Mahdi Darius Nazemroaya |
8/1/2012, Mahdi Darius Nazemroaya, Global
Research (com
mapas)
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
Depois de ouvir
ameaças dos EUA durante anos, o Irã está tomando medidas que sugerem que
considera fechar o Estreito de Ormuz e que tem capacidade para fazê-lo. Dia
24/12/2011, o Irã iniciou exercícios navais (Operação Velayat-90) no e à volta
do Estreito de Ormuz, do Golfo Persa e Golfo de Omã (Mar de Omã), ao Golfo de
Aden e Mar da Arábia.
Desde o início
daqueles exercícios, cresce a guerra de palavras entre Washington e Teerã. Mas
nada do que o governo Obama ou o Pentágono disseram ou fizeram, até agora,
dissuadiu Teerã de dar prosseguimento aos seus exercícios navais.
A
natureza geopolítica do Estreito de
Ormuz
À parte ser ponto
vital de trânsito para recursos energéticos globais e gargalo estratégico, dois
outros aspectos devem ser considerados se se analisa o Estreito de Ormuz e a
importância que tem para o Irã:
(1) a própria geografia do Estreito; e
(2) o papel do Irã na co-administração
do estreito, nos termos da legislação internacional e das leis nacionais
iranianas.
As embarcações de
todos os tipos que passam pelo Estreito de Ormuz sempre mantiveram contato com
as forças navais iranianas – a Marinha Regular Iraniana e a Marinha da Guarda
Revolucionária do Irã. As forças navais iranianas monitoram e policiam o
Estreito de Ormuz, administração compartilhada com o Sultanato de Omã, através
de um enclave omanita que há ali, Musandam. Mais importante que isso: para
navegar através do Estreito de Ormuz todo o tráfego marítimo, inclusive a
Marinha dos EUA, é obrigada a navegar por águas territoriais iranianas; para
sair, em muitos casos, cruzam-se águas territoriais de
Omã.
O Irã sempre
permitiu que embarcações estrangeiras amigas cruzem suas águas territoriais, nos
termos, também, da Parte III da Convenção da ONU sobre Lei do Mar e de trânsito
por mar, que estipula que as embarcações são livres para navegar pelo Estreito
de Ormuz e outros corpos d’água semelhantes, em velocidade constante e sem se
deterem, de um porto aberto até águas internacionais. Embora as autoridades de
Teerã sigam as rotinas da Lei do Mar, Teerã não é legalmente obrigada a
segui-las. Como Washington, Teerã também assinou seu específico tratado
internacional e jamais o ratificou.
Tensões entre EUA e Irã no Golfo
Persa
Atualmente, o
Parlamento (Majlis) iraniano está reexaminando o uso de águas iranianas
no Estreito de Ormuz, por embarcações estrangeiras. Há projetos de lei em exame,
para bloquear o trânsito de embarcações de guerra estrangeiras por águas
territoriais iranianas através do de Ormuz sem prévia permissão das autoridades
iranianas; a Comissão de Segurança Nacional e Política Exterior do Parlamento do
Irã está examinando projetos de lei que manifestarão a posição oficial do Irã,
orientada pelos interesses estratégicos e da segurança nacional do Irã. [1]
Dia 30/12/2011, o
porta-aviões USS John C. Stennis passou pela área na qual o Irã desenvolvia
exercícios navais. O Comandante das Forças Iranianas Regulares, major-general
Ataollah Salehi, alertou o USS John C. Stennis e outros navios dos EUA para que
não voltassem ao Golfo Persa, enquanto durassem as manobras navais do Irã;
acrescentou que o Irã não tem o hábito de dar o mesmo aviso duas vezes. [2] Pouco depois do duro aviso
iraniano, o secretário de imprensa do Pentágono respondeu, em declaração em que
se lia: “Ninguém, nesse governo procura confrontação [com o Irã] no Estreito de
Hormuz. É importante baixar a temperatura.” [3]
Num cenário real
de conflito militar com o Irã, é bastante provável que porta-aviões dos EUA
tenham de realmente operar de fora do Golfo Persa, do sul, do Golfo de Omã e do
Mar da Arábia. A menos que já seja operacional o sistema de mísseis que
Washington está desenvolvendo nas petromonarquias sul do Golfo Persa, deve-se
contar com a proibição de que grandes naves de guerra dos EUA cheguem ao Golfo
Persa. Isso, por causas associadas à geografia local e às capacidades de defesa
do Irã.
