30/1/2012, Pepe
Escobar, Asia Times Online ,
The Roving Eye blog
The Roving Eye blog
Traduzido pelo
pessoal da Vila
Vudu
A Liga Árabe já tem pronto o rascunho de uma nova
resolução do Conselho de Segurança da ONU, para “resolver” a saga síria.
[1] Talvez consiga enganar a opinião pública
mundial e fazê-la crer que se trata de solução árabe altruísta para um problema
árabe. Nada disso.
Para começar, é
rascunho de resolução redigida pelo CCGOTAN – a entidade simbiótica nascida da
união de petromonarquias selecionadas do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG)
com países selecionados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
Hoje, depois do “sucesso” do golpe que mudou o regime na Líbia, o CCGOTAN já bem
poderia ser apresentado como o eixo que une os poodles europeus do Pentágono às seis
monarquias que compõem o Conselho de Cooperação do Golfo, também chamado Clube
Contrarrevolucionário do Golfo (CCG).
Aquele rascunho de
resolução avança um passo além do chamado plano de transição da Liga Árabe
definido há uma semana. Fala-se agora de um “mapa político do caminho” que
significa, essencialmente, fazer o presidente Bashar al-Assad renunciar e
afastar-se, instalando-se no poder o atual vice-presidente, que fará a
transição, com governo de união nacional e eleições livres e limpas sob
supervisão internacional.
Segundo o Ministro
das Relações Exteriores do Qatar, Hamad bin Jassim al-Thani, “O presidente
delegará ao seu primeiro vice-presidente o pleno poder para trabalhar com o
governo de unidade nacional e cumprir a tarefa a ele atribuída no período de
transição”.
Soa muito
civilizado – não fosse apenas fachada para disfarçar mudança de regime imposta
pela ONU. Rápido exame do rascunho de resolução também revela que se fixa um
prazo para que Assad caia fora; se não, que aguente as consequências, “nos
contatos e consultas” com a Liga Árabe.
A parte “árabe” da
Liga Árabe é pura ficção; quem está no comando é a Liga do Golfo ou, na prática,
o Clube Contrarrevolucionário do Golfo; em resumo, a Casa de Saud. Até o Qatar,
aspirante a potência regional, só aparece como coadjuvante. E o resto são meros
extras.
Com o quê temos a
Casa de Saud e seus asseclas do Golfo detalhando um mapa do caminho para mudar
um regime; e as democracias parlamentares ocidentais obedecem sem reclamar. E
temos também governos como o dos Emirados Árabes Unidos (EAU) e do Kuwait
defendendo direitos humanos em terras árabes. Parece plano nascido de uma cabeça
dadaísta à Tristan Tzara, surrealista à André Breton e com um toque de Monty
Python.
Enfiem no saco
esse
remix
de Somália
Não
surpreendentemente, o governo sírio rejeitou esse projeto de resolução, como
“acintosa intervenção em assuntos internos da Síria” – segundo a agência
noticiosa SANA. O embaixador sírio na ONU, Bashar Ja’afari, foi mais
graficamente claro: “a Síria não é a Líbia; a Síria não é o Iraque; a Síria não
será a Somália; a Síria não será estado fracassado.”
A Rússia, do grupo
BRICS – assim como a China, que já vetou projeto anterior de resolução, redigido
pelo ocidente – já enterrou também a nova versão. Para começar, o ministro das
Relações Exteriores da Rússia Sergey Lavrov não entendeu por que a Liga Árabe
suspendeu sábado passado sua missão de monitoramento na Síria. Lavrov apoiaria,
isso sim, que se enviassem para lá “maior número de observadores”.
A Rússia – que bem
aprendeu as lições de aprovar-se resolução da ONU sem prazo ou limites para a
Líbia – tem seu próprio projeto de resolução, segundo o embaixador russo na ONU,
Vitaly Churkin, que privilegia um “processo político a ser conduzido pela
Síria”, não “resultado imposto pela Liga Árabe a um processo político que ainda
não existe” nem, e ainda pior, “mudança de regime” à moda do que foi feito na
Líbia.
A Rússia –
diferente do ocidente – atribui a violência hoje já disseminada na Síria tanto
ao governo de Assad quanto aos “rebeldes”. A própria Liga do CCG já admitiu, de
certo modo, que há
shabbihah (mercenários armados) dos dois lados, os do
lado “rebelde” ligados ao já desacreditado Exército Síria Livre.
