o establishment militar) continua bem vivo; o novo Parlamento eleito terá vasta maioria islâmica (toda a minha solidariedade vai para os jovens que começaram tudo, na Praça Tahrir, e estão hoje de mãos abanando). 

Até as pedras veneráveis na mesquita Umayyad em Damasco sabem que o Conselho Nacional Sírio (convenientemente exilado na Turquia e na França, países da OTAN) está sendo financiado pela Casa de Saud e pelo Qatar. Deve-se, portanto, esperar que mais armas pagas pelo CCG continuem a matar gente na Síria – agora já, também, nos subúrbios de Damasco. É claro que a Liga do CCG teve de retirar de lá os seus “monitores”: a única coisa que há para ver na Síria são os mercenários armados pela própria Liga. 

Até o reizinho de Playstation da Jordânia – o primeiro potentado árabe a desejar derrubar Assad (motivo pelo qual a Jordânia foi convidada a integrar-se ao CCG) – teve de admitir que não vê “possibilidade de grandes mudanças na Síria”. O rei Abdullah, pelo menos, teve o bom senso de observar que “é situação muito complicada e não há solução simples... Se se pode dizer que o Iraque foi solução simples. E a Líbia foi diferente. Estão todos confusos e não me parece que alguém tenha resposta clara sobre o que fazer sobre a Síria.” 

E estão acontecendo protestos pró-democracia na Jordânia viciada em CCG, praticamente todos os dias. A imprensa ocidental não noticia uma linha. A Líbia “Libertada” sumiu completamente da narrativa triunfalista ocidental; e a Anistia Internacional tem provas de que há mini-Gulags na Líbia e de que a tortura é sistemática. Os Médicos sem Fronteiras decidiram sair de Misrata, porque os “rebeldes”, como eram chamados antes, traziam-lhes prisioneiros torturados, para que fossem tratados... e pudessem continuar a ser torturados. 

O que nos leva diretamente à equivalência fantasmagórica que se constata entre os dois “conselhos de transição” na Líbia e na Síria. O mestre mal disfarçado, nos dos casos era (na Líbia) como hoje é (na Síria) o CCGOTAN. É possível que a Rússia tenha agenda própria em relação à Síria, mas os russos pelo menos sabem que a violência está sendo distribuída pelos dois lados: pelo regime de Assad e pelos que o querem derrubar – o Conselho Nacional Sírio e o Exército Síria Livre. 

O reizinho de Playstation acertou pelo menos num ponto: ninguém sabe o que fazer sobre a Síria. Trata-se de Assad de um lado, contra o CCGOTAN de outro – e os sírios médios, entre os quais há vasto espectro de opiniões, espremidos entre aqueles dois lados. Há rumores de que haveria um possível plano C: uma negociação à moda do bazaar, regada a incontáveis taças de chá verde, entre Assad e a Casa de Saud. É pouco provável. A Liga do CCG quer a bandeja toda – e tem planos para comer todos os doces, até o último.




Nota dos tradutores
[1] Foreign Policy – Sirya Resolutions (.pdf)

domingo, 29 de janeiro de 2012

“A propósito do Inferno”


Meu caro Zaratustra

Eis uma historinha escrita em 1849, mas que permanece atual. Veja se você identifica o autor. Trata-se de um encontro entre o diabo e um pastor evangélico.

Ei-la:

- Olá, pastor gorduchinho! - disse o diabo ao pastor. O que levou você a mentir tanto para esse povo desgovernado? Com que torturas do inferno os ameaçou? Não sabe que eles já sofrem torturas infernais em suas vidas terrenas? Não sabe que você e as autoridades do Estado são meus representantes na Terra? É você que os faz sofrer com as dores do inferno. Não sabia? Então, venha comigo.

O diabo agarrou o pastor pela gola, levando-o pelo ar para uma fábrica, a uma fundição de ferro. Viu um operário correndo apressado daqui pra lá e batalhando chamuscado junto ao forno. Logo o calor do fogo demonstrou ser muito pesado e denso para o pastor. Com lágrimas nos olhos ele rogou ao diabo:

-Deixe-me ir, deixe-me sair deste inferno!

- Mas, meu querido, preciso mostrar a você outros lugares.