A
geografia contra o Pentágono: no Golfo Persa, a força naval dos EUA é
limitada
As forças navais
dos EUA – a Marinha e a Guarda Costeira dos EUA – são as maiores do mundo. Nada
se compara às capacidades dos EUA em águas profundas e oceânicas. Mas ser a
maior e a mais potente não implica que seja invencível. No Golfo Persa e no
Estreito de Ormuz, as forças navais dos EUA são
vulneráveis.
Apesar do poder e
das muitas capacidades, a geografia trabalha literalmente contra o poder naval
dos EUA no Estreito de Ormuz e no Golfo Persa. O Golfo Persa, pelo menos em
contexto estratégico e militar, é como um canal. Em termos figurativos, os
porta-aviões e grandes navios de guerra dos EUA ficam ali confinados, pode-se
dizer, “presos”, nas águas costeiras do Golfo Persa
É isso,
precisamente, que amplia muito as já altas capacidades dos mísseis iranianos. O
arsenal de mísseis e torpedos do Irã tem potencial para neutralizar as armas
navais dos EUA em águas do Golfo Persa. Por isso os EUA tanto se empenham hoje
para construir um “escudo” de mísseis no Golfo Persa, associando nessa
empreitada os países do Conselho de Cooperação do Golfo, já há alguns
anos.
Até os pequenos
barcos-patrulha iranianos no Golfo Persa, que parecem insignificantes e muito
pequenos comparados a um porta-aviões ou a um destróier gigantes, são ameaça
considerável às naves de guerra dos EUA, naquele cenário. Os barcos-patrulha
podem disparar uma barreira de mísseis que, sim, podem danificar muito e, mesmo,
destruir grandes navios de guerra. Além disso, os barcos-patrulha iranianos são
quase indetectáveis e são alvos difíceis, porque são pequenos e
rápidos.
As forças
iranianas também podem minar as capacidades navais dos EUA no Golfo com mísseis
lançados de terra, do interior do país, nas áreas próximas do norte do Golfo
Persa. Já em 2008 o Washington Institute
for Near East Policy reconheceu a ameaça, para forças navais dos EUA no
Golfo, das baterias de mísseis costeiros, dos mísseis terra-mar e dos pequenos
barcos armados com mísseis. [4] A
Marinha do Irã também conta com
drones, veículos anfíbios, minas, equipes de mergulhadores e
minissubmarinos, que serão mobilizados em qualquer guerra naval assimétrica
contra a 5ª Frota dos EUA.
O próprio
Pentágono já comprovou, em simulações, que uma guerra no Golfo Persa seria
desastrosa para os EUA. Exemplo disso é a operação Millennium Challenge 2002 (MC02),
simulação de guerra no Golfo Persa, feita entre 24/7/2002 e 15/8/2002, cuja
preparação consumiu quase dois anos. Essa manobra naval gigante foi das maiores
e mais caras jamais organizadas pelo Pentágono. Millennium Challenge 2002 foi criada
pouco depois de o Pentágono decidir que poderia fazer avançar a guerra no
Afeganistão, se atacasse Iraque, Somália, Sudão, Líbia, Líbano e Síria,
recolhendo ao final, como grande prêmio, o Irã – numa ampla campanha militar que
daria aos EUA a primazia no milênio que se iniciava.
Depois de
terminada a operação Millennium
Challenge 2002, a operação foi oficialmente
apresentada como simulação de guerra contra o Iraque de Saddam Hussein. De fato,
sempre se tratou do Irã. [5] Os EUA
já tinham as avaliações necessárias para a invasão do Iraque, por EUA e
Grã-Bretanha, que aconteceria pouco depois. E, detalhe importante, o Iraque
jamais teve força naval que exigisse empenho total da Marinha dos
EUA.