A bandeja de
doces, toda para mim
Apesar de não
haver condições objetivas para que a OTAN bombardeie a Síria, o eixo geopolítico
CCGOTAN +
Israel não desistirá de seus objetivos, que continuará a perseguir sem
descanso.
Quanto a esses
objetivos, são muitos e vastos: preservar o controle total sobre qualquer
transição relacionada à Primavera Árabe (caso do Iêmen); impedir mudanças
no status
quo (caso
da repressão preventiva na Arábia Saudita, Jordânia e Marrocos); repressão sem
limites (acontece no Bahrain); e, de preferência, pôr a mão do bolo dos outros e
comer (caso da Líbia).
Mas a Síria é
infinitamente mais complexa: por causa da conexão iraniana; porque os BRICS
China e Rússia bloquearão qualquer mudança de regime; porque não houve deserções
em quantidade significativa entre os militares sírios; e porque o regime de
Assad tem longa experiência com velejar entre as turbulências da coexistência
entre maioria sunita e minoria alawita.
Isso implica que a
Liga do CCG foi bem-sucedida no Iêmen – controlou a “transição” e conseguiu
mandar o ditador Ali Abdulla Saleh para os EUA. E foi só relativamente
bem-sucedida no Egito: a cabeça da serpente (Hosni Mubarak) levou uns tabefes,
mas o corpo da serpente (o establishment militar) continua
bem vivo; o novo Parlamento eleito terá vasta maioria islâmica (toda a minha
solidariedade vai para os jovens que começaram tudo, na Praça Tahrir, e estão
hoje de mãos abanando).
Até as pedras
veneráveis na mesquita Umayyad em Damasco sabem que o Conselho Nacional Sírio
(convenientemente exilado na Turquia e na França, países da OTAN) está sendo
financiado pela Casa de Saud e pelo Qatar. Deve-se, portanto, esperar que mais
armas pagas pelo CCG continuem a matar gente na Síria – agora já, também, nos
subúrbios de Damasco. É claro que a Liga do CCG teve de retirar de lá os seus
“monitores”: a única coisa que há para ver na Síria são os mercenários armados
pela própria Liga.
Até o reizinho de
Playstation da Jordânia – o primeiro
potentado árabe a desejar derrubar Assad (motivo pelo qual a Jordânia foi
convidada a integrar-se ao CCG) – teve de admitir que não vê “possibilidade de
grandes mudanças na Síria”. O rei Abdullah, pelo menos, teve o bom senso de
observar que “é situação muito complicada e não há solução simples... Se se pode
dizer que o Iraque foi solução simples. E a Líbia foi diferente. Estão todos
confusos e não me parece que alguém tenha resposta clara sobre o que fazer sobre
a Síria.”
E estão
acontecendo protestos pró-democracia na Jordânia viciada em CCG, praticamente
todos os dias. A imprensa ocidental não noticia uma linha. A Líbia “Libertada”
sumiu completamente da narrativa triunfalista ocidental; e a Anistia
Internacional tem provas de que há mini-Gulags na Líbia e de que a tortura é
sistemática. Os Médicos sem Fronteiras decidiram sair de Misrata, porque os
“rebeldes”, como eram chamados antes, traziam-lhes prisioneiros torturados, para
que fossem tratados... e pudessem continuar a ser torturados.
O que nos leva
diretamente à equivalência fantasmagórica que se constata entre os dois
“conselhos de transição” na Líbia e na Síria. O mestre mal disfarçado, nos dos
casos era (na Líbia) como hoje é (na Síria) o CCGOTAN. É possível que a Rússia
tenha agenda própria em relação à Síria, mas os russos pelo menos sabem que a
violência está sendo distribuída pelos dois lados: pelo regime de Assad e pelos
que o querem derrubar – o Conselho Nacional Sírio e o Exército Síria Livre.
O reizinho de Playstation acertou pelo menos num
ponto: ninguém sabe o que fazer sobre a Síria. Trata-se de Assad de um lado,
contra o CCGOTAN de outro – e os sírios médios, entre os quais há vasto espectro
de opiniões, espremidos entre aqueles dois lados. Há rumores de que haveria um
possível plano C: uma negociação à moda do bazaar, regada a incontáveis
taças de chá verde, entre Assad e a Casa de Saud. É pouco provável. A Liga do
CCG quer a bandeja toda – e tem planos para comer todos os doces, até o
último.
Nota dos
tradutores
[1] Foreign Policy – Sirya Resolutions (.pdf)
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