O diabo agarra-o e arrasta-o para uma fazenda. Ali ele vê trabalhadores debulhando os grãos. A poeira e o calor são insuportáveis. O feitor, com um chicote, desapiedadamente bate naqueles que caem abatidos pelo trabalho ou pela fome.

A seguir o pastor é levado às choças onde esses mesmos trabalhadores vivem com suas famílias, numa espécie de buracos sujos, frios, fumacentos e fedorentos. O diabo sorri. Aponta a pobreza, a miséria daqueles lares.

- Bem, não basta? - pergunta. E parece que até o diabo já sente piedade.

O piedoso servo de Deus, mal podendo suportar o que vê, levanta as mãos e implora:

- Deixe-me sair daqui. Sim, sim. Este é o inferno na Terra.

- Mas, veja bem, e você ainda lhes promete um outro inferno. Você atormenta-os e tortura-os mentalmente quando já sofreram tudo, salvo a morte física. Venha cá. Quero lhe mostrar mais um inferno, um a mais, o pior de todos.

Ele levou-o a uma prisão e mostrou-lhe um calabouço com seu fétido ar e muitas formas humanas desprovidas de saúde e energia, esticadas no chão, cobertas de doenças, devorando seus pobres, nus e flácidos corpos.

- Tire as suas roupas de seda - disse o diabo ao pastor. - Ponha as pesadas cadeias de ferro nos tornozelos como esses desgraçados. Deite-se no frio e imundo chão e, enfim, fale com eles sobre o inferno que ainda os espera.

- Não! Não! respondeu o pastor. Não posso pensar em nada mais pavoroso do que isto. Eu suplico, deixe-me sair daqui.

-Sim, isto é o inferno. Não pode haver pior inferno do que este. Você não sabia disto? Não sabia que esses homens e mulheres a quem você ameaça com a descrição de um inferno futuro, não sabia que eles estão no inferno, aqui, antes de morrerem?

Fim da historinha, meu caro Zaratustra.

Foi tirada de uma crônica do Affonso Romano de Sant’Anna, escrita em 16 de junho de 1985, publicada no livro “Nós, os que matamos Tim Lopes”, e que reproduz algo que o Dostoievsky escreveu nas paredes de uma prisão na Rússia.

Nesse ponto, você que é um homem culto e conhece a história, vai me dizer que o extraordinário autor de “O Idiota” não falou em “pastor protestante”, mas sim em “padre”.

Pois é, caro Zaratustra, você tem razão, mas o que eu fiz foi apenas atualizar a historinha para os tempos modernos. Não muda quase nada.

Até.

Fred

P.S. No final da crônica do Affonso tem a seguinte observação:

Esta estória foi escrita em 1849, na Rússia. Emma Goldman a cita em 1889, comparando-a com a situação das prisões americanas. Quase 150 anos depois, a situação é a mesma, no Brasil.

Irã corta petróleo à União Europeia


Comentário do sítio Resistir.info: O servilismo da UE aos diktats do governo estadunidense manifestou-se, mais uma vez, na decisão de 23 de Janeiro de sancionar o Irã. Verifica-se que as pressões do governo Obama encontraram plena aquiescência nas instâncias comunitárias. Mas este tiro poderá sair pela culatra. 
A mais penalizada por tal decisão será a própria Europa e não o Irã. 
Não faltam compradores para o petróleo iraniano — mas os países europeus que importavam petróleo do Irã terão agora de ir buscá-lo mais longe e mais caro.
Quanto ao congelamento dos ativos do Banco Central do Irã, foi uma mera palhaçada psicológica da UE pois o BCI não tinha nem um cêntimo depositado em bancos europeus. Além disso, tal medida contribuiu para desacreditar – ainda mais – o já debilitado sistema bancário europeu.
Bem fez o Presidente Chávez da Venezuela quando mandou retirar todos os ativos venezuelanos depositados na banca europeia.

Parlamento iraniano
TEERÃ (FNA) – Membros do Parlamento iraniano concluíram um projeto de lei sobre o corte das exportações de petróleo do país para estados europeus, como retaliação pelo embargo de petróleo da UE contra Teerã, declarou sábado, 28, um deputado iraniano.