A Operação Millennium Challenge 2002 foi, sim,
simulação de guerra contra o Irã (na simulação chamado de “Red” [Vermelho] e
apresentado como estado “bandido” [orig.
rogue] do Oriente Médio no Golfo Persa). Só o Irã tem todas as
características de território e forças militares apresentadas como de “Red” –
dos botes-patrulha armados com mísseis até as unidades de motociclistas. Aquela
simulação monstro foi feita porque Washington planejava atacar o Irã
imediatamente depois de invadir o Iraque em 2003.
(...)
Não há qualquer
dúvida entre os especialistas de que o formidável poder naval dos EUA resulta
muito reduzido, pela geografia e pelas capacidades militares nos iranianos, no
caso de combate no Golfo Persa e, de fato, em grandes partes também do Golfo de
Omã. Longe de águas abertas, como no Oceano Índico ou no Oceano Pacífico, os EUA
teriam de combater sob condições extremas, sem a garantia de suficiente tempo de
resposta e, mais importante, ficarão impedidos de combater de distância
(considerada militarmente) segura. Setores inteiros das defesas navais dos EUA,
concebidos para combates navais em águas abertas e grandes distâncias entre os
combatentes, são absolutamente imprestáveis, nas condições de combate no Golfo
Persa.
Reduzir a importância do Estreito
de Ormuz, para enfraquecer o Irã?
O mundo inteiro
sabe da importância do Estreito de Ormuz. E Washington e seus aliados sabem
perfeitamente que os iranianos podem fechar militarmente o estreito por período
significativo de tempo. Essa é a razão pela qual os EUA estão trabalhando com
países do Conselho de Cooperação do Golfo – Arábia Saudita, Qatar, Bahrain,
Kuwait, Omã e Emirados Árabes Unidos – para alterar o trajeto de oleodutos que
evitem o Estreito de Ormuz e levem o petróleo do CCG diretamente ao Oceano
Índico, Mar Vermelho e Mar Mediterrâneo. Washington também tem pressionado o
Iraque para que busque vias alternativas em conversações com a Turquia, a
Jordânia e a Arábia Saudita.
Esse projeto
estratégico interessa muito também a Israel e à Turquia. Ancara tem mantido
discussões com o Qatar sobre a instalação de um oleoduto que chegaria à Turquia
através do Iraque. O governo turco tentou que o Iraque se interessasse por ligar
os campos de petróleo do sul e do norte a rotas de trânsito que atravessariam a
Turquia. É o projeto dos turcos, que se veem no futuro como corredor e
importante elo de trânsito e ligação de energia.
Se o petróleo
puder ser “desviado”, de modo a não ter de passar pelo Golfo Persa, ter-se-á
removido importante elemento de vantagem estratégica a favor do Irã e contra
Washington e seus aliados (removendo-se, ao mesmo tempo, parte considerável da
importância do Estreito de Ormuz. Esse “desvio” do petróleo pode bem ser
considerado exigência importante, em qualquer preparação dos EUA para guerra
contra o Irã. Sem isso, pode-se dizer que os EUA não farão guerra ao
Irã.
Nesse contexto
inscrevem-se os oleodutos Abu Dhabi Crude
Oil Pipeline ou Hashan-Fujairah Oil
Pipeline, projeto patrocinado pelos Emirados Árabes Unidos e que dispensaria
rota marítima pelo Golfo Persa e o Estreito de Ormuz. O projeto foi concluído em
2006, o contrato assinado em 2007 e a construção começou em 2008. [8] Esse oleoduto liga diretamente Abdu
Dhabi ao porto de Fujairah no litoral do Golfo de Omã, no Mar da Arábia. Em
outras palavras, levará o petróleo exportado pelos Emirados Árabes Unidos
diretamente ao Oceano Índico. Foi apresentado oficialmente como meio para
garantir segurança energética, evitando Hormuz (e tentando evitar também o
exército iraniano). Além do oleoduto, o projeto prevê também a construção de um
reservatório para armazenamento de petróleo em Fujairah – que está previsto para
manter o fluxo de petróleo para o mercado internacional, no caso de o Golfo
Persa ser fechado. [9]
Além do oleoduto
Petroline (oleoduto saudita,
leste-oeste), a Arábia Saudita também procura rotas alternativas, examinando
portos vizinhos na costa sul, na Península Arábica, em Omã e no Iêmen. O porto
de Mukalla, no Iêmen, no litoral do Golfo de Aden tem atraído especial atenção
de Riad. Em 2007, fontes israelenses informaram com algum alarde que começava a
ser projetado um oleoduto que ligaria os campos de petróleo sauditas aos portos
de Fujairah nos Emirados Árabes, Muscat em Omã e Mukalla no Iêmen. A reabertura
do Oleoduto Iraque-Arábia Saudita [orig.
Iraq-Saudi Arabia Pipeline (IPSA)] – o qual, por ironia, foi
construído por Saddam Hussein, que tentava escapar também do Estreito de Ormuz e
do Irã – também foi discutida entre sauditas e governo do Iraque em
Bagdá.
Se Síria e Líbano
fossem convertidos em estados-clientes de Washington, seria possível ressuscitar
o falecido oleoduto Trans-Arabian (Tapline), além de outras rotas
que vão da Península Arábica à costa do Mediterrâneo pelo Levante.
Cronologicamente, esse projeto explica os esforços de Washington para derrubar
os governos de Síria e Líbano, tentando isolar o Irã, antes de os EUA atacarem
diretamente Teerã.
Os exercícios
navais da Marinha do Irã, Operação Velayat-90, que se realizaram em área bem
próxima da entrada do Mar Vermelho no Golfo de Aden, fora de águas territoriais
do Iêmen, também se estenderam pela parte do Golfo de Omã frente ao litoral de
Omã e litoral leste dos Emirados Árabes Unidos. Dentre outras coisas, a operação
Velayat-90 deve ser interpretada como
sinal de que Teerã está preparada para operar também fora do Golfo Persa; e que
pode bombardear ou bloquear também os oleodutos que tentam ‘desviar’ do Estreito
de Ormuz.
Também nesse caso,
a geografia joga a favor do Irã. As rotas ditas “alternativas”, porque evitam o
Estreito de Ormuz, nem por isso alteram o fato de que a maioria dos campos de
petróleo dos países que integram o Conselho de Cooperação do Golfo localiza-se
no Golfo Persa ou em áreas próximas do litoral – o que implica que são
alcançáveis pelos mísseis de longa distância dos iranianos. Como no caso do
oleoduto Hashan-Fujairah, os
iranianos podem facilmente interromper o fluxo de petróleo, pode-se dizer, na
origem. Teerã sem dúvida deslocaria forças de terra, mar e ar, além dos mísseis,
e forças anfíbias para todas essas áreas. De fato, o Irã nem precisa fechar o
Estreito de Ormuz; os iranianos, de fato, têm ameaçado bloquear o fluxo de
petróleo (o que não precisa ser feito, necessariamente, com bloqueio do Estreito
de Ormuz).
Aos EUA só restou
Guerra Fria, na disputa contra o Irã
Washington está em
ofensiva contra o Irã, usando todos os meios ao seu alcance. As tensões em torno
do Estreito de Ormuz e do Golfo Persa são apenas um dos fronts de uma muito perigosa guerra fria regional,
de muitos fronts no Oriente Médio expandido, entre Teerã e
Washington. Desde 2001, o Pentágono está em processo de reestruturação para
“guerras não convencionais”, pensando em inimigos como o Irã [10]. Mas a geografia sempre operou
contra o Pentágono e os EUA – e é o que explica que ainda não tenham encontrado
solução para o dilema naval, no Golfo Persa. Sem poder recorrer à guerra
convencional, os EUA tiveram de recorrer, no caso do Irã, à guerra de
espionagem, guerra econômica e guerra diplomática.
Notas do autor
[1] 4/1/2012, Xinhuanet,
“Foreign
Warships Will Need Iran’s Permission to Pass through Strait of
Hormuz”.
[2] 4/1/2012, Fars News
Agency, “Iran Warns US against Sending Back Aircraft
Carrier to Persian Gulf ” January 4,
2011.
[4] Fariborz Haghshenass, “Iran’s
Asymmetric Naval Warfare”
Policy Focus, no.87 (Washington , D.C. : Washington Institute for Near Eastern
Policy, September 2010). Livro para
download.
(...)
[9] Ibid.
[10] John Arquilla, “The
New Rules of War” Foreign
Policy, 178 (March-April, 2010): pp. 60-67.
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