“O diploma tem quatro artigos, incluindo um que declara que a República Islâmica do Irã cortará todas as exportações de petróleo para os estados europeus até que estes cessem suas sanções petrolíferas contra o país”, disse o vice-presidente da Comissão de Energia do Parlamento, Nasser Soudani.

Ali  Larijani, Presidente do
Parlamento do Irã
Por outro lado, acrescentou, outro artigo exige que o governo cesse de importar mercadorias dos países envolvidos nestas sanções contra o Irã.

Após meses de debates, os estados membros da UE, na sua reunião de 23 de Janeiro, alcançaram finalmente um acordo para sancionar importações de petróleo do Irã e congelar os ativos do Banco Central do Irã dentro da UE.

A seguir à decisão, a responsável pela política externa da UE, Catherine Ashton, afirmou as sanções destinam-se a pressionar o Irã a retornar às conversações sobre o seu programa nuclear.

Contudo, apesar das afirmações de Ashton, o Irã sempre sublinhou estar preparado para retomar conversações com o Ocidente, mas tem enfatizado que nunca aceitará quaisquer pré-condições para as mesmas.

Rostam Qasemi, Ministro
do Petróleo do Irã
O ministro iraniano do Petróleo, numa declaração segunda-feira passada, minimizou os efeitos das sanções petrolíferas unilaterais dos EUA e da UE contra Teerã, considerando que tais embargos simplesmente prejudicarão as economias europeias.

“A apressada decisão de estados da UE de utilizarem o petróleo como ferramenta política terá um impacto negativo sobre a economia mundial e especialmente sobre a recuperação de economias europeias que estão a combater para ultrapassar a crise financeira global”, declarou o ministro. E acrescentou que apenas 18 por cento do petróleo produzido pelo Irã é exportado para países europeus.

A notícia original, em inglês, pode ser lida em: Iranian Parliament Finalizes Draft Bill on Cutting Oil Supplies to Europe” 
Esta tradução foi extraída de: Resistir

Manifestações digitais: DDoS é legítima desobediência civil



29/1/2012, Anonymous
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


A Interrupção Distribuída de Serviço [orig. Distributed Denial of Service (DDoS) é uma das táticas preferidas dos Anonymous. A mídia tem dito que a ação DDoS seria uma forma de hacking, mas não é. Na melhor das hipóteses, a mídia comete aí um erro técnico. A ação DDoS não provoca qualquer dano permanente e não implica invadir servidores nem capturar dados. O que se faz é, simplesmente, dirigir vários computadores para que enviem muitos pedidos de acesso a uma determinada página, cujo servidor fica sobrecarregado – é o equivalente a torcedores, numa partida de futebol, gritarem tão alto que o atacante do time adversário não consegue ouvir as instruções do técnico. Os quadrinhos abaixo explicam melhor:

Q1: [Locutora] “Hackers derrubaram ontem por pouco tempo o website da CIA...” 
Q2: [acima] O que os telespectadores ouvem: [no quadrinho] “Alguém invadiu os computadores da CIA!!” 
Q3: [acima] O que os especialistas em computadores ouvem: [no quadrinho] “Alguém rasgou um cartaz pendurado pela CIA!!

Nos EUA, as ações de DDoS são tratadas como crime, nos termos da Lei de Fraude e Abuso em Computadores [orig. Computer Fraud and Abuse Act], que prevê pena de 10 anos de prisão. Dada a semelhança entre as ações DDoS e outras táticas de desobediência civil aceitas há muito tempo, como os cidadãos sentarem-se no chão ou na calçada, para bloquear a passagem ou a entrada de prédios, a pena de 10 anos de prisão é desproporcional e injusta. 

Os Anonymous não são unânimes, e as opiniões divergem, talvez mais nesse caso que em relação a qualquer outra tática, sobre as ações de DDoS. De fato, muitos Anonymous, que consultaram a opinião de ONGs anti-ACTA, têm insistido, nos últimos dias, no sentido de que as ações DDoS sejam evitadas.


Mas depois que essa foto de deputados poloneses que protestavam contra o ACTA tornou-se viral ontem[1], é hora de todos reavaliarmos o papel e a legitimidade das ações de DDoS. Esses deputados usavam a máscara Guy Fawkes dos Anonymous, no mesmo momento em que a página do Parlamento polonês estava fora do ar, derrubada por uma ação DDoS dos mesmos Anonymous. Tudo quanto se diga é pouco! Não há dúvidas de que o jogo agora é outro! 

A ação DDoS foi tática muitíssimo efetiva para chamar a atenção mundial para a injustiça, tanto no caso da repressão na Tunísia e Egito, como no caso da censura que se implantará com leis como SOPA ou acordos comerciais como ACTA. Resposta simbolicamente rica, a ação DDoS declara: “Se vocês nos silenciam, nós silenciamos vocês.” Nesse sentido, funciona.

Mas a ação DDoS é apenas uma ferramenta, no nosso arsenal de protesto, não é a única. Temos também de nos envolver no processo político mais amplo – e para muitos de nós, profundamente frustrados depois das décadas em que só vimos corrupção e ausência de comprometimento nesse processo político – será preciso tampar o nariz. Como os eventos na Polônia mostraram, temos aliados nos locais mais inesperados.

Chegou um tempo em que temos de usar palavras para articular nossas demandas e desejos, em vez de só usarmos os pacotes User Datagram Protocol (UDP). 

Ainda há muito lulz a curtir – sob a forma de e-mails em massa, ações por fax e sobrecarregamento de serviços de telefone.

Assim sendo, convocamos os Anonymous e todos os internautas amantes da liberdade a fazer contato direto com os políticos eleitos.

O que dizemos é: “NÃO à lei SOPA! NÃO ao tratado ACTA!”. “Não toquem na Internet!” / “No SOPA! No ACTA! Hands off the Internet!”

Nos próximos dias, publicaremos informes sobre outras ações nas quais todos podem participar. 

Europa

Estados Unidos

Global

sábado, 28 de janeiro de 2012

Polônia assina tratado de censura à internet. Nas ruas, 20 mil protestam


26/1/2012, Russia Today (e vídeos)
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Imagens: Varsóvia. Manifestantes com adesivos anti-ACTA sobre a boca, participam de protesto contra os planos do governo polonês, de assinar o tratado internacional de copyrights ACTA (Anti-Counterfeiting Trade Agreement), em frente ao escritório da União Europeia em Varsóvia, dia 24/1/2012 (AFP Photo / Janek Skarzynski)

Depois de dias de protestos e ataques de hackers, a Polônia afinal assinou o controverso acordo ACTA (Anti-Counterfeiting Trade Agreement) sobre copyrights. Os opositores consideram que o acordo é um assalto à liberdade na rede, uma vez que exige que os provedores de serviços de internet policiem a atividade dos usuários.

O embaixador da Polônia no Japão Jadwiga Rodowicz-Czechowska assinou o acordo em Tóquio, na 3ª-feira. O tratado visa a harmonizar os padrões de proteção internacional de copyrights em várias indústrias, da indústria farmacêutica à indústria da moda.

Agora, o tratado terá de ser ratificado pelo Parlamento, que dificilmente deixará de fazê-lo, como informa Aleksey Yaroshevsky, para Russia Today.

A notícia chegou em dia de protestos de massa na Polônia, com dezenas de milhares de pessoas na rua, e muitas outras em ação online, contra o ACTA. Cerca de 15 mil ativistas marcharam em Krakow, 5 mil em Wroclaw e vários milhares em outras cidades polonesas.

Muitas páginas na internet, inclusive a do primeiro-ministro Donald Tusk, foram atacadas por hackers que exigem que o país não subscreva o tratado. Mas as autoridades polonesas mantiveram o projeto original, e a Polônia subscreveu o tratado.

O acordo ACTA, já assinado por EUA, Austrália, Canadá, Japão, Marrocos, Nova Zelândia, Cingapura e Coreia do Sul, tem sido criticado por grupos de direitos humanos, por ser acordo secreto, por jamais ter sido discutido publicamente e pelo potencial de abuso que inclui.

O acordo ACTA tem sido comparado às leis SOPA/PIPA repudiadas pela opinião pública, depois de intensa campanha, distribuída planetariamente, sobretudo, pela internet. No caso do acordo ACTA, a opinião pública foi mantida quase completamente à margem da tramitação, até que o grupo Anonymous, de hackerativismo, passou a divulgar informações e notícias sobre o real conteúdo daquele acordo.

O grupo Anonymous enviou duro aviso a autoridades polonesas, em que afirmam já ter informação altamente sensível sobre autoridades do governo polonês, e que divulgarão as informações em seu poder, caso o Parlamento ratifique o acordo.

“Governo polonês” – diz a declaração dos Anonymous, publicada em pastebin.com – “somos muito mais poderosos que vocês. Temos muitos arquivos seus e informação pessoal. Aviso: exercitem a cautela.”

Nos termos do ACTA, os provedores de serviços de internet ficam virtualmente obrigados a monitorar a atividade de todos os usuários à caça de possíveis violações de copyrights. O acordo também autoriza os proprietários das marcas e agentes da lei a violar a privacidade dos usuários, em investigações de supostas violações.

Além de afetar o uso da internet, o acordo impõe fortes restrições a outras áreas que envolvem patentes, como a produção de drogas genéricas.

Rick Falkvinge, fundador do Partido Pirata Sueco, disse, em entrevista a Russia Today, que o tratado de proteção de copyrights, ACTA, é “excelente exemplo de abuso de poder pelas corporações da indústria.” 

“A lei para prender usuários de internet foi negociada entre as corporações industriais. Os políticos já receberam a lei pronta” – disse Falkvinge. “Sociedades democráticas não podem operar desse modo, independente do que digam as leis.” 

Falkvinge crê que os ativistas conseguirão influenciar o Parlamento polonês, e que o movimento mundial contra as leis SOPA e PIPA nos EUA já o demonstraram.

“Milhões de pessoas, literalmente, milhões, escreveram ao Congresso dos EUA e disseram ‘não queremos essas leis, que não manifestam o que nós queremos que seja feito’. O Congresso dos EUA ouviu aquelas vozes e percebeu que, se se rendesse às corporações, os deputados e senadores perderiam votos. No final, a manifestação gigante dos eleitores conseguiu mudar a política” – disse Falkvinge.

“O tratado ACTA é caso clássico de políticos que fogem dos problemas reais” – disse Katarzyna Szymielewicz, ativista de direitos humanos na Polônia, em entrevista ao canal Russia Today.

“Os políticos recusam-se a reformar a legislação da propriedade intelectual. Em vez disso, preferem reforçar as medidas de censura.” Para Katarzyna Szymielewicz, a causa desses impasses e dessas reações violentas é a muito ampla ignorância, entre os políticos, sobre o que está em questão, quando se fala de propriedade intelectual e legisla-se sobre essas questões.

“Se os políticos cuidassem de promover uma complexa e ampla reforma na legislação da propriedade intelectual em toda a União Europeia, e no resto do mundo, todos veriam que bem facilmente se poria fim aos problemas da chamada ‘pirataria’. Deveriam cuidar de reformar as leis de propriedade intelectual, não recorrer à censura, como estão fazendo, mais uma vez.”


“SOPA e PIPA falharam, mas o ACTA é uma opção”

Membro do Partido Pirata da Alemanha, Stephen Urbach disse a Russia Today que em quase toda a Europa, exceto na Polônia, praticamente ninguém está realmente preocupado com o ACTA, porque é muito “abstrato”.

SOPA e PIPA são melhores exemplos, porque o blackout da internet conseguiu mostrar às pessoas o que poderia acontecer se aquelas leis fossem aprovadas” – explicou. “Mas não se pode fazer a mesma coisa com o ACTA. É impossível “ver” o que acontecerá e, por isso, é mais difícil organizar a campanha de protesto.”

Segundo Urbach, o Partido Pirata da Alemanha iniciou campanhas anti-ACTA na Europa, há cerca de dois anos.

“Praticamente ninguém prestou atenção, a imprensa não cobriu, ninguém se preocupou” – diz. “Agora, quando talvez já seja tarde demais, como sempre, as pessoas acordam e protestam ‘Ah, não, isso não está certo!”

Para Urbach, uma das razões pelas quais Washington desistiu tão rapidamente de suas próprias leis antipirataria foi a certeza de que já havia oACTA. – “SOPA e PIPA falharam, mas o ACTA ainda é a alternativa para muitos países” – diz ele.